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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3983 Data: 09
de julho de 2012
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ALMOÇO À TROIS
Luca me cobrava um almoço com o “amigo
Elio”, pois o último ocorreu no Alentejano no dia 20 de janeiro, data em que
não se trabalhava no Rio de Janeiro, em homenagem ao santo padroeiro da cidade.
Cinco meses depois, exatamente no dia 20 de junho, abriu-se uma brecha na
agenda dos comensais porque o prefeito, atendendo a um pedido da Presidente da
República, declarou os dias 20, 21 e 22 como ponto facultativo por causa do
evento Rio + 20.
Afirmar que se abriu uma brecha na agenda é um
exagero, pois o Elio Fischberg tinha programado de manhã um implante dentário,
ainda assim, confirmou as sua presença. No sabadoido que antecedeu àquela quarta-feira,
no restaurante Alentejano, Luca expressou a sua preocupação.
-Será que o meu “amigo Elio” estará em
condições de cantar comigo ao som da flauta boliviana do Buraco do Lume?
Acalmei-o:
-Luca, fiz um implante de dente dez anos
atrás e só fiquei fora de combate enquanto houve a cirurgia; nas outras fases
do tratamento, eu praticava os meus exercícios aeróbicos normalmente.
O almoço foi marcado para as 12h 15min.
Como o Luca me pegaria de carro, calculei que quarenta minutos seria tempo
suficiente para irmos do Cachambi à Rua São José; por isso, às 11h, eu
conversava com a minha irmã, que aparecera lá por casa. Nesse instante, o
telefone tocou: era o Luca; demonstrava preocupação com o trânsito.
-Que horas você vem, então, me buscar? -
perguntei.
-Saio de casa agora.
Cacete, tenho de fazer em dez minutos o
que Joséphine Bonaparte fazia em dez horas: vestir-me.
Ajustei-me na camisa, olhando pela
janela, quando vi o Luca. Por sorte, meu cunhado, que viera pegar a minha irmã,
o retardava com um animado papo. Calculei que conversavam sobre a tradicional
festa junina da Dona Zita (sogra do Luca), que aconteceria dentro de pouco
tempo, reunindo as gerações dos moradores da Chaves Pinheiro com seus
familiares. Aqui, um parêntese: a festa
aconteceu e, segundo o depoimento dos que a frequentam há mais de 20 anos, foi
descaracterizada pelo grande número de pessoas que nem sabia direito em que rua
estava.
Sempre coloco as mãos no bolso para
saber se falta alguma coisa, não faltava; assim sendo, saí de casa acompanhado
da minha irmã. Na rua, houve os cumprimentos de praxe, depois, entrei no carro
do Luca e ela, no do marido.
-Não sei como será o trânsito que vamos
encontrar, por isso, é bom irmos agora. - mostrou-se previdente.
-Ouvi no rádio, que haverá uma
concentração na Cinelândia e, depois, uma passeata pela Avenida Rio Branco.
-Agora? - crispou-se o rosto do Luca.
-4h da tarde. - tranquilizei-o.
-Ainda assim, a Rio Branco está
interditada.
-Podemos fazer como naquele almoço em
que você foi pela Cidade de Deus porque tinha de passar no bicheiro de lá para
apanhar o dinheiro que você ganhou no jogo.
Não sei se ele ouviu a minha sugestão,
pois se deteve em outro assunto.
-Você viu aqueles índios que apontaram o
arco e a flecha para os seguranças do BNDES? Eles trataram de se esconder.
-A cena dos galalaus com medo das
flechadas dos índios não deixou de ser engraçada. - observei.
-Está cheio de índios pela cidade.
-Luca, eu ia, na segunda-feira, para o
restaurante Jirau, quando vinha, em sentido contrário, a passeata da cúpula das
nações, assim, eu assisti a tudo.
-Então, você viu as mulheres batendo
tambor de peito de fora?
-As que vi batendo tambor, serei
sincero, estavam de bustier. Havia várias alas, naquela passeata, como um bloco
carnavalesco: ala dos sem-terra, das lésbicas, das estrangeiras... Da caixa de
som vinha um discurso em língua espanhola. Havia trechos da passeata com uma
animação contagiante.
