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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3977 Data: 26
de junho de 2012
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86ª VISITA À MINHA CASA
-Grande Maurício de Medeiros!... Não o
vejo desde 1966.
-E como não reapareci como fantasma,
nenhuma pessoa viva me viu desde 1966.
-A sua visita me desvanece.
-Bem, Olavo Bilac esteve aqui,
recentemente e não criticou a recepção.(*)
-Recordo-me das suas colunas do Globo e
dos seus textos sobre o centenário de nascimento do Príncipe dos Poetas
Brasileiros.
-Lembra-se ainda do que escrevi sobre
ele?
-Ele foi o padrinho do seu casamento,
soube pela sua coluna.
-Isso mesmo. Olavo Bilac era muito amigo
do meu irmão, Medeiros e Albuquerque; eles pertenciam à mesma geração, meu
irmão era de 1867, e Olavo Bilac, de 1865.
-Você nasceu em 1885.
-Pois é; vinte anos depois do poeta;
herdei do meu irmão uma grande amizade.
-No livro de memórias do Medeiros e
Albuquerque, ele se justifica das conquistas amorosas em Paris, quando as
mulheres estavam carentes porque os homens lutavam contra os alemães na
Primeira Guerra Mundial, com o fato de ter dado duro na vida e ter cuidado dos
irmãos menores.
-Eu era um desses irmãos menores de que
ele cuidou.
-Sim, haja vista que você é dezoito anos
mais novo do que ele que, de fato, o educou muito bem.
-Ele fez por merecer o carinho das
parisienses que, pelo que escreveu, foi o que de melhor lhe aconteceu na vida.
-Maurício de Medeiros, você nasceu no
Rio de Janeiro e se formou em médico?
-Nasci no Rio de Janeiro e me formei
primeiramente em Farmácia; quatro anos depois, em 1907, diplomei-me em médico
pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
-Mas o ensino dessa disciplina no Brasil
não satisfazia a sua curiosidade profissional.
-Realmente; parti para a Europa e
frequentei vários cursos de especialização. Estudei com Emil Kraepelin,
psiquiatra alemão, considerado o criador da psiquiatria moderna.
-Retornou com uma invejável bagagem
intelectual.
-Tornei-me professor de Psicologia na
Escola Normal do Distrito Federal e, pouco depois, passei a ser catedrático de
Fisiologia e Patologia na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e
médico-psiquiatra do Hospital dos Alienados.
-Seu irmão, Medeiros e Albuquerque, como
sabemos, privou da intimidade de Olavo Bilac e escreveu que ele era morbidamente impressionável. Se alguém o
achasse mais pálido ou mais magro, ele se julgava gravemente enfermo. Olavo
Bilac também sofria de Transtorno Obsessivo Compulsivo, caso se encontrasse numa
sala com os quadros mal pendurados, não se continha e pedia licença para
ajeitá-los na parede. Medeiros e Albuquerque concluiu o óbvio, que o poeta
tinha de ser tratado pelo irmão mais novo, que já se destacava no ramo das
doenças nervosas.
-Eu, vinte anos mais moço, vi Olavo
Bilac com reverência, a nossa relação, mais do que de médico e paciente, era de
amigos, por isso foi meu padrinho de casamento.
-Mas Olavo Bilac não foi a única
personalidade de destaque cuja amizade proveio dos conhecimentos do seu irmão.
-Herdei também a amizade do Manoel
Bomfim, que foi médico, psicólogo pedagogo, sociólogo e historiador. Não
entendo como um homem da capacidade dele tenha caído no esquecimento.
-Brasil, Professor Maurício de
Medeiros... Porém, estudei numa escola primária que o homenageava com o nome
dele.
-Como Manoel Bomfim, procurei aprimorar
minha formação psicológica frequentando os cursos de George Dumas na Sorbonne.
-Darci Ribeiro, pelo menos, declarou que
Manoel Bomfim foi o pensador mais original da América Latina.
Manoel Bomfim, sob a influência de
Dumas, instalou o primeiro laboratório de Psicologia experimental no Brasil, eu
instalei o segundo; isso, no Hospital Nacional de Alienados. Com a aparelhagem,
Juliano Moreira também realizou vários trabalhos de pesquisa.
-E os livros, Professor Maurício de
Medeiros?
-Durante minhas atividades de docente e
clínico, escrevi vários livros, como “Ciência Impura”, de 1928, “A Psicoterapia
e suas modalidades”; de 1929; “Segredo Conjugal”, de 1933; “Aspectos da
psicologia infantil”, de 1952. No campo da Medicina Legal, escrevi “Casamento e
Psiquiatria”.
-Também foi acentuada a sua atuação na
política.
-Fui deputado estadual pelo Rio de
Janeiro em 1916, deputado federal em 1921, reeleito em 1927.
-A política atrapalhou a sua carreira de
grande médico?
-Bem, para a docência da Escola Normal,
elaborei tese sobre “Os Supranormais”, que foi publicada em 1930 pela Editora
da Vida Doméstica, não a defendi por causa do tempo que a política me exigia.
-No governo Juscelino Kubitschek, você
foi ministro da Saúde.
-Realizei um bom trabalho.
-Recordo-me que você, quando escrevia no
Globo, sempre que se referia ao Raimundo de Brito, ministro da Saúde do governo
Castelo Branco, lembrava que ele foi seu aluno.
-Apoiei o governo do Marechal Castelo
Branco, mas tive de protestar contra os interrogatórios a que submeteram o
ex-presidente Juscelino Kubitschek, que sofrera um enfarte, em 1959, quando
chefiava a nação.
-Não me saíram da memória as suas
palavras impressas no Globo.
-O Marechal Castelo Branco sofria
pressão da linha dura das Forças Armadas, pois ele não concordava com aquela
estupidez.
-Você se opunha, embora discretamente,
ao governador Carlos Lacerda. Citou, certa vez, no jornal, o Lacerdinha, aquele
inseto alienígena, de cor escura, com 3 milímetros , que
surgiu no Rio de Janeiro justamente no governo do Carlos Lacerda. Infestava as
árvores, entrava nos nossos olhos e ardia como o diabo.
-Você me conheceu quando eu tinha um
consultório na Rua da Quitanda?
-Isso; meu pai, que o conhecia do
jornal, disse, em 1965, quando eu tinha 17 anos de idade, que me levaria a uma
sumidade. Eu o conheci, então.
-Você, um garoto, e eu com 80 anos de
idade.
-Eu fumava desde os 13 anos de idade, a
partir dos 16, tentava abandonar o cigarro e não conseguia; bastou você me
dizer para eu parar com o tabagismo, que parei definitivamente. A cena foi
engraçada, pois você estava com um cigarro aceso no cinzeiro, quando me disse
isso.
-Cena engraçada, mas eficiente.
-Chamou-me a atenção o retrato de um
rapaz, vestido com o uniforme da aeronáutica, sobre a sua mesa de trabalho.
-Era meu filho; morreu na Segunda Guerra
Mundial. Conhece a história dele?
-Li em um dos livros da “História da
República Brasileira” do Hélio Silva. Tenho o livro aqui.
Peguei o livro, que se achava numa
estante próxima, e abri as suas páginas até encontrar o capítulo sobre as
baixas da FEB.
-Não sei se devo ler...
-Os atos de heroísmo devem ser
recordados.
-”Primeiro-tenente João
Maurício Campos de Medeiros – o avião também foi atingido pelo fogo
antiaéreo. Ao saltar de paraquedas, ao norte de Alessandria (**), caiu sobre
fios de alta tensão em 2 de janeiro de 1945.
Maurício de Medeiros repetiu a data e
lamentou que o seu filho se fosse a poucos meses do fim da guerra. (***)
-Conheci o senhor por pouco tempo, pois, em
1966, o senhor morria atropelado por um carro onde se encontrava o seu colega
da Academia Brasileira de Letras, Luís Viana Filho.
