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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

2550 - Mário Jorge e Jorge Mário



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4350                          Data: 19 de janeiro  de 2014
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LEMBRANDO JORGE GOULART

  Após o costumeiro “muitíssimo bom-dia” do titular do programa, Sérgio Fortes se pôs no papel de homem-calendário e falou do dia 19 de janeiro: dia de São Mário.
-Você já reparou, Jonas, que pouca gente, hoje, se chama Mário?
-É verdade.
Lembrei-me logo do professor Fiani, que já participou do Clube da Ópera comentando Pélleas et Mélisande, de Debussy, que dizia dar aulas para toneladas de Tiagos e Brunos, mas não falou de um grama sequer de Mário.
Jonas Vieira se lembrou do Mário Vianna e o Sérgio (deve se xingar agora) esqueceu-se do mestre Mário Henrique Simonsen.
E, depois, reinou absoluto o nome Jorge, não por causa do santo, mas sim do cantor Jorge Goulart, que tanto sucesso fez no passado.
-Nasceu no dia 16 de janeiro de 1926, foi casado com a cantora Nora Ney e, viúvo, desposou a Lúcia, enfermeira, que ouve agora o nosso programa,
A primeira música que Jonas Vieira escolheu foi “Laura”, um samba de Alcir Pires Vermelho e Braguinha, gravação de 1957, com a Orquestra da Gravadora Continental.
-Ouçam o arranjo do Radamés Gnatalli. - alertou os nossos ouvidos.
A mediocridade que grassa atualmente na mídia realçou ainda mais a potência vocal do homenageado. - concordaram todos.
-Pesquisei a biografia do Jorge Goulart para descobrir de que professor de canto recebeu orientação, mas nada encontrei. - revelou o Sérgio Fortes.
-Era tudo natural. - afirmou o Jonas Vieira.
-Carlos Galhardo, Francisco Alves e outros cantores tiveram professores. O mesmo professor que preparava meu pai, Paulo Fortes, para cantar uma ópera, preparava Francisco Aves para cantar uma canção.
E prosseguiu:
-Depois, Jorge Goulart teve as cordas vocais extirpadas devido a uma doença.
-Isso lá por 1980. - interveio o Jonas Vieira.
A natureza deu, a natureza tirou. - pensei nos sortilégios da sorte.
-A segunda música a ser por ele interpretada será o samba de Ary Barroso “Isto aqui o que é”, gravação de 1955, em mais um deslumbrante arranjo do Radamés Gnatalli. - anunciou.
-Que instrumentistas! Que orquestra!
-E era a Orquestra da Gravadora Continental, Sérgio. Para você ver como o Brasil foi musicalmente rico.
Em seguida, Jonas Vieira falou da sua amizade com Radamés Gnatalli, que lhe deu uma concertina que, emprestada a um amigo, não a recebeu de volta. Não, não foi o Dieckmann, um garoto nessa época.
E a gravação subsequente foi “Samba Fantástico”, de José Toledo, Jean Manzon, Leônidas Autuori e Paulo Mendes Campos (mais um e já dava para formar um time de futebol de salão), a gravação era de 1955.
Soada a última nota musical, voltaram os dois para a atualidade.
-Como o nosso país regrediu!
E os programas medíocres que pululam nos canais da televisão passaram a ser citados. Sérgio foi o mais veemente.
-Diante da TV, fico, às vezes, a um milímetro de atirar o sapato na televisão.
A essas palavras, voltou-me a cena da decisão do campeonato carioca de 1960, quando um dirigente do América entrou em campo sambando para comemorar o gol do Jorge, que não era o Goulart; furioso, meu pai, tricolor fanático, foi contido pela minha mãe no momento em que se preparava para dar chineladas na televisão.
A próxima atração musical, uma gravação de 1955, foi “Tudo é Brasil”, de Vicente Paiva e Sá Róriz.