Luca evitou as avenidas presidente
Vargas e Rio Branco, trafegando pelas imediações da Lapa para chegar ao
estacionamento do Unibanco, a uns trezentos metros do restaurante Alentejano
sem problemas.
-Estamos chegando, Carlinhos.
-Estacionar ali requer muita perícia,
Luca. Eu, quando dirigia, treinava no estacionamento do Norte Shopping, isso na
época em que trabalhei meio-expediente. Mesmo com aqueles treinos, tenho as
minhas dúvidas de que posicionaria bem um carro onde você vai parar.
-Caramba, é um vigia do Unibanco que não
me conhece. - preocupou-se, quando despontou com o seu carro na frente do
estacionamento.
Luca se dirigiu a ele falando dos seus
velhos conhecidos do banco, enquanto mostrava sutilmente ao vigia a sua
condição de calouro.
-Carlinhos, aqui é o lugar dos diretores
e eu estou de bermudas. - sussurrou.
-Luca, enquanto você estaciona, vou ao
banheiro. Como diz a Rosa, eu transbordo como a “Fonte dos Quatro Rios” em
Roma.
Dez minutos depois, sentamos na mesa de
costume do Alentejano, e aguardamos o Elio Fischberg. Divisei-o ao longe, com
algo brilhante na mão. (*) Enquanto ele apertava a mão do Luca, disse-lhe que
me parecia Diógenes, com uma lanterna na mão, à procura e um homem...
-À procura de um homem honesto, bem
entendido, Elio. - frisei.
-Venho do dentista.
Elio Fischberg me surpreendeu ao contar
que, de fato, passara, horas antes, por uma cirurgia de implante.
-Como evoluiu!... Eu levei três
anestesias, o dentista pediu à enfermeira o martelo cirúrgico e o meu dente
levou várias marteladas. O sangue se espalhou pela minha cara.
-Eu não posso beber nada alcoólico e a
minha comida terá de ser pastosa. - informou o Elio.
Com a chegada do garçom, pediu-se uma
sopa para ele. O garçom nos alertou que demoraria, pois não estava na previsão.
Mas isso não importava.
-Também não posso falar muito. -
acrescentou o Fischberg. (**)
-Deixa isso com o Luca.
Luca entrou, então, num dos assuntos que
mais inflamam a sua oratória: Caetano Veloso. Se Cícero lançou as catilinárias,
discursos em que desancava Catilina, Luca lançou as “caetantinárias”. Como se reportava à crônica do compositor em
que foram citadas a droga e a presença de um dos filhos do banqueiro Walter
Moreira Salles, aparteei:
-Walter Moreira Salles foi ministro da
Fazenda do governo João Goulart.
Luca pensou que tal cargo fora ocupado
pelo banqueiro no governo JK. Elio também, porém, expressei-me com tamanha
convicção, que eles não discutiram comigo.
Causídico Verborrágico concordou com o
Luca: Caetano Veloso cometia um grave erro em reviver uma polêmica com Paulo
Francis, quando ele não está vivo para se defender. Tratava-se de um assunto
inteiramente intempestivo.
-Eu até comentei com a Regina sobre o
descalabro que o Caetano Veloso cometeu nesse artigo. - disse o Elio.
-E ele dizer que o Paulo Francis não
emplacou uma frase no New York Times, enquanto a Tropicália é uma referência. -
indignou-se o Luca.
-Isso é uma idiotice. - resumi.
Findo o almoço, que mesmo não ocorrendo
nas melhores condições físicas de um dos comensais, foi ótimo, eu disse,
enquanto atravessávamos a porta do Alentejano:
-Vocês dois não vão cantar?... Se vão,
nada de canções depressivas, pois, das outras vezes, os leitores reclamaram.
Porém, com a falta do boliviano flautista, que talvez se preparasse para alguma
passeata da Rio +20, eles não se animaram.
(*) Seria o
implante?
(**) E o
Distribuidor perdeu essa?
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