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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3987 Data: 17 de
julho de 2012
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EU E ELIO
NA DESCOBERTA DO BRASIL
-Não estamos mais no último baile da
Ilha Fiscal. - disse, quando os cinco sentidos me voltaram.
O ambiente em torno de nós era solene;
vozes altaneiras, com forte acento lusitano, se alternavam numa imponente
igreja.
-Carlos, meus ascendentes são hebreus. O
que faço numa missa católica?
-Elio, Henrique de Navarra, para se
tornar rei de França, abjurou o protestantismo e disse: “Paris vale uma missa”.
-Mas eu não pretendo ser rei e estamos
em Lisboa. - encrespou-se o Elio Fischberg.
-Recuamos alguns séculos. - constatei
olhando as pessoas ao redor e divisando uma multidão lá fora.
-Pelo figurino, estamos no século XV.
-Que figurino, Elio!... Isto não é
teatro.
-Viva o rei Dom Manuel I. - gritou a
plebe.
-É Dom Manuel, o Venturoso.
-Ele é venturoso porque colhe os frutos
de reinados anteriores ao dele que investiram na navegação, Elio. Podemos fazer
uma analogia com o Brasil em que alguns presidentes ficam com a fama do que os
outros fizeram antes deles.
-Preciso saber a data de hoje. - preocupou-se.
Depois de abordar um fidalgo que parecia
saído das páginas de Alexandre Herculano, voltou-se para mim.
-Carlos, estamos no dia 8 de março de
1500. Sabe o que isso significa?
Antes de eu responder, Causídico
Verborrágico se antecipou.
-Isso significa o Dia Internacional da
Mulher, e eu não dei um presente para a Regina.
-Elio, isso significa que esta missa é
uma despedida do povo português, com o seu rei à frente, da tripulação de Pedro
Álvares Cabral que parte para as Índias.
-Como você sabe disso?
-Tive boas professoras de história no
curso ginasial.
Depois, olhei-o abismado.
-Dona Sarita, sua mãe, não lhe ensinou
isso?
-Evidentemente que sim; obrigou-me saber
o nome das treze embarcações que compunham a frota de Cabral e também o nome
dos navegadores mais destacados como Bartolomeu Dias, Nicolau Coelho e Diogo
Dias.
-Você sabe que a missão do capitão-mor
Pedro Álvares Cabral não é apenas a busca de especiarias da Índia?
-Ele vai tomar posse do Brasil. - frisou
o Elio.
-Eu conhecia até agora a descoberta do
Brasil por livros, filmes e pela música de Villa Lobos.
-Temos a oportunidade, agora, de
conhecer ao vivo a descoberta do Brasil. - animou-se o Elio Fischberg.
-Então, vamos descansar porque as naus
partem amanhã. - propus.
Caminhamos pelas ruas lisboetas até uma
espelunca onde havia duas enxergas; deitamos nas mesmas, recuperamos a energia
despendida na farra do último baile da Ilha Fiscal e, antes das seis horas da
manhã, já víamos os navios que zarpariam para a Índia via Brasil.
-Elio, teremos de penetrar num desses
navios clandestinamente.
-Evite a nau comandada por Vasco Ataíde,
pois, se as palavras da minha mãe não se apagaram da minha memória, ela
afundará. - alertou-me.
Antes do embarque, conversamos com um
soldado.
-Por que Bartolomeu Dias, com a
experiência de ter enfrentado o Cabo das Tormentas, não é o capitão-mor? - quis
saber o Causídico Verborrágico.
-Pedro Álvares Cabral tem o título de
fidalgo do Conselho do Rei e foi nomeado Cavaleiro da Ordem de Cristo. Ele tem
de ser, por isso, o chefe, mas precisa de navegantes que conheçam a arte de se
conduzir o navio, como Bartolomeu Dias. - explicou o soldado.
-Quantos partirão? - perguntei.
-Mil e quinhentos, setecentos são
soldados, como eu. A frota está dividida em duas; a primeira, composta de nove
naus e duas caravelas, rumará para Calecute, com o fim de estabelecer relações
comerciais e uma feitoria, e a segunda, uma nau e uma caravela, partirá de
Sofala, na África.
-Sofala é um porto de Moçambique. -
esclareceu o Elio.
-Você está otimista em chegar a Índia? -
quis saber.
-Por que não estaria?... Vasco da Gama
chegou lá, contornando o sul da África e retornou no ano passado, 1499. Agora,
o Rei Dom Manuel I designou Pedro Álvares Cabral para fazer a mesma viagem e
firmar a presença portuguesa no solo indiano.
-E vai dar certo?
-Em todo o empreendimento que o rei se
envolve resulta em ganhos para Portugal, por isso ele é o venturoso. -
empolgou-se o soldado que, apressadamente, despediu-se de nós.
-Elio, que são duas pessoas no meio de
tanta gente?...
Assim, nós nos misturamos com os
marinheiros e conseguimos penetrar na nau capitânia.
-Quem é aquele sujeito barbudo, de uns
35 anos de idade, com o tamanho de um jogador de basquete?
-É o Pedro Álvares Cabral; ele tem mais
de 1,90m de altura. - elucidou-me o Elio.
Cinco dias depois, navegávamos nas águas
das Ilhas Canárias.
-Sabe o porquê desse nome?
E sem esperar pela nossa resposta, um
marujo fedendo a álcool disse:
-Por que há muitas aves canoras nessas
ilhas.
-Carlos, eu não fui tão bom em latim, no
Colégio Militar, quanto o Dieckmann, mas sei que Canárias vêm de canis,
cão. O nome se origina, portanto, dos cachorros.
-Há mais latidos do que trinados nessas ilhas.
- completei.
No dia 22 de março, passamos por Cabo
Verde. Um dia depois, um frêmito correu pela espinha de todos:
-Não se avistava mais a nau de Vasco
Ataíde.
-Carlos, não lhes diga a verdade.
Poucos dias depois, a ordem era navegar
mais a oeste.
-Por que se afastar ainda mais da
África? - reclamou um marinheiro.
Elio o ouviu e comentou em voz baixa:
-Ele e muitos aqui não sabem que Pedro
Álvares Cabral vai tomar posse do Brasil.
No dia 21 de abril, tripulantes com os
olhos iluminados apontavam para o mar e gritavam de alegria:
-Algas marinhas... Algas marinhas.
Em seguida, aves de pouca autonomia de
voo eram vistas.
No dia subsequente, a frota ancorou num
local que Pedro Álvares Cabral chamou de Monte Pascoal.
-Não vamos sair dos navios? -
impacientei-me.
Cabral esperou mais um dia e vendo
pessoas estranhas, ao longe, mandou Nicolau Coelho, que viajara com Vasco da
Gama, estabelecer contato. Os habitantes da terra eram pacíficos e os dois
índios da tribo Tupiniquim que Afonso Lopes, o piloto da nau capitânia, trouxe
a bordo para falarem com Cabral, comprovavam essa impressão.
Quando pisamos finalmente a terra, Elio Fischberg
disse diante de tanta gente nua à nossa frente:
-Infelizmente, não há costureiras por
aqui.
Depois, embarcamos e viajamos mais 65 quilômetros ao
norte, e ancoramos num lugar que foi batizado de Porto Seguro.
Era o dia 26 de abril, domingo de
Páscoa, e deu-se início a uma missa a ser celebrada por Frei Henrique de
Coimbra.
-Outra missa! - lamentou o Elio.
Enquanto o meu amigo resmungava, eu
convidava Pedro Álvares Cabral para me fazer uma visita em casa.
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