O BISCOITO MOLHADO
Edição 3988 Data:
18 de julho de 2012
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63ª VISITA À
MINHA CASA
-Pedro
Álvares Cabral, você de novo descobrindo o Brasil?!...
-É
verdade; depois de 1500 eu nunca mais estive aqui, no Brasil.
-Voltou
ao Brasil 512 anos depois.
-As
coisas mudaram muito; os habitantes vestem roupas...
-Fala
isso porque está em Del
Castilho , se estivesse na praia, veria que as coisas não
mudaram muito...
-E
Porto Seguro?
-Continua
com o nome que você deu, mas virou um lugar de turismo com os imóveis
supervalorizados.
-E
os índios? Não vi um só no caminho para cá.
-Se
você chegasse ao Brasil no carnaval, veria alguns.
-Da
próxima vez, aprazarei a minha viagem para os dias carnavalescos.
-Pedro
Álvares, você pertencia a uma ilustre família lusitana?
-Sim;
meu pai, Fernão Cabral, foi 1º regedor das justiças da Beira, adiantado-mor da
Beira, coudel-mor do Reino, alcaide-mor de Belmonte, Senhor de juro e herdade
de Belmonte, de Azurara da Beira e de Manteigas. Minha mãe, Isabel Gouveia, era
filha de João, senhor de Gouveia.
-Você
nasceu em 1467, em Belmonte e se chamava Pedro Álvares de Gouveia?
-Só
usei o sobrenome de meu pai um ano após a morte do seu primogênito.
-Falam
que a família Cabral deriva de um clã castelhano chamado Cabreiras, que as
armas de sua família foram elaboradas com duas cabras roxas em um campo de prata?...
-O
roxo representa a fidelidade. A minha família já se destacava no século XIV,
meu ascendente Álvaro Gil Cabral foi comandante militar de fronteira e
permaneceu ligado ao rei D. João I durante a guerra contra o rei de Castela.
Como recompensa, D. João I presenteou Álvaro Gil com a propriedade do feudo
hereditário de Belmonte.
-Você
recebeu, então, uma educação esmerada?
-Fui
enviado à corte do rei D. Afonso V em 1479, quando contava 12 anos de idade.
Fui educado em humanidades e treinado para pegar em armas e combater. Quando
estava com 17 anos, o rei D. João II me nomeou moço fidalgo.
-Era
um título que arrancava suspiros das cachopas?
Ele
ignorou o tom galhofeiro da pergunta e disse que a nomeação não representava
muito, mas tinha a sua importância por vir do rei.
-Adulto,
participei de missões no norte da África, lutas contra os muçulmanos, como
outros nobres ambiciosos da corte portuguesa.
-Você
se dava bem com o rei D. Manuel I, nessa época?
-Dom
Manuel, o duque de Beja, ascendeu ao trono em 1495 e me concedeu um subsídio
anual de 30 mil reais, em abril de 1497. Com esse valor pecuniário, recebi o
título de fidalgo do Conselho do Rei e fui nomeado Cavaleiro da Ordem de
Cristo.
-Em
1500, o rei o convocou para chefiar uma expedição à Índia, seguindo o caminho
percorrido por Vasco da Gama, que contornava a África?
-Aprendi
na escola que a rota pelo Mediterrâneo seria mais curta, mas os turcos tomaram
Constantinopla em 1453.
-Portugal
e Espanha buscavam uma rota alternativa para chegar à Índia, porque o Mar
Mediterrâneo estava sob o controle das repúblicas marítimas italianas e do
Império Otomano. Essa dificuldade foi benéfica para nós, pois Portugal se
expandiu com a descoberta de novas terras.
-Portugal
e Espanha. - acrescentei.
-Sim,
difundimos o cristianismo católico em terras pagãs.
-Por
isso, o Papa Alexandre VI dividiu as terras a serem descobertas entre
portugueses e espanhóis através do Tratado de Tordesilhas.
