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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

2557 - PRK-30 amanhece no domingo



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4357                          Data: 02 de fevereiro de 2014
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A RÁDIO MEMÓRIA NO DIA DA MARMOTA

   Jonas Vieira franqueou ao Sérgio Fortes a missão de ele abrir melodiosamente o programa, e ele pediu a gravação de Luís Miguel de “La Barca”, de Roberto Cantoral. Não pude evitar, fui logo conduzido para o seu programa de alguns anos atrás, “As Melhores Vozes do Mundo”, em que ouvi umas três vezes esse bolero com artistas mais canorosos (nada contra o Luís Miguel, cantor, até então, desconhecido para mim).
Falando nisso, quando eu conheci o Sérgio Fortes? Sem muito esforço evocativo, volto uns doze, treze anos, e ouço os reclames do “Clube da Ópera”, na Rádio MEC, com Sérgio Fortes. Erraram, dizia comigo mesmo, pois imaginava que o apresentador seria o Sérgio Brito (*). Há anos, eu assistia ao programa “Arte”, da TV Educativa, em que ele, durante uma hora, transitava sem embaraço por todos os segmentos artísticos e um deles era a ópera.
-”Eu estava com papai e mamãe no Teatro Municipal, assistindo a “Os Palhaços”, de Leoncavalo,  quando, em determinado momento, vislumbrei alguém na plateia e fiquei deslumbrado. Bati agidamente com a mão no ombro do meu pai, murmurando: “O Schipa... O Tito Schipa”. Ele sumiu no intervalo do primeiro para o segundo ato e reaparece cantando a serenata de Arlequim. Foi uma loucura geral, ele teve de repetir a serenata quatro vezes.”
Foram mais ou menos essas as palavras do Sérgio Brito que também dirigiu a Carmem e a Traviata, sendo que, nesta última, deixou o Franco Zefirelli com o ego abalado.
-Ao apertar-me a mão, a mão dele estava bem mole. - comentou com um sorriso sarcástico.
Assim, ao sintonizar pela primeira vez o “Clube da Ópera”, eu me surpreendi quando escutei outro Sérgio.
-Então, o redator do Biscoito Molhado não conhecia o Sérgio Fortes?- concluirão alguns leitores açodados.   
Poucos meses antes do programa mencionado, ao saber que eu gostava da arte lírica, Dieckmann, que trabalhava comigo no Departamento de Marinha Mercante, disse-me que era amigo do filho do barítono Paulo Fortes, mas que não fora o bel canto que os uniu e sim a paixão por carros antigos. Logo depois, Dieckmann me dava um exemplar da revista do Veteran Car Club, “O RADIADOR”, com um dos melhores contos já publicados nela, dizia, “Esta Vida é Uma Mercury” da autoria do Sérgio Fortes.
Agora, ouvindo Luís Miguel cantando “La Barca”, eu me pergunto: por que ele pediu um meio de transporte aquaviário?... Nem mesmo o Dieckmann, que já pedira Lady Gaga, chegou a tanto. Faria mais sentido se solicitasse “Calhambeque”, mesmo no original italiano? Não; Dieckmann, reagiria com um fúria nórdica se chamassem o seu Jaguar de calhambeque, e creio que o Sérgio Fortes também não gostaria que a sua Mercury tivesse igual tratamento.
De todos os Rádio Memória que desfrutei, não houve um em que o Jonas Vieira não citasse o Orlando Silva, mesmo que o cantor a ser apresentado fosse  outro.
-Vamos ouvir uma gravação de 1941, do Nélson Gonçalves, do samba de Ataulfo Alves “Sinto-me Bem.” Ele, nessa época, imitava marcantemente o Orlando Silva, mais tarde, procurou a sua identidade própria, mas nunca se desprendeu totalmente do Orlando Silva.
Soada a última nota musical do samba, Sérgio Fortes, todo serelepe, deu início à próxima atração.
-Eu vou de Francis Albert Sinatra...
-Outro que imitava o Orlando Silva. - não perdeu a piada o Jonas Vieira.
Seria piada?... Não me lembro quem disse que Frank Sinatra precisava prender a respiração dentro de uma piscina, que era um treino de respiração,  para emitir algumas notas, o que Orlando Silva fazia naturalmente.
