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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4353 Data: 26 de
janeiro de 2014
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COM DONA LEOPOLDINA
2ª PARTE
-Ela é muito bonita. - disse logo que
consegui vislumbrar Dona Leopoldina no meio de tanta pompa e circunstância.
-Mas gordinha. - implicou o Elio.
-Estamos há muitas e muitas décadas do
corpo de mulher magricela como padrão de beleza. - argumentei.
No meio de tantos salamaleques, notamos
um pintor que registrava aquele momento na sua tela: era Debret.
-O ateliê dele fica no Catumbi. -
informou-me o Elio.
A vinda de uma Habsburgo para o Brasil
animou muitos imigrantes a se fixarem aqui, como colonos suíços que fundariam
Nova Friburgo, além de se espalharem pela terra da futura cidade de Petrópolis.
-Cá está muito tumultuado, Elio; vamos
embora.
-Não vai assistir ao primeiro encontro
dela com o marido?
Como o meu silêncio, com gestos de
contrariedade, significava uma resposta negativa, Elio concordou em sair de lá,
consolando-se em dizer que quase não veríamos nada mesmo do lugar em que nos
encontrávamos.
O casal se instalou em uma parte da
Quinta da Boa Vista, e, passados poucos dias, os dois, montados em cavalos de
raça, seguidos por outros cavaleiros, saíram para um evento.
-Para onde vão?- indagou o Elio de um
cavalariço.
-Vão caçar nas planícies de Jacarepaguá.
-Pelo porte dela sobre o cavalo,
certamente aproveitou bem as aulas de equitação na Áustria. - deduzi.
Quanto a Dom Pedro, foi criado,
praticamente, no meio dos cavalos, mas a afinidade do casal, parava nesses
animais.
E prosseguiu o Elio:
-Minha mãe me contou que o Chanceler da
Áustria, Metternich, soube, por uma carta, que a Corte do Rio é enfadonha e
insignificante, que o Príncipe Herdeiro é falho de educação formal, sendo
incapaz de coexistir em harmonia.
-Vamos ao Catumbi visitar Debret no seu
ateliê. - propus.
Lá, fomos muito bem recebidos pelo
grande pintor francês.
-E Dona Leopoldina? - perguntei-lhe.
-É irmã de Maria Luísa, a imperatriz que
deu um herdeiro a Napoleão Bonaparte, o que a imperatriz Josefina Bonaparte não
conseguiu.
E completou com a expressão desolada:
-De pouco adiantou, pois foi derrotado
em Waterloo.
-E o que você pensa de Dona Leopoldina?-
mostrei-me curioso.
-Já a conheço, ela evoca a irmã, Maria
Luísa, que lhe é muito querida e me encomenda pinturas da flora e fauna
brasileiras, principalmente da flora.
-E você?
-Submeto-me a ela, como se o império
napoleônico perdurasse, e as ordens partissem da imperatriz Maria Luísa.
-Dona
Leopoldina é muito prendada, conhece profundamente botânica. - interveio o
Elio.
-Dona Leopoldina também me falou das
rochas. Cá, no Brasil, ela examinou as pedras como Goethe o fizera ao pisar o
solo da Itália.
-Ela é também profunda sabedora de mineralogia.
- frisou o Elio.
-Debret, você acha que a união dela com
Dom Pedro dará certo? - provoquei.
Um esgar sardônico no canto esquerdo da
sua boca foi a resposta.
Estávamos, agora, nos conturbados meses
de janeiro de 1822. A corte portuguesa, com o rei D. João VI à frente,
retornara a Portugal em 25 de abril de 1821, deixando Dom Pedro como regente
com poderes contrabalançados por um Conselho de Regência.
A oposição brasileira às tropas
portuguesas se acirrou, e o Brasil, dividido, estava à beira do caos.
