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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4345 Data: 10 de janeiro
de 2014
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O PRIMEIRO DO ANO
CONTINUAÇÃO
Gravei o primeiro Rádio
Memória de 2014 e, no dia seguinte, na hora de reproduzi-lo e fazer anotações
para mais um Biscoito Molhado, o botãozinho do “off” e do “on” do MP-4 pifou.
Passaram-se, então, pela minha cabeça as centenas de fitas VHS, que eu
entesourara, com excelentes filmes e documentários, que perdi por causa da alta
rotatividade tecnológica; a chegada do DVD soterrou o Videocassete que
reproduzia essas fitas.
Só não lamentei a perda
da fita sobre as dez maiores marcas de carro de todos os tempos, segundo o
documentário de um canal americano, porque a emprestei ao Dieckmann e nunca
mais a recebi de volta. Vinguei-me com a gravação que eu fizera, em VHS também,
de uma entrevista de uns 40 minutos que ele concedera à belíssima Renata
Vasconcelos, na sua casa, e que se encerrava com um passeio dela pelas ruas de
Santa Teresa, no seu Jaguar. Deixei que tudo isso sumisse na poeira dos meus
alfarrábios. Por sinal, escrevi um BM, o
de nº 1127, de 05/02/2008, fazendo menção a essa entrevista.
Agora, via-me impotente
diante de um minúsculo botão de MP-4.
E se eu fizesse um
esforço evocativo para colocar aquele Rádio Memória no papel?... Bem, Jonas
Vieira, pedindo somente a autêntica música popular brasileira, facilitava as
coisas, por outro lado, o Sérgio Fortes dificultava; além de solicitar apenas
músicas estrangeiras, com exceção de um Villa Lobos, foi de um extremo ao
outro; ora com a sua queridinha Kiri Te Kanawa, ora, com a sua pestinha
Kathleen Battle. Portanto, recorri a ele para saber que gravações foram
executadas; fui prontamente atendido, todavia, mostrando-se dubitativo quanto à
parte musical do Jonas Vieira, falou de um cabrito.
-Que diabo de cabrito é
esse? - perguntei-me.
Resumindo: o primeiro
Rádio Memória de 2014 saiu com cabrito e tudo. Dias depois da edição,
consertado o problemático botãozinho e ouvido, finalmente, o que foi gravado,
comprovei algumas omissões que, neste número, tentaremos desfazer.
O Rádio Memória
abriu,de fato, musicalmente falando, o ano de 2014 com “Pelo Telefone”, de
Donga e Mauro de Almeida, na voz do Almirante, cuja altivez foi pontuada pelo
Jonas Vieira. Dizem algumas pessoas (não garanto, porque não li) que, ao
escrever a biografia de Noel Rosa, Almirante falou mais de si do que do poeta
da Vila. Também foi registrada a riquíssima coleção de tudo que se relacionava
à música popular brasileira do Almirante.
Nós que, havíamos
apontado as rimas ricas do samba amaxixado do Donga, telefone/questione,
trás/rapaz, acrescentamos mais uma, disso/feitiço.
Foi nesse momento, não
no trecho final do programa, como tínhamos escrito, que o Jonas Vieira lançou a
assustadora advertência: “Apertem o cinto, o piloto sumiu.” O Dieckmann, depois
de lançar a suspeita de que o redator do BM estava de ressaca, nesse momento,
afirmou que o piloto sumido era a presidente Dilma? Será?!... Quando ela está
na direção, aí sim, o perigo se mostra iminente e temos de apertar o cinto.
Bem, se o Dieckmann estiver certo, vou afrouxar o cinto, afinal a anarquia,
nesse caso, é melhor, e Mikhail Bakunin foi mais realista do que Karl Marx como
ficou demonstrado pela realidade.
Revisitando esse programa, desconfiei, depois
de algumas consultas ao Google, que o Jonas Vieira, escolhendo “Batuque na
Cozinha”, com Martinho da Vila, retirou
do seu arquivo fonográfico o LP da RCA Victor de 1972 do cantor e
compositor, intitulado Sambas de Roda e Partido Alto. Na faixa 6, acha-se o “Batuque na Cozinha”,
composto por João da Baiana, introdutor do pandeiro na MPB e que integrou, em
1931, o Grupo da Velha Guarda, quando, com Pixinguinha e Donga, também
compôs a chula-raiada “Patrão, Prenda Seu Gado.”
