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quarta-feira, 4 de julho de 2012

2176 - meu padinho Ciço 2

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3 976                                           Data: 24 de junho de 2012
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85ª VISITAÀ MINHA CASA
PARTE II

-Você se queixou a amigos que Terência o traíra, mas não explicou o tipo de traição.
-Naquela época de política tão tumultuada, em Roma, tudo saiu dos eixos. Eu e Terência nos divorciamos.
-Na época em que Júlio César foi apunhalado no Senado?
-Mais ou menos.
-Casou-se, em seguida, com uma jovem patrícia, Publília.
-Eu tinha sido o guardião dela.
-Falam que você precisava do dinheiro dela porque o seu cofre se esvaziou depois de ter pago de volta o dote de Terência?
-Falam muito.
-Logo depois divórcio, em 45 a.C., a sua filha com Terência, Túlia, caiu doente e morreu.
-Foi a maior desgraça da minha vida. Escrevi a Ático sobre o meu sofrimento e ele me convidou para ir à sua casa. Lá, meu amigo me franqueou a sua biblioteca. Li tudo o que os filósofos gregos pensaram sobre a superação da tristeza, mas a minha dor derrotava toda a consolação.
-As personalidades das mais opostas tendências políticas lhe enviaram votos de condolências: Júlio César, Brutus, Sérvio Sulpício Rufo, entre outros.
-Vivi arrasado com a morte de Túlia durante muito tempo.
-Mas você não teve apenas essa filha com Terência?
-Tive um filho de nome Marco, que eu queria que se tornasse filósofo como eu.
-Ele, no entanto, não tinha pensamentos refinados como os seus e preferiu ser militar.
-Sim; entrou no exército de Pompeu, na guerra civil contra Júlio César pelo poder em Roma. Esteve na batalha de Farsália, onde Pompeu foi derrotado. César, no entanto, o perdoou.
-Certamente porque era seu filho e porque não queria desagradar as multidões que aplaudiam Cícero.
-Aproveitei a benevolência do tirano e remeti meu filho para Atenas, onde seria discípulo do filósofo aristotélico Cratipo.
-Creio que a inclinação dele para soldado falou mais alto, Cícero.
-Realmente, longe dos olhos paternos, empanturrou-se de comida, bebeu e saiu atrás de mulheres.
-Cícero, voltemos mais alguns anos no tempo. Com 31 anos de idade, ou seja, em 75 a.C, você foi questor na Sicília Ocidental. Antes, explique-me sobre a função do questor, pois não há nada similar no direito brasileiro, embora existam questores na França e em outros países europeus.
-O questor era o magistrado romano com a função especialmente de questões financeiras ou da administração da justiça criminal.
-Lá, você se destacou de maneira extraordinária.
-Como eu demonstrava que era íntegro e honesto na função de questor, os sicilianos me pediram que processasse Caio Verres, um governador da Sicília, notório corrupto. O advogado de Verres era Hortênsio, o maior orador de Roma, superei, modestamente, meu rival e consegui a condenação de Caio Verres.
-Os seus discursos ficaram conhecidos como “verrinas”, palavra que consta de todos os dicionários dos países cultos.
-A oratória era considerada uma grande arte na Roma antiga. - afirmou.
-Esse período também foi tumultuado, Cícero?
-Era uma época de guerras civis, em que a vitória de Sula, na primeira das muitas guerras que se seguiriam, contrariou a liberdade, o valor essencial da República Romana.
-Sim, mas as reformas de Sula fortaleceram os equestres, a classe dos cavaleiros, aumentando o poder dessa classe.
-Subi na minha carreira na idade mais jovem possível: Questor com 31 anos, Edil, com 37, Pretor, com 49, onde servi como presidente do Tribunal de “Reclamação” e, com 43 anos de idade, fui eleito cônsul. Mas eu tinha, acima de tudo, lealdade à República, eu era um constitucionalista romano.
