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quarta-feira, 11 de julho de 2012

2181 - futebol de praia de agosto


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3981                                    Data: 05 de julho de 2012
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VOCÊ ESTÁ LIVRE?...

-Você é o meu primeiro passageiro de hoje? - disse-me o Paizão, às 16h 40 min, antes de acionar a primeira marcha e sair do ponto de táxi da Rua Domingo de Magalhães.
Pretendia lhe perguntar se, diferentemente do 081, que regula a sua idade, não acordava cedo, mas não pude porque o seu ímpeto para falar era intenso.
-Se não houvesse colegas como eu, poucos, é verdade, que gostassem de trabalhar de noite, os taxistas de outras cooperativas viriam para o nosso ponto, e isso viraria bagunça.
-É verdade. - foi o que eu pude falar.
-Há os passageiros fiéis, aqueles que fazem cursos noturnos, trabalham até mais tarde. Dona Carmem, por exemplo...
Numa lista de nomeações do Diário Oficial da União, no período do governo Geisel, publicaram um nome e, entre parentes, escreveram “prima de Dona Carmem”, como o Paizão não falaria dessa Carmem e seu afilhado, eu o interrompi:
-Um colega meu do Unibanco, que chegava do metrô por volta das 11 horas da noite, costumava pegar o táxi do Messias.
-O falecido Messias, o Gaguinho... Quem gagueja agora é o Cláudio, mas ele ainda é muito novo.
-O senhor roda até que hora?
-Largo o carro por volta de meia-noite e meia.
-Sim.
-Ontem, um casal jovem conversava, e eu parado no ponto. Vieram, então, até mim: ela ficaria na Rua Ferreira de Andrade e ele no Norte Shopping. Tudo bem; deixei a moça no seu destino e rumei para o Norte Shopping, porém...
-Porém... - repeti prevendo alguma coisa maliciosa.
-Ele me pediu para deixá-lo em Madureira. Bem, o cliente é aquele que manda; fomos para onde ele queria. Deixei-o em...
Ficam as reticências para marcar o meu esquecimento. Paizão disse o nome, mas ele escapou da minha memória. Da inspirada frase do Caetano Veloso, quando cometeu um erro contra si próprio, aplica-se a mim apenas a primeira alternativa: “Ou foi falha de memória senil ou autossabotagem neurótica.”
As ruas daquele trecho de Madureira estavam vazias, uma tranquilidade. Saltei do carro, vi algumas construções, depois de me sentir relaxado...
Os assaltantes ficam de tocaia. - pensei sem me manifestar.
-Voltei para o táxi, porque sempre há, em algum lugar, um passageiro à nossa espera.
E continuou:
-Quando paro de trabalhar, todos em casa dormem, não a minha neta, que assiste à televisão. Falo, então, para ela: agora, a televisão é minha. Às vezes, ela suplica: “Está no fim do filme...” De qualquer maneira, o controle remoto passa para a minha mão, e eu vejo televisão até 2 horas da manhã.
-Acorda tarde?
-Eu durmo, religiosamente, 8 horas por dia. Acordo, geralmente, 10 horas da manhã e, depois, vou caminhar.
-Faz bem em caminhar.
-Pois é, por causa de um noticiário da TV Globo, tenho perdido dias de caminhada. Meu cardiologista disse para eu caminhar, no mínimo, três vezes por semana, mas nem isso tenho conseguido ultimamente por causa desse informativo.  Estou com 76 anos de idade...
-Caminhe. - insisti, enquanto saltava do seu táxi na rua Modigliani.
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No dia subsequente, fui para casa no táxi do Botafoguense.
-E o Seedorf, vai dar jeito no Botafogo?
-Os craques que atuam na Europa, quando atingem a idade da aposentadoria, vêm jogar no Brasil.
-O Deco veio para o Fluminense e foi considerado o melhor jogador do campeonato carioca.
-Mas você está argumentando com a exceção em vez da regra. - retruquei.
-Se o Seedorf se entrosar bem com o Renato, o meio de campo do Botafogo ficará espetacular.
-Vamos torcer. - disse.
-E a decisão Corinthians e Boca Junior. - mudou de clubes, mas não de assunto.
-Interessei-me mais pela manifestação dos torcedores.
-Não se interessou pelo jogo?
-Previ que seria uma partida de cinquenta faltas, e depois de assistir à decisão da Eurocopa, quando Espanha e Itália só cometeram 10 faltas no primeiro tempo do jogo, afasto os meus olhos dos jogadores truculentos.
-Os espanhóis do escrete e do Barcelona dão olé que me lembram o Botafogo da década de 60.
Depois de concordar, acrescentei:
-Os adeptos do futebol dos botinudos passaram a dizer que olé era deboche. Recorda-se da decisão da Taça Brasil em que o Botafogo foi acuado no Mineirão porque havia aplicado um olé no Atlético Mineiro? Era o jogo da vingança para eles e o pau comeu em campo.
-Caçaram o Gérson em campo, porque comandara o toque de bola no Maracanã. - interveio.
-Poucos anos depois, o denominado futebol-força passou a predominar no Brasil também. - concluí.
-Renasceu no Barcelona que, em pouco mais de três anos, venceu quatorze títulos.
-Vendo a manifestação da torcida do Corinthians...
-Ah, sim, conte.
-O canal ESPN mostrou, poucas horas antes da final da Libertadores da América, um “grande jogador” de pôquer, com a camisa do Corinthians, ao lado de um repórter. Disse o repórter sobre esse  torcedor: “Ontem, ele estava em Las Vegas, hoje está aqui para assistir ao jogo, no Pacaembu, e amanhã, estará de novo em Las Vegas.
 -Que coisa! - admirou-se.
-Fiquei sem saber o que era maior nele: o vício pelo pôquer ou a paixão pelo Corinthians. - disse, enquanto saltava no meu destino.
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No dia seguinte, aguardava-me o táxi 017, do Dedão do Arqueiro Inglês.
-Que sol bonito!
-O sol de agosto é bonito e não agride. - acrescentei.
-Se continuar assim, pego uma praia amanhã. Praia, não, piscina. Já foi tempo em que eu ia para a praia.
-Eu já gostei de praia.
-Eu não saía da praia. Morava na Gávea e a praia era o meu segundo lar.
-Eu chegava de manhã à praia e me retirava de tarde, mas apenas nos fins de semana.
-Comigo era todo dia. Quando minha família se mudou para o Riachuelo, eu não esmoreci: pegava o 455, Méier-Copacabana, e saltava no ponto final. Continuei assíduo, apesar da distância.
-Eu também peguei essa linha de ônibus, mas o 474, Jacaré-Jardim de Alá, levou-me mais vezes para Ipanema e Leblon.
-Eu nunca gostei de ir à praia de carro, só em último caso. - frisou.
-O carro fica sujo de areia, que é de difícil limpeza. - mostrei que o entendia.
-Nessa minha vida praiana, tive oportunidade de trabalhar na IBM. Hoje, eu estaria aposentado e com um bom dinheiro.
Calei-me, pois suas lembranças se turvaram.
-Eu tinha 18 anos de idade. Quem, com 18 anos, pensa no amanhã? Interessam, nessa idade, apenas, praia e namorada. É preciso um pai para indicar o caminho, mas o meu pai, coitado, mal sabia para ele.
E deixando para trás a amargura do Dedão do Arqueiro Inglês, saí do seu táxi na Rua Modigliani.

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