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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4350 Data: 19 de
janeiro de 2014
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LEMBRANDO JORGE GOULART
Após
o costumeiro “muitíssimo bom-dia” do titular do programa, Sérgio Fortes se pôs
no papel de homem-calendário e falou do dia 19 de janeiro: dia de São Mário.
-Você já reparou, Jonas, que pouca
gente, hoje, se chama Mário?
-É verdade.
Lembrei-me logo do professor Fiani, que
já participou do Clube da Ópera comentando Pélleas et Mélisande, de
Debussy, que dizia dar aulas para toneladas de Tiagos e Brunos, mas não falou
de um grama sequer de Mário.
Jonas Vieira se lembrou do Mário Vianna
e o Sérgio (deve se xingar agora) esqueceu-se do mestre Mário Henrique
Simonsen.
E, depois, reinou absoluto o nome
Jorge, não por causa do santo, mas sim do cantor Jorge Goulart, que tanto
sucesso fez no passado.
-Nasceu no dia 16 de janeiro de 1926,
foi casado com a cantora Nora Ney e, viúvo, desposou a Lúcia, enfermeira, que
ouve agora o nosso programa,
A primeira música que Jonas Vieira
escolheu foi “Laura”, um samba de Alcir Pires Vermelho e Braguinha, gravação de
1957, com a Orquestra da Gravadora Continental.
-Ouçam o arranjo do Radamés Gnatalli. -
alertou os nossos ouvidos.
A mediocridade que grassa atualmente na
mídia realçou ainda mais a potência vocal do homenageado. - concordaram todos.
-Pesquisei a biografia do Jorge Goulart
para descobrir de que professor de canto recebeu orientação, mas nada
encontrei. - revelou o Sérgio Fortes.
-Era tudo natural. - afirmou o Jonas
Vieira.
-Carlos Galhardo, Francisco Alves e
outros cantores tiveram professores. O mesmo professor que preparava meu pai,
Paulo Fortes, para cantar uma ópera, preparava Francisco Aves para cantar uma
canção.
E prosseguiu:
-Depois, Jorge Goulart teve as cordas
vocais extirpadas devido a uma doença.
-Isso lá por 1980. - interveio o Jonas
Vieira.
A natureza deu, a natureza tirou. -
pensei nos sortilégios da sorte.
-A segunda música a ser por ele
interpretada será o samba de Ary Barroso “Isto aqui o que é”, gravação de 1955,
em mais um deslumbrante arranjo do Radamés Gnatalli. - anunciou.
-Que instrumentistas! Que orquestra!
-E era a Orquestra da Gravadora
Continental, Sérgio. Para você ver como o Brasil foi musicalmente rico.
Em seguida, Jonas Vieira falou da sua
amizade com Radamés Gnatalli, que lhe deu uma concertina que, emprestada a um
amigo, não a recebeu de volta. Não, não foi o Dieckmann, um garoto nessa época.
E a gravação subsequente foi “Samba
Fantástico”, de José Toledo, Jean Manzon, Leônidas Autuori e Paulo Mendes
Campos (mais um e já dava para formar um time de futebol de salão), a gravação
era de 1955.
Soada a última nota musical, voltaram
os dois para a atualidade.
-Como o nosso país regrediu!
E os programas medíocres que pululam
nos canais da televisão passaram a ser citados. Sérgio foi o mais veemente.
-Diante da TV, fico, às vezes, a um
milímetro de atirar o sapato na televisão.
A essas palavras, voltou-me a cena da
decisão do campeonato carioca de 1960, quando um dirigente do América entrou em
campo sambando para comemorar o gol do Jorge, que não era o Goulart; furioso,
meu pai, tricolor fanático, foi contido pela minha mãe no momento em que se
preparava para dar chineladas na televisão.
A próxima atração musical, uma gravação
de 1955, foi “Tudo é Brasil”, de Vicente Paiva e Sá Róriz.
