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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3973 Data: 21 de
junho de 2012
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AS
BESTEIRAS DE PORTUGAL
E DO MUNDO
Alencar é o poeta romântico de “Os
Maias” de Eça de Queirós, Cruges, o músico. Este, em dado momento do romance,
aflige uma personagem, Joaninha do Vilar, porque tocou ao piano os compositores
clássicos.
-”Ah! é seu amigo? Pois olhe, devia-lhe
ter dito que tocasse antes o Pirolito.” - diz ela para João da Ega.
Mais adiante, num sarau, Cruges
interpretava uma sonata e as senhoras próximas do João da Ega, perguntam-lhe se
“aquela coisa triste” fora composta pelo Cruges, o interpelado, amigo do
pianista, esclarece que se tratava da Sonata Patética de Beethoven; outra
personagem, a marquesa de Soutal, soube por uma das Pedrosas, que não ouviu
direito o nome da composição, que se tratava da “Sonata pateta” e esse nome
logo se espalhou por parte da plateia.
Eu julgava que Eça de Queirós recorria
ao exagero, mesmo à caricatura, algumas vezes, para retratar Portugal da sua
época, mas, depois que assisti a programas de cultura geral no canal RTP, uma
espécie de BBC desse país, constatei que Eça de Queirós não caricaturou nada e
que houve poucas melhoras nas escolas lusitanas do século XIX para cá. Cabe
aqui uma ressalva; quem exagerou foi eu, pois há perguntas sobre apresentadores
da RTP, jogadores de futebol, cantores de fado que nada tem a haver com dotes
culturais.
Num desses programas, já extinto, o
apresentador perguntou a uma marquesa de Soutal rediviva, qual a obra escrita
por Machado de Assis e, em seguida, lhe deu quatro opções: Dom Casmurro, Dom Quixote,
Dom Casmurrão e Dom João. A dona respondeu Dom Quixote. Essa resposta não
distancia uma nota da “Sonata pateta” atribuída a Beethoven.
Recentemente, a erudição dos portugueses
é posta a prova em outro programa. Este, denominado “O Elo mais fraco”, que
mantém os equívocos já assinalados no primeiro, mas a sua concepção é
brilhante. Se prevalece o preceito do Abelardo “Chacrinha” Barbosa, “Na
televisão, nada se faz, nada se cria, tudo se copia”, a RTP copiou
exemplarmente. Trata-se de uma autêntica teoria dos jogos; nove candidatos
respondem o mais rapidamente possível, por rondas, a questões num tempo
estipulado (3min, 2 min) e, ao final de cada ronda, ou rodada, todos votam
naquele candidato que consideram o “elo mais fraco”, que é eliminado. No fim de
cada ronda, uma voz grave, em off, informa apenas para os espectadores
quem se saiu melhor e pior. As questões acertadas representam 20 euros, que são
amealhados para a disputa final, quando um dos candidatos, antes de responder,
grita banca, se não, pode, por exemplo, baixar 300 euros para 0, caso erre a
indagação que lhe é dirigida. A prova se aproxima do final quando um mano a
mano, com cinco perguntas alternadas, resultará no recolhimento de todo o
dinheiro recolhido pelo vitorioso. Há casos em que se procura alijar do duelo o
candidato que se julga mais capacitado, ou o “elo mais forte”.
Sem a menor dúvida, a maior atração do
programa é o apresentador Pedro Granger, um jovem na casa dos trinta e poucos
anos de idade, que passa verdadeiras reprimendas nos maus alunos, sem se
importar se são homens ou mulheres, jovens ou idosos. A princípio, considerei-o
agressivo em demasia, mas, depois, percebi que a ligeireza com que argui, a
presteza com que repete a arguição, caso um candidato peça, evidencia que ele,
de todos ali, é que envida mais esforços para que a maior quantia em euros seja
amealhada (eles usam até gastar o verbo amealhar).
Há certos momentos de “O Elo mais Fraco”
em que eu me sinto transportado para as páginas de “Os Maias” com o Pirolito
e a Sonata pateta, com a diferença que a ironia do grande escritor
português é trocada pela irritabilidade mordaz do Pedro Granger.
Seguem alguns exemplos.
Encerrada uma ronda em que um dos
candidatos cometeu um erro horrível, o apresentador o abordou:
-Você é louco?
-Não.
-Vou repetir a pergunta: Qual é a
palavra que se inicia com “c” de casa, que significa a parte óssea da pata do
cavalo. E você responde batman?...
-Como eu não sabia, eu quis ser
engraçado.
-E você acha isso engraçado?
-Meus amigos acham.
-E você tem amigos?
Outro candidato, numa outra semana, não
acertou de que língua viva a palavra empenhar chegou às terras lusas:
-Eu lhe pergunto de que língua viva o
verbo empenhar entrou no idioma português, castelhano ou latim, e você me
responde latim?!...
-Eu me enganei...
-Você sai por aí falando latim? As
pessoas o abordam pelas ruas em latim?
Um dos casos mais significativos (não
vou usar “emblemáticos”, porque já se tornou clichê) aconteceu com uma
candidata que é professora de inglês.
-Rita, eu lhe pergunto se o acordo ente
Bélgica, Holanda e Luxemburgo, o BENELUX, foi o embrião da Comunidade Econômica
Europeia ou do Pacto de Varsóvia e você me responde Pacto de Varsóvia?
-Eu não sou professora de história.
-Mas não há necessidade de ser professora
de história para responder acertadamente. Isso é básico. Os seus alunos estudam
essa matéria.
Bem, Rita seguiu no programa e, aos
trancos e barrancos, sobreviveu até a rodada em que só restaram três
candidatos. Na hora de votar o elo mais forte, aquele que tinha acertado mais
questões resolveu eliminar o que errara menos do que ela e, questionado pelo
apresentador, revelou que era uma questão de estrategia. Na realidade, fugiu de
uma disputa que lhe parecia mais acirrada. No mano a mano, ou seja, nas cinco
perguntas alternadas, a professora até que não estava se saindo mal, quando,
então, lhe veio esta pergunta:
-Rita, em que país se encontra Waterloo,
lugar onde se deu uma famosíssima batalha.
A batalha que decidiu o destino da
Europa, no ano 1815, travada entre as tropas de Napoleão Bonaparte e o Duque de
Wellington, aconteceu, para a Rita, na... Argentina.
Nesse momento do programa, o
apresentador só se limita a formular as questões, ouvir as respostas e dizer
certo ou errado, mas, dessa vez, o errado foi gritado da sua boca com a
indignação de um Zola do Caso Dreyffus.
Apesar dessa besteira abissal, a Rita
derrotou o seu oponente e levou todo o dinheiro para casa, quase 3 mil euros.
Esperamos que ela separe uma parte da quantia para comprar livros de história.
Evidentemente, que as besteiras não
estão circunscritas a Portugal, espalham-se pelo mundo. Nélson Rodrigues, que
adivinhou em tantas profecias, acertou em cheio quando apontou para a revolução
dos idiotas. Eles não se limitarão mais a babar na gravata, querem agora o
poder – escreveu. Assim, não nos surpreende mais quando lemos que o ditador da
Venezuela, Hugo Chaves afirmou que o terremoto do Haiti foi provocado pelos
Estados Unidos.
Falando nos americanos, se Sérgio Porto
fosse vivo e morasse na terra do Tio Sam, redigiria um volumoso FEBEAUSA –
Festival de Besteiras que Assola os Estados Unidos da América – principalmente
nos dois mandatos do George Bush. Quando ele se encontrou com o presidente Lula
que, por sua vez, descobriu uma viagem de Napoleão Bonaparte à China, perguntou
se no Brasil havia negros.
Há negros sim, Senhor Bush e, com as
cotas raciais, até os brancos estão virando negros no Brasil.
É muita besteira.
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