Total de visualizações de página

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

2548 - parabellum farináceo



--------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4348                          Data: 17 de janeiro  de 2014
--------------------------------------------------------------

COM A ITÁLIA NA GRÉCIA

   Saímos do vórtice do tempo tão perturbados, que o Elio se julgou num circo.
-Quem é esse palhaço gordo?
-Eu, com a consciência não menos desordenada, julguei-me num teatro.
-Não é o Falstaff?...
-Pode ser, Carlos; hoje, os diretores dos espetáculos pouco valor dão aos figurinos de época.
Só depois de dez minutos que conseguimos identificar a figura que despontava numa reunião: Benito Mussolini.
-A Alemanha não deveria ser avisada?... - ciciou um general do Estado-Maior.
-Eu não tenho de dar satisfações a Hitler. - bradou Mussolini.
E prosseguiu:
-Já não nos saímos bem nos Alpes Ocidentais da França, agora é o momento de Hitler ver que somos tão bons soldados quanto eles, melhores ainda.
-É isso mesmo. - exclamou um sabujo, que insuflou ainda mais o Duce.
O passado guerreiro da Itália supera em muito o da Alemanha. Hitler fala agora em império de mil anos, nós já tivemos o nosso e vamos consegui-lo de novo.
E concluiu com a veemência de quem fala ao povo de um palanque:
-A Roma dos Césares voltou.
Um general, aproveitando a longa pausa do líder fascista, manifestou-se:
-Temos 75 mil homens na Albânia que, com mais os 12 mil sob as ordens do general Feroni, na fronteira com a Iugoslávia, perfazem 87 mil soldados.
-A ordem é: invadir a Grécia e tomar Atenas imediatamente. - vociferou Mussolini, marchando para a porta de saída da imensa sala de reunião do Estado Maior, seguido pelo seu séquito que gritava: Guerra.
Mais atrás, sem ser ouvido pelos demais, um oficial cantarolou o trecho de uma música.
-O que ele canta, Carlos?
-É a linha melódica do coro do chamamento à guerra do primeiro ato da ópera Aída, de Verdi. - respondi.
 -O italiano de hoje não é tão adepto da ópera como foi tempos atrás, o canto lírico não é mais tão popular.- comentou.
-Na Primeira Grande Guerra, os italianos, ao partirem para o combate, cantavam a ária da Fanciulla del West, de Puccini, “Ch' ella mi creda libero e lontano.”
-Que ela creia que eu esteja livre e longe – traduziu o Elio.
-Esta ária é cantada no momento em que Ramirez vai ser enforcado, ele pede, então, aos seus carrascos que não digam para a sua amada que ele morreu, e sim que partiu, livre, para um lugar distante e que jamais retornará.- esclareci.
-Os italianos partiam para a guerra como se fossem para a forca.- concluiu o Elio.
-Eles lutaram ao lado da França e da Inglaterra e, na repartição do butim, não receberam as terras que mereciam, segundo os fascistas que,agora, se voltam contra seus antigos aliados. - manifestei-me.
E prossegui para quebrar a pausa:
-Como é gorducho esse Mussolini!... Deve comer muitos pratos de macarronada.
-Não, Carlos; Mussolini vê o macarrão com preconceito, para ele é prato de napolitano. E você sabe que o sul da Itália é visto com um certo desdém pelos italianos do norte.
Subitamente, eu e Elio nos vimos na Albânia, no meio das tropas da Itália.
-Carlos, os italianos pensam que a guerra é uma festa; cantam canções napolitanas em vez de hinos bélicos.
-Eu diria, Elio, que a música abrandou sobremaneira o italiano.
-Mas, Carlos, os maiores compositores, de um modo geral, são alemães e austríacos.
Você já escutou alguma música sentimental de Wagner? - provoquei.
-Sentimentalismo em Wagner... - esboçou o Elio um sorriso sardônico.
Os gregos, informados das intenções de Mussolini, prepararam-se para a luta, e foram de encontro aos inimigos.
-Carlos, eu já havia lido que, mesmo em valores numéricos bem inferiores, os gregos venceriam os italianos, mas não estava muito convencido. Agora, vejo que é verdade.
E acrescentou:
-Veja: os gregos avançam e os soldados da Itália correm o risco de perder a Albânia.
-Eu diria que os italianos se perguntam o que fazem aqui, que eles querem tudo, menos guerrear.
E, então, a máquina do tempo nos tragou e fomos os dois jogados em mais uma reunião do Mussolini com seu Estado-Maior.
Ele estava furibundo.
-Enviei reforços, aumentei o nosso efetivo para 162 mil soldados, e nada.
-Os gregos receberam ajuda da RAF. - disse um general num tom quase inaudível.
-Somos mais numerosos e o que se vê: a Grécia já ocupou metade da Albânia.
Ninguém,diante do Duce, ousou dizer uma palavra.
-Porca Miseria! Serei obrigado a fazer a última coisa que eu pretendia: pedir ajuda a Hitler.
 Depois de resolver um problema político com a Iugoslávia, usando a truculência germânica habitual, Hitler enviou suas tropas aliadas com as da Bulgária à Grécia.
E o heroísmo dos gregos não bastou para deter os nazistas. 
Vitoriosa, a Alemanha ocupou militarmente a Macedônia central e oriental, Atenas, as ilhas do Mar Egeu setentrional e a ilha de Creta; quanto à Bulgária, anexou a Trácia e o que sobrou da repartição  do país dos grandes sábios da humanidade ficou com a Itália.
E estávamos eu e Elio de novo na Grécia.
-A máquina do tempo brinca conosco; trouxe-nos para Atenas. - bradei como um possesso.
Elio, por outro lado. Expressava a sua satisfação.
-Carlos, aqui em Atenas, veremos o Templo de Zeus Olímpico, a Acrópole, o Parthenon, o Teatro de Dionísio, os Templos da deusa Atenas (da sabedoria) e da deusa Nike (da vitória).
-E veremos soldados nazistas por todos os cantos estragando a paisagem. E a deusa Nike foi derrotada. (*)
-E vamos fazer o quê?- mostrava-se agora dubitativo.
-Vamos para um lugar que esteja sob a tutela dos italianos.
-Por que, Carlos?
-Porque os italianos são os inimigos que todos gostariam de ter, além disso, gosto da culinária deles e das suas óperas.
Usando vários meios de transporte com motores de tração e até tração animal, chegamos a Cefalônia.
-É uma ilha paradisíaca! - exclamou o Elio, para, em seguida, dizer que valeu a pena viajar tanto para lá chegar.
-Veja como os italianos e os gregos não se hostilizam.
-Sim, Carlos, mas também aqui há grupos de resistência aos invasores.
Dentro do possível, tudo ia bem. E vieram as primeiras derrotas de Hitler, em 1942. Com a rendição dos italianos ante as tropas aliadas no seu próprio país, os nazistas passaram a ver os italianos da Grécia como gregos. E só se ouvia, a partir de então, os sons bélicos.
Era hora de sairmos de lá, e a máquina do tempo atendeu aos nossos desejos.
(*) Pela Adidas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário