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quinta-feira, 5 de julho de 2012

2177 - o pai do Medeiros voador


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3977                                       Data: 26 de junho de 2012
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86ª VISITA À MINHA CASA

-Grande Maurício de Medeiros!... Não o vejo desde 1966.
-E como não reapareci como fantasma, nenhuma pessoa viva me viu desde 1966.
-A sua visita me desvanece.
-Bem, Olavo Bilac esteve aqui, recentemente e não criticou a recepção.(*)
-Recordo-me das suas colunas do Globo e dos seus textos sobre o centenário de nascimento do Príncipe dos Poetas Brasileiros.
-Lembra-se ainda do que escrevi sobre ele?
-Ele foi o padrinho do seu casamento, soube pela sua coluna.
-Isso mesmo. Olavo Bilac era muito amigo do meu irmão, Medeiros e Albuquerque; eles pertenciam à mesma geração, meu irmão era de 1867, e Olavo Bilac, de 1865.
-Você nasceu em 1885.
-Pois é; vinte anos depois do poeta; herdei do meu irmão uma grande amizade.
-No livro de memórias do Medeiros e Albuquerque, ele se justifica das conquistas amorosas em Paris, quando as mulheres estavam carentes porque os homens lutavam contra os alemães na Primeira Guerra Mundial, com o fato de ter dado duro na vida e ter cuidado dos irmãos menores.
-Eu era um desses irmãos menores de que ele cuidou.
-Sim, haja vista que você é dezoito anos mais novo do que ele que, de fato, o educou muito bem.
-Ele fez por merecer o carinho das parisienses que, pelo que escreveu, foi o que de melhor lhe aconteceu na vida.
-Maurício de Medeiros, você nasceu no Rio de Janeiro e se formou em médico?
-Nasci no Rio de Janeiro e me formei primeiramente em Farmácia; quatro anos depois, em 1907, diplomei-me em médico pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
-Mas o ensino dessa disciplina no Brasil não satisfazia a sua curiosidade profissional.
-Realmente; parti para a Europa e frequentei vários cursos de especialização. Estudei com Emil Kraepelin, psiquiatra alemão, considerado o criador da psiquiatria moderna.
-Retornou com uma invejável bagagem intelectual.
-Tornei-me professor de Psicologia na Escola Normal do Distrito Federal e, pouco depois, passei a ser catedrático de Fisiologia e Patologia na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e médico-psiquiatra do Hospital dos Alienados.
-Seu irmão, Medeiros e Albuquerque, como sabemos, privou da intimidade de Olavo Bilac e escreveu que ele  era morbidamente impressionável. Se alguém o achasse mais pálido ou mais magro, ele se julgava gravemente enfermo. Olavo Bilac também sofria de Transtorno Obsessivo Compulsivo, caso se encontrasse numa sala com os quadros mal pendurados, não se continha e pedia licença para ajeitá-los na parede. Medeiros e Albuquerque concluiu o óbvio, que o poeta tinha de ser tratado pelo irmão mais novo, que já se destacava no ramo das doenças nervosas.
-Eu, vinte anos mais moço, vi Olavo Bilac com reverência, a nossa relação, mais do que de médico e paciente, era de amigos, por isso foi meu padrinho de casamento.
-Mas Olavo Bilac não foi a única personalidade de destaque cuja amizade proveio dos conhecimentos do seu irmão.
-Herdei também a amizade do Manoel Bomfim, que foi médico, psicólogo pedagogo, sociólogo e historiador. Não entendo como um homem da capacidade dele tenha caído no esquecimento.
-Brasil, Professor Maurício de Medeiros... Porém, estudei numa escola primária que o homenageava com o nome dele.
-Como Manoel Bomfim, procurei aprimorar minha formação psicológica frequentando os cursos de George Dumas na Sorbonne.