O ano de 1822 se iniciou com o Dia do
Fico, precisamente, no dia 9 de janeiro. Assim, segundo os historiadores, o
Brasil escapou de ser desmembrado em vários países, como ocorrera com as
colônias espanholas. Com o Fico de Dom Pedro, um novo ministério foi
constituído sob a liderança de José Bonifácio.
Carlos, José Bonifácio é a única pessoa
desta corte que consegue conversar em alemão com Dona Leopoldina sobre matérias
que ela domina: botânica, mineralogia, música, história, política, etc. Eu
diria que ela se casou, espiritualmente, com José Bonifácio.
-Dona Maria Leopoldina – corrigi – ela
acrescentou Maria ao seu nome para se incorporar mais a este país de tantas
Marias.
Em agosto de 1822, o príncipe regente
teve de viajar a São Paulo, onde os ânimos estavam exaltados. Antes de partir,
ele entregou o poder à Dona Leopoldina, nomeando-a chefe do Conselho de Estado
e Princesa Regente interina do Brasil.
Informada, na ausência do marido, que
Portugal se preparava para agir contra o Brasil, ela se aconselhou com José
Bonifácio e, com o poder que detinha, assinou, no dia 2 de setembro de 1822, o
decreto da independência em que declarava o Brasil separado de Portugal. Em
seguida, enviou uma carta a Dom Pedro insistindo em que ele proclamasse a
Independência do Brasil.
-Elio, espero que a máquina do tempo não
nos jogue no Riacho do Ipiranga, pois não houve grito algum por lá e, muito
menos, cavalos garbosos. Tudo isso saiu da imaginação do Pedro Américo...
-Também prefiro ficar no Rio de Janeiro.
E ficamos.
No dia 1º de dezembro de 1822, ela foi
coroada imperatriz do Brasil, e o marido sagrado Dom Pedro I, mas nós não
comparecemos à cerimônia.
E começaram as desditas dessa
extraordinária mulher. Maria Leopoldina sempre fechou os olhos para as
escapadas do marido, porque eram encontros fortuitos com mulheres de vários
tipos, mas, depois que retornou de São Paulo, trouxe de lá uma amante oficial,
Dona Domitila de Castro, a quem concederia o título de Marquesa de Santos. E,
para humilhar ainda mais a esposa, deu-lhe o cargo de dama de companhia da
imperatriz.
Arrasada, na solidão do seu quarto,
Maria Leopoldina lamuriava a triste sorte das mulheres que eram uma simples
peça do jogo político entre as nações e do destino traiçoeiro. Recordou-se da
tia, Maria Antonieta, esposa de Luís XVI da França, que era chamada pelos
franceses de L' Autre chienne (outra cadela) num cruel trocadilho com Autrichiene
(Austríaca).
-Aqui
é o contrário: o povo brasileiro a ama muito; ela é bem mais amada do que Dom
Pedro I. - frisei para o Elio, enquanto ela desabafava as suas agruras numa
carta à irmã Maria Luísa.
Mas o pior estava para vir. Dom Pedro I
decidiu que o beija-mão à regente seria realizado com sua presença junto à Marquesa
de Santos. A imperatriz se negou a essa humilhação e o imperador, de gênio
ruim, a arrastou, grávida, por alguns metros pelo chão e, quando ela caiu,
chutou-a indiferente a seus gritos.
-Ela está grávida. - apavorou-se o Elio.
Dias depois, a imperatriz morreria e,
com ela, aquele que seria o oitavo filho do casal.
O povo brasileira, que julgava, na sua
maioria, que a sua imperatriz fora envenenada pelo médico da amante do
imperador, pôs-se a apedrejar a casa da marquesa de Santos em São Cristóvão.
As notícias chegaram à Europa e a má
fama do imperador do Brasil fez com que
todos os pais da nobreza recusassem as suas filhas para ser a segunda esposa de
tal bárbaro. Mas sempre aparece alguém, de uma família nobre decadente, pronto
a sacrificar uma filha, mas não falaremos da segunda imperatriz do Brasil, pois
nossa história se encerra aqui.
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