-Cícero, como cônsul, você abortou uma conspiração para derrubar a República, liderada por Lúcio Sérgio Catilina.
-Graças ao Senado que me deu o direito de usar o Senatus Consultum de Re Publica Defendenda.
-O que significa? Como já lhe disse, não sou um latinista como o meu amigo Dieckmann.
-Eu podia declarar a lei marcial. Obriguei Catilina a sair da cidade com quatro discursos.
-As famosas catilinárias, paradigmas do estilo retórico. - frisei.
-Catilina deixou seus sequazes para minar Roma por dentro, enquanto ele atacaria a cidade com um exército de descontentes, mercenários e falidos. Denunciei-os em frente ao Sendo.
-Você condenou os conspiradores à morte.
-Eu, Catão, mutos senadores pensavam como eu, porém o nosso poder era legislativo, não judicial. Júlio César criticou o precedente que seria aberto, sugerindo a prisão perpétua, mas foi vencido. Vivi, a partir de então, com medo de ser julgado por ter condenado cidadãos romanos à morte sem julgamento.
-Apesar dessa discordância, Júlio César o convidou para ser o quarto membro do triunvirato formado por ele, Pompeu e Crasso.
-Recusei, porque intuí que a República seria prejudicada. Dois anos depois, Públio Clódio Pulcro, o tribuno dos plebeus, introduziu a Leges Clodiae que exilava quem tivesse executado um cidadão Romano sem julgamento.
-E você foi exilado?
-Por pouco não me matei. Fui para Tessalônica, na Grécia e voltei um ano depois. A multidão me acolheu triunfalmente. Como a minha filha Túlia estava feliz!
-Reintegrei-me à política, atacando uma lei de César, mas não consegui êxito. A política ficou esquecida por mim, durante alguns anos, e a minha atenção se convergiu para a literatura.
-Quando eclodiu a guerra civil, com a luta entre Pompeu e Júlio César, você ficou do lado de Pompeu, junto do seu filho Marco que, como já vimos, participou da luta como soldado.
-César, vitorioso, nos perdoou. Tinha tênues esperanças que César ressuscitasse a República.  Então, Brutus, Cássio, Trebonio, Casca e outros, “Os Libertadores”, apunhalaram César, na escadaria do Senado.
-Sem César, tiveram a esperança de a República ser restaurada.
-Escrevi para Trebonio que desejava ter sido convidado para aquele glorioso banquete nos Idos de Março.
-Em troca da anistia dos assassinos, você liderou o Senado e César não foi considerado um tirano, o que significou um suporte legal aos seus seguidores, como Marco Antônio?
-Foi a barganha de que não pude fugir. Eu e Marco Antônio, dois inimigos, tornamo-nos as personalidades mais importantes de Roma. Quando Otávio, herdeiro de César, surgiu na cena política, vislumbrei a oportunidade de derrubar Marco Antônio. Ataquei-o em vários discursos que ficaram conhecidos por “Filípicas”, uma alusão às denúncias dos crimes de Felipe II da Macedônia por Demóstenes.
-Marco Antônio se roeu de ódio contra você e jurou vingança.
-Quando Otávio se uniu a Marco Antônio para combater os Libertadores, senti-me perdido.
-Marco Antônio era um homem vulgar.
-Os homens de Marco Antonio chegaram até mim, eu disse a um deles: “Não há nada correto no que estás a fazer, soldado, mas tenta matar-me corretamente.”
-Você manteve a serenidade de Sócrates, mas os assassinos foram brutais; as suas mãos foram cortadas e pregadas, juntamente com a sua cabeça, no Forum Romano, de acordo com as ordens de Marco Antônio.
-Depois, Otávio acabou com Marco Antonio e se tornou imperador.
-Seu filho Marco, Cícero, então cônsul, anunciou aos romanos a derrota naval de Marco Antônio e Cleópatra, em Actium.  Anos depois, o imperador Otávio devolveu ao filho um livro seu, que ele lia e escondera por medo, dizendo: “Cícero era um homem sábio, cara criança, um homem sábio que amava a sua pátria.”

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