Sérgio Fortes se encantou com o
onipresente Chiquinho do Acordeão, que tocava no arranjo do também onipresente
Radamés Gnatalli nesse samba.
E veio o intermezzo ou a “Pausa para Meditação”,
com uma crônica sobre a origem do homem que inspirou o Jonas Vieira, ainda
endiabrado, a fazer mil piadas.
A gravação que abriu o segundo tempo do
Rádio Memória era motivo de orgulho do titular do programa, pois ele a produziu
com o amigo João Carlos Botticelli, cujo apelido não transcrevo para evitar
mal-entendidos. Tratava-se do samba de
Vadico e Noel Rosa “Provei”, e Jorge Goulart cantava com Nora Ney.
-O arranjo é do Ivan Paulo, outro craque.
- frisou o amigo do Pelão (pronto: escapou-se-me o apelido do amigo do Jonas).
A atração musical que se seguiu, “A
Timidez me Devora”, de Jorginho e Válter Rosa, de 1977, recebeu elogios
entusiasmados.
Logo em seguida, o Rádio Memória
mostraria mais uma faceta do talento de Jorge Goulart, o de puxador de sambas-enredos,
e o escolhido foi “Os Cinco Bailes da História do Rio”, de Silas de Oliveira,
Ivone Lara e Bacalhau, com que o Império Serrano desfilou na Avenida Presidente
Vargas em 1965. Foi um ano emblemático, pois se festejava o quarto centenário
do Rio de Janeiro e havia a obrigatoriedade de as escolas de samba exaltarem a
cidade,
Comumente, as letras dos sambas-enredos
são quilométricas, mas Silas de Oliveira, talvez o maior compositor desse
gênero, com dois talentosos parceiros, mostrou uma concisão admirável; em
poucos versos, aludiu ao baile, em 1585, da comemoração do santo padroeiro da
cidade, pelos escritos e ritos jesuíticos, ao baile da promoção da cidade a
capital do Brasil, ao da coroação do rei Dom João VI, ao baile da Independência
e ao da Ilha Fiscal.
Contudo, saiu-se vencedor o Salgueiro
com um verborrágico samba, “História do Carnaval Carioca”, de Geraldo Babão e
Valdevino Rosa.
Continuando o carnaval, mas agora com
uma marcha, Jonas Vieira anunciou “Balzaquiana”, de Wilson Batista e Antônio
Nássara, com que Jorge Goulart venceu o carnaval de 1950.
Eis um disco que os pedófilos deveriam
ouvir dez horas por dia como terapia. - elucubrei.
Jonas Vieira explicou que essa
composição era uma resposta à marchinha de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira
“Meu Brotinho”, gravada por Francisco Carlos.
-E qual a que você prefere: a
balzaquiana ou o brotinho? - provocou ele o Sérgio Fortes.
-Eu tenho um gosto poliédrico. -
respondeu geométrica e eufemisticamente,
Cabe aqui assinalar que Balzac, embora
tenha escrito um romance que intitulou “A Mulher de Trinta Anos”, sentia, na
verdade, irresistível atração pelas mulheres cujas idades variavam de quarenta
a cinquenta anos.
Evidentemente que, como o assunto é
música popular brasileira, lembrei-me também do grande sucesso de 1960, na voz
do Miltinho, “Mulher de Trinta”. E que, preparando-me para o concurso de
entrada na série ginasial de uma escola do governo, um aluno perguntou ao nosso
professor se ele sabia quem ia completar trinta e um anos de idade.
-Quem?!... quis saber o professor numa
inocência angelical.
-”A Mulher de Trinta” do Miltinho.
O terceiro Rádio Memória deste ano se
encerrou com considerações sobre o dia a dia que cada vez se mostra mais
desanimador, principalmente quando contrastado com as joias do passado. Quanto
ao esquecimento a que foi relegado o homenageado do programa, concluíram que a
ignorância arquivou os discos do Jorge Goulart.
E o demorado abraço do Jonas Vieira foi
o ponto final desse Rádio Memória.
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