Essa turma, revivida
pelo Jonas Vieira, em 2014, deixou sua marca. Em 1940, o maestro Leopold
Stokowski abordou Villa-Lobos para que selecionasse e juntasse os mais
representativos artistas da Música Popular Brasileira, com o objetivo de gravar
músicas destinadas ao Congresso Pan-Americano de Folclore. Villa lobos escolheu
a nata dos criadores nacionais: Pixinguinha, Cartola, Donga, João da Baiana e
Zé Espinguela. As gravações foram feitas na noite de 7 para 8 de agosto desse
ano, a bordo do navio Uruguai atracado no Armazém 4. Das 40 músicas tocadas 16
chegaram ao disco, reproduzidas nos Estados Unidos em dois álbuns de quatro
fonogramas cada um, sob o título “Columbia Presents – Native Brazilian Music –
Leopold Stokowski”.
Depois desse fato histórico
recolhido pelo Departamento de Pesquisa do Biscoito Molhado, prossigamos:
Eu cismei, ao escrever sobre o Rádio Memória
sem ter ouvido antes a gravação, que o titular do programa pedira para que o
Peter, operador de áudio, pusesse para tocar uma composição do Humberto
Teixeira, mais qual?... Sérgio Fortes, como já mencionei acima, falou-me de
cabrito, que tinha a ver com Geraldo Pereira, mas de Humberto Teixeira não
havia nada.
Agora, com o MP-4
restaurado, percebo a minha confusão mnemônica: Humberto Teixeira foi citado
por Sérgio Fortes, no papel de homem-calendário, por ter nascido em 5 de
janeiro de 1915. Mas o que eu não me perdoo foi não me lembrar de Alexandre
Dumas, que, em 5 de janeiro de 1825, com 23 anos de idade, participou do seu
primeiro duelo; afinal, passei a minha adolescência devorando os seus
romances. Sérgio Fortes aludiu a um
probleminha que aconteceu nesse duelo: as calças do Alexandre Dumas caíram.
Veio-me logo à mente, forçosamente, o duelo narrado por ele no romance “Amaury”,
que inspirou o meu avô a dar esse nome ao meu pai. As calças do herói desse
livro não caíram, como as do autor, mas o duelo também foi hilariante, apesar
do ritual dramático desses desafios ou por isso mesmo.
Quanto aos comentários
deles sobre a maconha, transcrevi praticamente tudo o que falaram, caso eles se
detivessem mais no tema, alguém do PT poderia ouvir e ter a ideia de criar uma
Maconhabras para satisfazer a base aliada do governo.
Jonas Vieira e Sérgio
Fortes fizeram também alusão ao “Big Brother Brasil”, programa televisivo que
confirma a previsão do Nélson Rodrigues sobre a “Revolução dos Idiotas”.
“O idiota era apenas o
idiota e como tal se comportava. (...) Eles descobriram que são em maior número
e sentiram a onipotência da embriaguês numérica. E, então, aquele sujeito que,
há 500 mil anos, limitava-se a babar na gravata, passou a existir socialmente,
economicamente, politicamente, culturalmente, etc.; houve em toda parte a
explosão triunfal dos idiotas.”- escreveu ele.
Sérgio Fortes e Jonas
Vieira citaram, porém, outro escritor, George Orwell que, no seu livro “1984”,
previu o “Big Brother”, aquele que tudo via, o “voyeurismo” no seu grau mais
elevado.
-Se George Orwell
estivesse vivo, proibia essa coisa chamada Big Brother Brasil. - desabafou o
Jonas Vieira. (*)
E, em seguida,
desculpou-se com os ouvintes pelo mau humor.
Não, não era mau humor,
e sim a indignação de uma pessoa que não se conforma em se submeter à maioria
idiota.
Mas não vamos encerrar
esta edição com isso. .
Na última música do
Rádio Memória, “Stoppin' at The Savoy”, Sérgio Fortes citou Chick Webb.
Aludi às gravações em
VHS que perdi por causa da “transitoriedade dos suportes” - título de um
brilhante artigo do Umberto Eco para o New York Times, todavia, ainda tenho –
em 10 CDs - um documentário sobre a história do Jazz. Em um desses CDs, destaca-se Chick Webb –
negro, um Quasímodo do Jazz, porque, desde a infância, sofria de tuberculose
espinhal. Ele comandava a sua orquestra tocando não piano como Count Basie, não
clarinete como Benny Goodman, mas bateria. E, nesse instrumento, ele rivalizava
com Gene Krupa. Houve até um duelo de virtuosismo entre os dois, que, segundo
um casal que o assistiu, Chick Webb deixou Krupa “em tiras” (apenas o
depoimento desses dois, que me pareceram parciais, consta no
documentário).
Chick Webb, apesar da
sua vida meteórica, viveu apenas 34 anos (1905-1939), ficou inesquecível no
universo jazzístico. Muito ligado a Ella Fitzgerald, que iniciava a sua
carreira de cantora, pediu aos seus pares, antes de morrer, que ela nunca
ficasse desamparada.
Grande Chick Webb.
(*) ora, se
George Orwell estivesse vivo, nós não precisaríamos ler O BISCOITO MOLHADO.
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