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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3990 Data:
19 de julho de 2012
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OS TAXISTAS E OS
ASSALTANTES
-Está cada vez mais insuportável viajar
de metrô. - desabafei no táxi 009, do Gaguinho, ainda com um zumbido nos
ouvidos.
-Muito cheio?...
-Não é só isso; falam nos celulares aos
berros; expõem a sua privacidade sem a menor cerimônia. Ora, eu não tenho nada
com isso, e nem quero ter! Que falem baixo!
-Já notei que você não assiste ao Big
Brother Brasil.
Desconheci o seu aparte e prossegui na
minha indignação.
-Mesmo quando os passageiros conversam
entre si, só se houve bobagem: pagode, baile funk...
-Não tocavam música clássica nas
estações do metrô?
-Isso foi anos atrás quando, nos últimos
meses, eu só ouvia duas composições: o primeiro movimento da “Sinfonia Titã”,
de Gustav Mahler, e “Quadros de Uma Exposição”, de Mussorgsky. Depois de ouvi-las todos os dias, eu imaginei
que roubaram a discoteca do Metrô e só deixaram esses dois discos.
-Uma música que agrade aos nossos
ouvidos é, pelo menos, um oásis no meio de tantas besteiras que se falam à
nossa volta. - observou.
-Acabo me tornando um daqueles
socialistas brasileiros que querem muito bem às pessoas do povo, mas eles aqui,
nos trens do metrô e da Central do Brasil, e ele em Paris.
-E o Hugo Chávez que não conseguiu
manter o Fernando Lugo, no Paraguai, mas meteu a Venezuela no Mercosul?... Para
mim, um sujeito que se aproveita da batina para fazer filho nas carolas é muito
safado. - disse ele.
-Eu não discuto isso; eu vejo o problema
paraguaio por outro prisma. Existe meio milhão de brasileiros nesse país,
chamados de brasiguaios, que cultivam a soja e transformaram o Paraguai no
quarto ou quinto exportador mundial dessa mercadoria. O Fernando Lugo, em nome
do seu socialismo estrambótico, não mexia uma palha em defesa dos brasiguaios,
quando eles eram atacados pelos sem-terra de lá.
-A nossa política externa comeu mosca;
aliás, nós sempre seguimos a vontade do Hugo Chávez. - observou.
-Dizem que ele ameaçou cortar a entrega
de combustível ao novo governo do Paraguai, mas a Dilma Rousseff reagiu: se ele
fizesse isso, o Brasil não deixaria os paraguaios desabastecidos.
-Se for verdade, eu aplaudo a
presidente. - declarou.
-Por outro lado, aceitou a Venezuela no
lugar do Paraguai, no Mercosul. Mas com esse protecionismo exagerado,
principalmente da Argentina, o Mercosul está fadado ao fracasso. -
manifestei-me.
-Soube que o dólar subiu alucinadamente
na Argentina.
-A Cristina Kirchner afunda cada vez
mais o seu país. O protecionismo lá chegou ao ponto de uma empresa, para
importar 1 dólar, tem de exportar 1 dólar. Assim, empresas fabricantes de
celulares, por exemplo, que necessitam de componentes de fora da Argentina, têm
de exportar garrafas vinho. É a economia do uno por uno.
-Espero que o Brasil de amanhã não seja
a Argentina de hoje. - disse, enquanto parava o carro na Rua Modigliani.
No dia subsequente, peguei o táxi 045, o
do Gordinho.
-Podia aparecer o sol para, pelo menos,
esquentar um pouquinho. - comentou.
-Está difícil fazer até a barba.
-Você molha o rosto, não molha? Eu jogo
talco e, depois, passo o barbeador elétrico.
-Primeiramente, eu emplastro a barba com
creme, mas antes eu pincelo a cara com água fria. Após isso tudo, raspo com uma
lâmina inspirada na Gillette.
-A água fria fica distante da minha
barba. - afirmou.
-De manhã cedo, eu caminho e como a
friagem ajuda, eu acelero bastante as minhas passadas, assim, consigo entrar no
chuveiro de água fria; não posso, porém, deixar o intervalo da caminhada para o
banho chegar a cinco minutos, senão eu congelo.
-E a temperatura está por volta de 20º.
- sorriu.
-Digamos que, na hora das minhas
caminhadas, a temperatura esteja por volta de 17º.
-Eu também caminho de manhã, foi
exigência do médico para eu emagrecer e controlar a pressão arterial.
-As caminhadas só trazem benefícios. -
empolguei-me.
-Também para os assaltantes...
Atingido o objetivo dele de me deixar intrigado,
esclareceu:
-Com a chegada do inverno, ainda está
escuro às 6h da manhã. Eu caminhava por volta das 5h 30min pela calçada da
igreja do bispo Macedo, quando vislumbrei um tipo suspeito um pouco à frente de
mim. Estávamos separados por um tapume, pois aquela calçada está em obra.
-Será que virão pedras de Jerusalém? -
aparteei.
-Não sei por que eu pisaria a terra, mas
resolvi dar meia volta. De esguelha, vi que o sujeito também girou 180 graus.
Continuei calmamente sabendo que seria assaltado. Ele então disse: “perdeu”, puxou
o meu fone de áudio, plugado no meu radinho sintonizado na Ceci Melo, a
locutora de notícias da Rádio CBN. Por instinto de defesa, segurei o fio e ele
levou a mão à cintura. “Quer levar um tiro na cara?” Notei que ele olhava por
cima da minha cabeça, demonstrando mais medo do que eu.
-Os vigias da igreja ficam por ali e com
a escuridão, tornam-se invisíveis.
-Eu seu disso, por isso, eu torci mais
do que o assaltante para que nenhum vigia estivesse ali, vendo o assalto, pois
eles poderiam atirar e me acertar.
-E o assaltante com medo. - adiantei a
narrativa dele.
-Com tanto medo, que não viu o meu
relógio de 100 reais e o meu tênis de 200. Levou, apressadamente, o meu radinho
e o áudio, que não devem valer 5 reais.
-Não valeria um pouco mais? - pus em
dúvida a sua avaliação.
-Para você ter uma ideia, nesse mesmo
dia, fui à Casa e Vídeo e comprei o radinho para enganchar no cós da bermuda e
o fone de áudio por 14 reais; o que o
meliante levou estava com o gancho
partido e precisando de pilhas novos.
-Tudo por 5 reais.- resumi.
-Se os vigias do bispo Macedo estivessem
lá, atirando, eu corria o risco de morrer por 5 reais. Quanto aos assaltantes,
a vida deles não valem mais do que isso. - disse, enquanto me deixava na Rua
Modigliani.
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