A canção solicitada pelo colecionador de carros clássicos, com Frank Sinatra, foi uma gravação de 1939, da autoria de Michael Carr e Jimmy Kennedy, “South of  the Border”. A canção descreve uma viagem para o México, não de Mercury, naturalmente. (**)
A orquestra de Nelson Riddle foi menção obrigatória.
-Esta é a Rádio Roquette Pinto. 94.1 em frequência modulada. - disse o Jonas Vieira.
-Este é o Biscoito Molhado. 40º C em ondas de calor. - dissemos nós.
E como não poderia deixar de ser, pois atravessamos as temperaturas mais quentes dos últimos setenta anos, comentaram a canícula que abrasa o Rio de Janeiro.
Jonas Vieira anunciou outra gravação de Nélson Gonçalves, pela RCA Victor, agora de 1946/47, “Quem mente Perde a Razão”, de Zé da Zilda e Edgard Nunes.
 Sérgio Fortes conduziu o programa para o momento operístico com a ária da ópera “Bodas de Fígaro”, de Mozart, “Voi Che Sapete”, na voz privilegiada do meio-soprano Tatiana Troyanos.
Em seguida, Jonas Vieira comentou que Mozart morreu com trinta e cinco anos de idade, Jesus Cristo, com trinta e três... Inspirado em Bernard Shaw, Sérgio Fortes não perdeu a piada:
-E eu não estou me sentindo bem.
A Pausa para Meditação, crônica do Fernando Milfond, aludiu às fábulas; fabulistas e outros bichos foram citados, o que era bem próprio no Dia da Marmota.
Prosseguindo com Nélson Gonçalves, Jonas Vieira optou por um fox de Roberto Martins e Mário Rossi, “Renúncia”.
Na vez do Sérgio Fortes, ele pediu “Aula de Ginástica”.
Quem cantou?... Quem compôs?... - indagarão os leitores que acordaram tarde nesse domingo e perderam o Rádio Memória. Não, não se tratava de pentagramas e vozes canoras, e sim de um trecho do programa PRK-30, do Castro Barbosa e Lauro Barbosa. Os dois cultivaram um humor que, a nosso ver, se assemelhava ao do Groucho Marx.
-Este era o rádio. -resumiu tudo o Jonas Vieira.
O Woody Allen também teria farto material para filmar “A Era do Rádio”, na versão brasileira.- imaginei.
Fiel ao Nélson Gonçalves, Jonas Vieira escolheu o tango de Herivelto Martins e David Nasser, “Vermelho 27”.
Nélson Gonçalves cantava, enquanto Herivelto Martins, como crupier, dizia o resultado depois de a bolinha parar na roleta. No final do jogo, o “Vermelho 27”, apostado pelo desgraçado cantante, é derrotado pelo “Preto 17”. Bem, o Luca e outros ouvintes que conhecem o jogo do bicho, perceberam logo a maldade. Bem, a gravação é de 1956, e a Lei Afonso Arinos de 1951. Mas deixemos isso de lado, já prescreveu.
Jonas Vieira ainda fez um comentário:
-Dizia Manuel Bandeira, se você está triste, escute um tango.
“Então, doutor, não é possível tentar um pneumotórax?
Não, a única coisa a fazer é tocar um tango argentino.”
-Agora, uma homenagem à minha mãe.
E veio à homenagem à Dona Nilza, Nelson Eddy e Jeanette Mac Donald entoando “Will You Remember.
 Para encerrar musicalmente o Rádio Memória, Jonas Vieira trouxe Johnny Mathis com o arranjo e a orquestra de Henry Mancini cantando, de Jerome Kern e Ira Gerschwin, “Long  Ago and Far Away.”
Johnny Mathis visitou o Brasil algumas vezes, quando se deleitou com as imitações que o beque Valtinho do Fluminense fazia dele, Os dois se tornaram muito amigos... E paremos por aqui, pois isso é outra história.
Um demorado abraço dito pelo Jonas Vieira e o Sérgio Fortes em uníssono encerrou o programa.

(*) O redator-chefe e único do seu O BISCOITO MOLHADO não se enganou. Sergio Fortes é o Sérgio Brito que não morreu. Ou, pelo menos, não enterraram.
(**) E por que não? Mercury é um automóvel da Ford e, como todo Ford, ferve em qualquer país, especialmente os da década de 30.

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