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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3 976
Data: 24 de junho de 2012
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85ª VISITAÀ MINHA CASA
PARTE II
-Você se queixou a amigos que Terência o
traíra, mas não explicou o tipo de traição.
-Naquela época de política tão
tumultuada, em Roma, tudo saiu dos eixos. Eu e Terência nos divorciamos.
-Na época em que Júlio César
foi apunhalado no Senado?
-Mais ou menos.
-Casou-se, em seguida, com uma jovem
patrícia, Publília.
-Eu tinha sido o guardião dela.
-Falam que você precisava do dinheiro
dela porque o seu cofre se esvaziou depois de ter pago de volta o dote de
Terência?
-Falam muito.
-Logo depois divórcio, em 45 a .C., a sua filha com
Terência, Túlia, caiu doente e morreu.
-Foi a maior desgraça da minha vida.
Escrevi a Ático sobre o meu sofrimento e ele me convidou para ir à sua casa.
Lá, meu amigo me franqueou a sua biblioteca. Li tudo o que os filósofos gregos
pensaram sobre a superação da tristeza, mas a minha dor derrotava toda a
consolação.
-As personalidades das mais opostas
tendências políticas lhe enviaram votos de condolências: Júlio César, Brutus,
Sérvio Sulpício Rufo, entre outros.
-Vivi arrasado com a morte de Túlia
durante muito tempo.
-Mas você não teve apenas essa filha com
Terência?
-Tive um filho de nome Marco, que eu
queria que se tornasse filósofo como eu.
-Ele, no entanto, não tinha pensamentos
refinados como os seus e preferiu ser militar.
-Sim; entrou no exército de Pompeu, na
guerra civil contra Júlio César pelo poder em Roma. Esteve na
batalha de Farsália, onde Pompeu foi derrotado. César, no entanto, o perdoou.
-Certamente porque era seu filho e
porque não queria desagradar as multidões que aplaudiam Cícero.
-Aproveitei a benevolência do tirano e
remeti meu filho para Atenas, onde seria discípulo do filósofo aristotélico Cratipo.
-Creio que a inclinação dele para
soldado falou mais alto, Cícero.
-Realmente, longe dos olhos paternos,
empanturrou-se de comida, bebeu e saiu atrás de mulheres.
-Cícero, voltemos mais alguns anos no
tempo. Com 31 anos de idade, ou seja, em 75 a .C, você foi questor na Sicília Ocidental.
Antes, explique-me sobre a função do questor, pois não há nada similar no
direito brasileiro, embora existam questores na França e em outros países
europeus.
-O questor era o magistrado romano com a
função especialmente de questões financeiras ou da administração da justiça
criminal.
-Lá, você se destacou de maneira
extraordinária.
-Como eu demonstrava que era íntegro e
honesto na função de questor, os sicilianos me pediram que processasse Caio
Verres, um governador da Sicília, notório corrupto. O advogado de Verres era
Hortênsio, o maior orador de Roma, superei, modestamente, meu rival e consegui
a condenação de Caio Verres.
-Os seus discursos ficaram conhecidos
como “verrinas”, palavra que consta de todos os dicionários dos países cultos.
-A oratória era considerada uma grande
arte na Roma antiga. - afirmou.
-Esse período também foi tumultuado,
Cícero?
-Era uma época de guerras civis, em que
a vitória de Sula, na primeira das muitas guerras que se seguiriam, contrariou
a liberdade, o valor essencial da República Romana.
-Sim, mas as reformas de Sula fortaleceram
os equestres, a classe dos cavaleiros, aumentando o poder dessa classe.
-Subi na minha carreira na idade mais
jovem possível: Questor com 31 anos, Edil, com 37, Pretor, com 49, onde servi
como presidente do Tribunal de “Reclamação” e, com 43 anos de idade, fui eleito
cônsul. Mas eu tinha, acima de tudo, lealdade à República, eu era um
constitucionalista romano.
-Cícero, como cônsul, você abortou uma
conspiração para derrubar a República, liderada por Lúcio Sérgio Catilina.