-Darci Ribeiro, pelo menos, declarou que Manoel Bomfim foi o pensador mais original da América Latina.
Manoel Bomfim, sob a influência de Dumas, instalou o primeiro laboratório de Psicologia experimental no Brasil, eu instalei o segundo; isso, no Hospital Nacional de Alienados. Com a aparelhagem, Juliano Moreira também realizou vários trabalhos de pesquisa.
-E os livros, Professor Maurício de Medeiros?
-Durante minhas atividades de docente e clínico, escrevi vários livros, como “Ciência Impura”, de 1928, “A Psicoterapia e suas modalidades”; de 1929; “Segredo Conjugal”, de 1933; “Aspectos da psicologia infantil”, de 1952. No campo da Medicina Legal, escrevi “Casamento e Psiquiatria”.
-Também foi acentuada a sua atuação na política.
-Fui deputado estadual pelo Rio de Janeiro em 1916, deputado federal em 1921, reeleito em 1927.
-A política atrapalhou a sua carreira de grande médico?
-Bem, para a docência da Escola Normal, elaborei tese sobre “Os Supranormais”, que foi publicada em 1930 pela Editora da Vida Doméstica, não a defendi por causa do tempo que a política me exigia.
-No governo Juscelino Kubitschek, você foi ministro da Saúde.
-Realizei um bom trabalho.
-Recordo-me que você, quando escrevia no Globo, sempre que se referia ao Raimundo de Brito, ministro da Saúde do governo Castelo Branco, lembrava que ele foi seu aluno.
-Apoiei o governo do Marechal Castelo Branco, mas tive de protestar contra os interrogatórios a que submeteram o ex-presidente Juscelino Kubitschek, que sofrera um enfarte, em 1959, quando chefiava a nação.
-Não me saíram da memória as suas palavras impressas no Globo.
-O Marechal Castelo Branco sofria pressão da linha dura das Forças Armadas, pois ele não concordava com aquela estupidez.
-Você se opunha, embora discretamente, ao governador Carlos Lacerda. Citou, certa vez, no jornal, o Lacerdinha, aquele inseto alienígena, de cor escura, com 3 milímetros, que surgiu no Rio de Janeiro justamente no governo do Carlos Lacerda. Infestava as árvores, entrava nos nossos olhos e ardia como o diabo.
-Você me conheceu quando eu tinha um consultório na Rua da Quitanda?
-Isso; meu pai, que o conhecia do jornal, disse, em 1965, quando eu tinha 17 anos de idade, que me levaria a uma sumidade. Eu o conheci, então.
-Você, um garoto, e eu com 80 anos de idade.
-Eu fumava desde os 13 anos de idade, a partir dos 16, tentava abandonar o cigarro e não conseguia; bastou você me dizer para eu parar com o tabagismo, que parei definitivamente. A cena foi engraçada, pois você estava com um cigarro aceso no cinzeiro, quando me disse isso.
-Cena engraçada, mas eficiente.
-Chamou-me a atenção o retrato de um rapaz, vestido com o uniforme da aeronáutica, sobre a sua mesa de trabalho.
-Era meu filho; morreu na Segunda Guerra Mundial. Conhece a história dele?
-Li em um dos livros da “História da República Brasileira” do Hélio Silva. Tenho o livro aqui.
Peguei o livro, que se achava numa estante próxima, e abri as suas páginas até encontrar o capítulo sobre as baixas da FEB.
-Não sei se devo ler...
-Os atos de heroísmo devem ser recordados.
-”Primeiro-tenente João Maurício Campos de Medeiros – o avião também foi atingido pelo fogo antiaéreo. Ao saltar de paraquedas, ao norte de Alessandria (**), caiu sobre fios de alta tensão em 2 de janeiro de 1945.
Maurício de Medeiros repetiu a data e lamentou que o seu filho se fosse a poucos meses do fim da guerra. (***)
 -Conheci o senhor por pouco tempo, pois, em 1966, o senhor morria atropelado por um carro onde se encontrava o seu colega da Academia Brasileira de Letras, Luís Viana Filho.
-Falando na minha morte, já é hora de eu partir.
Com essas palavras, desmaterializou-se à minha frente.