-Eu
estava bem ciente disso. - frisou Pedro Álvares Cabral.
-Não
se aborreça, mas tenho de dizer que você não tinha o tirocínio de Vasco da
Gama, em matéria de navegação, para levar à frente uma empreitada dessas.
-Era
costume a Coroa Portuguesa nomear nobres para comandar expedições navais e
militares.
-E assim as
embarcações da sua frota tiveram nobres, no comando, alguns sem experiência e
capacidade na arte de navegação.
-Houve líderes competentes, além disso, compuseram a
minha missão navegantes com grande conhecimento de arte náutica. Lá estavam
Bartolomeu Dias, o primeiro a dobrar o Cabo da Boa Esperança, Diogo Dias e
Nicolau Coelho, que, em assuntos de técnicas navais, ajudariam os comandantes
militares.
-Entendo.
-No decreto real que me nomeou capitão-mor, os motivos
lá estão: meus méritos e meus serviços prestados.
-Não discuto a sua qualidade de chefe militar; a sua
missão foi bem sucedida.
-Não foi fácil chefiar 1 500 homens, sendo 700
soldados, com plebeus sem experiência em combates e 13 navios.
-E qual seria a sua recompensa para tamanha
responsabilidade?
-Eu tinha direito a 10 mil cruzados, que equivaliam a
35 kgs de ouro e a adquirir 30 toneladas de pimenta, às minhas próprias custas,
para transportar de volta à Europa. Eu tinha permissão de vender a pimenta à
Coroa Portuguesa, livre de impostos. Autorizaram-me também a importar 10 caixas
de qualquer tipo de especiaria, livre de impostos.
-A Coroa Portuguesa foi generosa consigo.
-O rei D. Manuel I sabia que a minha viagem era
extremamente perigosa, não se tratava apenas de tomar posse da Ilha de Vera
Cruz...
-O Brasil.- interrompi.
-Aquelas terras se encontravam a leste do Tratado de
Tordesilhas e, portanto, pertenciam a Portugal.
-Quando você se convenceu que não se apossara de uma
ilha?
-Quando retomei a viagem, em 3 de maio, navegando ao
sul, constatei que encontrara, na realidade, um continente. Poucos dias depois,
veio aquela horrorosa tempestade ao sul da África. Em setembro, a mortandade de
Calecute... Fomos atacados à traição pelos muçulmanos.
E concluiu:
-Eu merecia muito mais de Portugal.
-Depois do seu retorno, D. Manuel I planejou outra
expedição à Índia para vingar as perdas portuguesas em Calecute e você foi
escolhido para comandar a “Frota da Vingança”. Durante oito meses você
trabalhou nos preparativos da viagem, mas, perto da partida, em 1502, você foi
afastado. Por quê?
-Questões políticas. O comandante passou a ser Vasco
da Gama e eu me afastei da corte.
-Mesmo afastado do rei, você se casou, em 1503, com
uma mulher de alta estirpe, D. Isabel de Castro, descendente do rei D.Fernando
I e sobrinha de Afonso de Albuquerque, grande líder militar lusitano.
-Tivemos quatro filhos.
-Você caiu durante um bom tempo em injusto
esquecimento.
-Vivo, ainda me concederam um subsídio mensal de pouco
mais de 2500 reais. Sofrendo de febres e tremores de uma malária mal curada, morri
em 1520 com pouco mais de 50 anos de idade.
O imperador D. Pedro II lutou pela reabilitação da sua
memória e quase houve uma crise diplomática entre Brasil e Portugal por causa
do desleixo a que relegaram seu túmulo. A irmã mais velha dele, que reinava em
Portugal, Maria II, acertou tudo.
-Sou hoje lembrado?
-A nota de mil cruzeiros novos, que vigorou de 1967 a 1970 trazia a sua
efígie e a de 100 escudos, dos anos 30, e as de 1000 escudos, antes da
implantação do euro, também traziam a sua efígie.
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