-Graças ao Senado que me deu o direito
de usar o Senatus Consultum de Re Publica Defendenda.
-O que significa? Como já lhe disse, não
sou um latinista como o meu amigo Dieckmann.
-Eu podia declarar a lei marcial.
Obriguei Catilina a sair da cidade com quatro discursos.
-As famosas catilinárias, paradigmas do
estilo retórico. - frisei.
-Catilina deixou seus sequazes para
minar Roma por dentro, enquanto ele atacaria a cidade com um exército de
descontentes, mercenários e falidos. Denunciei-os em frente ao Sendo.
-Você condenou os conspiradores à morte.
-Eu, Catão, mutos senadores pensavam
como eu, porém o nosso poder era legislativo, não judicial. Júlio César
criticou o precedente que seria aberto, sugerindo a prisão perpétua, mas foi
vencido. Vivi, a partir de então, com medo de ser julgado por ter condenado
cidadãos romanos à morte sem julgamento.
-Apesar dessa discordância, Júlio César
o convidou para ser o quarto membro do triunvirato formado por ele, Pompeu e
Crasso.
-Recusei, porque intuí que a República seria
prejudicada. Dois anos depois, Públio Clódio Pulcro, o tribuno dos plebeus,
introduziu a Leges Clodiae que exilava quem tivesse executado um cidadão Romano
sem julgamento.
-E você foi exilado?
-Por pouco não me matei. Fui para
Tessalônica, na Grécia e voltei um ano depois. A multidão me acolheu
triunfalmente. Como a minha filha Túlia estava feliz!
-Reintegrei-me à política, atacando uma
lei de César, mas não consegui êxito. A política ficou esquecida por mim,
durante alguns anos, e a minha atenção se convergiu para a literatura.
-Quando eclodiu a guerra civil, com a
luta entre Pompeu e Júlio César, você ficou do lado de Pompeu, junto do seu
filho Marco que, como já vimos, participou da luta como soldado.
-César, vitorioso, nos perdoou. Tinha
tênues esperanças que César ressuscitasse a República. Então, Brutus, Cássio, Trebonio, Casca e
outros, “Os Libertadores”, apunhalaram César, na escadaria do Senado.
-Sem César, tiveram a esperança de a
República ser restaurada.
-Escrevi para Trebonio que desejava ter
sido convidado para aquele glorioso banquete nos Idos de Março.
-Em troca da anistia dos assassinos,
você liderou o Senado e César não foi considerado um tirano, o que significou
um suporte legal aos seus seguidores, como Marco Antônio?
-Foi a barganha de que não pude fugir.
Eu e Marco Antônio, dois inimigos, tornamo-nos as personalidades mais
importantes de Roma. Quando Otávio, herdeiro de César, surgiu na cena política,
vislumbrei a oportunidade de derrubar Marco Antônio. Ataquei-o em vários
discursos que ficaram conhecidos por “Filípicas”, uma alusão às denúncias dos
crimes de Felipe II da Macedônia por Demóstenes.
-Marco Antônio se roeu de ódio contra
você e jurou vingança.
-Quando Otávio se uniu a Marco Antônio
para combater os Libertadores, senti-me perdido.
-Marco Antônio era um homem vulgar.
-Os homens de Marco Antonio chegaram até
mim, eu disse a um deles: “Não há nada correto no que estás a fazer, soldado,
mas tenta matar-me corretamente.”
-Você manteve a serenidade de Sócrates,
mas os assassinos foram brutais; as suas mãos foram cortadas e pregadas,
juntamente com a sua cabeça, no Forum Romano, de acordo com as ordens de Marco
Antônio.
-Depois, Otávio acabou com Marco Antonio
e se tornou imperador.
-Seu filho Marco, Cícero, então cônsul,
anunciou aos romanos a derrota naval de Marco Antônio e Cleópatra, em Actium. Anos depois, o imperador
Otávio devolveu ao filho um livro seu, que ele lia e escondera por medo,
dizendo: “Cícero era um homem sábio, cara criança, um homem sábio que amava a
sua pátria.”
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