Sérgio Fortes se encantou com o onipresente Chiquinho do Acordeão, que tocava no arranjo do também onipresente Radamés Gnatalli nesse samba.
E veio o intermezzo ou a “Pausa para Meditação”, com uma crônica sobre a origem do homem que inspirou o Jonas Vieira, ainda endiabrado, a fazer mil piadas.
A gravação que abriu o segundo tempo do Rádio Memória era motivo de orgulho do titular do programa, pois ele a produziu com o amigo João Carlos Botticelli, cujo apelido não transcrevo para evitar mal-entendidos.  Tratava-se do samba de Vadico e Noel Rosa “Provei”, e Jorge Goulart cantava com Nora Ney.
-O arranjo é do Ivan Paulo, outro craque. - frisou o amigo do Pelão (pronto: escapou-se-me o apelido do amigo do Jonas).
A atração musical que se seguiu, “A Timidez me Devora”, de Jorginho e Válter Rosa, de 1977, recebeu elogios entusiasmados.
Logo em seguida, o Rádio Memória mostraria mais uma faceta do talento de Jorge Goulart, o de puxador de sambas-enredos, e o escolhido foi “Os Cinco Bailes da História do Rio”, de Silas de Oliveira, Ivone Lara e Bacalhau, com que o Império Serrano desfilou na Avenida Presidente Vargas em 1965. Foi um ano emblemático, pois se festejava o quarto centenário do Rio de Janeiro e havia a obrigatoriedade de as escolas de samba exaltarem a cidade,
Comumente, as letras dos sambas-enredos são quilométricas, mas Silas de Oliveira, talvez o maior compositor desse gênero, com dois talentosos parceiros, mostrou uma concisão admirável; em poucos versos, aludiu ao baile, em 1585, da comemoração do santo padroeiro da cidade, pelos escritos e ritos jesuíticos, ao baile da promoção da cidade a capital do Brasil, ao da coroação do rei Dom João VI, ao baile da Independência e ao da Ilha Fiscal.
Contudo, saiu-se vencedor o Salgueiro com um verborrágico samba, “História do Carnaval Carioca”, de Geraldo Babão e Valdevino Rosa.
Continuando o carnaval, mas agora com uma marcha, Jonas Vieira anunciou “Balzaquiana”, de Wilson Batista e Antônio Nássara, com que Jorge Goulart venceu o carnaval de 1950.
Eis um disco que os pedófilos deveriam ouvir dez horas por dia como terapia. - elucubrei.
Jonas Vieira explicou que essa composição era uma resposta à marchinha de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira “Meu Brotinho”, gravada por Francisco Carlos.
-E qual a que você prefere: a balzaquiana ou o brotinho? - provocou ele o Sérgio Fortes.
-Eu tenho um gosto poliédrico. - respondeu geométrica e eufemisticamente,
Cabe aqui assinalar que Balzac, embora tenha escrito um romance que intitulou “A Mulher de Trinta Anos”, sentia, na verdade, irresistível atração pelas mulheres cujas idades variavam de quarenta a cinquenta anos.
Evidentemente que, como o assunto é música popular brasileira, lembrei-me também do grande sucesso de 1960, na voz do Miltinho, “Mulher de Trinta”. E que, preparando-me para o concurso de entrada na série ginasial de uma escola do governo, um aluno perguntou ao nosso professor se ele sabia quem ia completar trinta e um anos de idade.
-Quem?!... quis saber o professor numa inocência angelical.
-”A Mulher de Trinta” do Miltinho.
O terceiro Rádio Memória deste ano se encerrou com considerações sobre o dia a dia que cada vez se mostra mais desanimador, principalmente quando contrastado com as joias do passado. Quanto ao esquecimento a que foi relegado o homenageado do programa, concluíram que a ignorância arquivou os discos do Jorge Goulart.
E o demorado abraço do Jonas Vieira foi o ponto final desse Rádio Memória.

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