-Falando na minha morte, já é hora de eu
partir.
Com essas palavras, desmaterializou-se à
minha frente.
(*) Há
controvérsias. Do jeito que mentiras sobre conhecimentos de Latim são
proferidas, logo os fantasminhas do Biscoito irão perceber que a farinha tem
mais carunchos literários que trigo.
(**)2o Tenente Aviador JOÃO MAURÍCIO
CAMPOS DE MEDEIROS
Conhecido como "Boulanger", nasceu
no Rio de Janeiro em 15 de Abril de 1921. O apelido lhe vem de Cabo Frio quando
andava pelos 15 anos e manteve uma transa com o pessoal feminino de uma padaria
(boulangerie) local e que terminou em uma corrida noturna até o Rio.
Ainda criança, foi viver em Paris, onde
completou o primário retornando ao Brasil com 10 anos. Escolheu a agronomia
como profissão, tendo cursado até o 2o ano. Ao tomar
conhecimento da criação do Ministério da Aeronáutica (20 Janeiro de 1941) veio
para o Rio tratar de seu ingresso na Escola de Aeronáutica dos Afonsos.
Seu curso foi brilhante, destacando-se na
pilotagem como um dos melhores da turma. Por seu mérito, foi escolhido como
instrutor de vôo quando saiu Aspirante Aviador. Declarada a guerra, foi
voluntário para compor o 1o Grupo de Caça.
Em Aguadulce, já como integrante do Grupo
destacou-se principalmente no tiro aéreo, quando ocupou o primeiro lugar.
Esportista, excelente dançarino, sempre
alegre, foi figura de primeiro plano em todas as nossas comemorações. Obteve
com o P-47, o mesmo sucesso conseguido com o P-40 no Panamá.
Medeiros, antes de embarcar para o Teatro
Europeu, comprou em N.York um par de pantufas, um robe de chambre estilo chinês
e um cachimbo. Iria inaugurar esse material no acampamento de Tarquínia...
Um espetáculo à parte no acampamento era a ida
de Medeiros ao banheiro. Calçava pantufas, vestia o robe chinês, punha um
capacete de aço na cabeça e marchava solene para o banheiro que, diga-se de
passagem, era a céu aberto. Enterrava as pantufas na lama e chamava a atenção
de todos...
No dia 2 Janeiro de 1945, voando na ala do
Dornelles, ao atacar uma locomotiva na estação de Alessandria, seu P-47 foi atingido
mortalmente. Estava baixo mas, em uma fração de segundos, abandonou o aparelho.
Antes do salto, ainda teve tempo de comunicar aos companheiros que iria deixar
a aeronave.
Não havendo tempo nem altura suficiente para
desviar o paraquedas dos fios de alta tensão, veio a chocar-se com os mesmos,
sendo eletrocutado instantaneamente. A confirmação de sua morte, só a tivemos
depois da Guerra.
Ninguém da sua esquadrilha percebeu o detalhe
do choque com fios de alta tensão. Para todos, o Medeiros estava salvo, indo
passar o resto da Guerra em
um Campo de Concentração.
Morreu lutando... Seu nome hoje engalana o
Centro de Civismo da Escola Supletiva Cantagalo, no Rio de Janeiro.
Maj.- Brig.- Ref. Rui Barboza Moreira Lima
Extraído do Livro SENTA a PÚA
(***)
Tem Rua Tenente Mauricio de Medeiros no Brasil inteiro, inclusive em Santa Teresa ,
que, lamentavelmente, poderá ser
visitada neste detestável evento Santa Teresa de Portas Abertas, que ocorrerá nos
dias 7 e 8 próximos.
Confira:https://maps.google.com.br/maps?hl=pt-BR&q=rua+ten.+maur%C3%ADcio+de+medeiros,+rj&ie=UTF-8&ei=CpP1T-U2quTRAb_tkYMH&sqi=2&ved=0CEoQ_AUoAg
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