(*) Há controvérsias. Do jeito que mentiras sobre conhecimentos de Latim são proferidas, logo os fantasminhas do Biscoito irão perceber que a farinha tem mais carunchos literários que trigo.

(**)2o Tenente Aviador JOÃO MAURÍCIO CAMPOS DE MEDEIROS

Conhecido como "Boulanger", nasceu no Rio de Janeiro em 15 de Abril de 1921. O apelido lhe vem de Cabo Frio quando andava pelos 15 anos e manteve uma transa com o pessoal feminino de uma padaria (boulangerie) local e que terminou em uma corrida noturna até o Rio.
Ainda criança, foi viver em Paris, onde completou o primário retornando ao Brasil com 10 anos. Escolheu a agronomia como profissão, tendo cursado até o 2o ano. Ao tomar conhecimento da criação do Ministério da Aeronáutica (20 Janeiro de 1941) veio para o Rio tratar de seu ingresso na Escola de Aeronáutica dos Afonsos.
Seu curso foi brilhante, destacando-se na pilotagem como um dos melhores da turma. Por seu mérito, foi escolhido como instrutor de vôo quando saiu Aspirante Aviador. Declarada a guerra, foi voluntário para compor o 1o Grupo de Caça.
Em Aguadulce, já como integrante do Grupo destacou-se principalmente no tiro aéreo, quando ocupou o primeiro lugar.
Esportista, excelente dançarino, sempre alegre, foi figura de primeiro plano em todas as nossas comemorações. Obteve com o P-47, o mesmo sucesso conseguido com o P-40 no Panamá.
Medeiros, antes de embarcar para o Teatro Europeu, comprou em N.York um par de pantufas, um robe de chambre estilo chinês e um cachimbo. Iria inaugurar esse material no acampamento de Tarquínia...
Um espetáculo à parte no acampamento era a ida de Medeiros ao banheiro. Calçava pantufas, vestia o robe chinês, punha um capacete de aço na cabeça e marchava solene para o banheiro que, diga-se de passagem, era a céu aberto. Enterrava as pantufas na lama e chamava a atenção de todos...
No dia 2 Janeiro de 1945, voando na ala do Dornelles, ao atacar uma locomotiva na estação de Alessandria, seu P-47 foi atingido mortalmente. Estava baixo mas, em uma fração de segundos, abandonou o aparelho. Antes do salto, ainda teve tempo de comunicar aos companheiros que iria deixar a aeronave.
Não havendo tempo nem altura suficiente para desviar o paraquedas dos fios de alta tensão, veio a chocar-se com os mesmos, sendo eletrocutado instantaneamente. A confirmação de sua morte, só a tivemos depois da Guerra.
Ninguém da sua esquadrilha percebeu o detalhe do choque com fios de alta tensão. Para todos, o Medeiros estava salvo, indo passar o resto da Guerra em um Campo de Concentração.
Morreu lutando... Seu nome hoje engalana o Centro de Civismo da Escola Supletiva Cantagalo, no Rio de Janeiro.
Maj.- Brig.- Ref. Rui Barboza Moreira Lima
Extraído do Livro SENTA a PÚA

(***) Tem Rua Tenente Mauricio de Medeiros no Brasil inteiro, inclusive em Santa Teresa, que,  lamentavelmente, poderá ser visitada neste detestável evento Santa Teresa de Portas Abertas, que ocorrerá nos dias 7 e 8 próximos.
Confira:https://maps.google.com.br/maps?hl=pt-BR&q=rua+ten.+maur%C3%ADcio+de+medeiros,+rj&ie=UTF-8&ei=CpP1T-U2quTRAb_tkYMH&sqi=2&ved=0CEoQ_AUoAg

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