------------------------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4340 Data: 02 de
janeiro de 2014
---------------------------------------------------------------------
CARTAS DOS LEITORES
-Por que o Sabadoido,
inspirado no Sabadoyle - este aconteceu 1708 vezes - de 1964 a 1998, acabou?
Foi por que não seguiu as regras do evento original de evitar discussões sobre
religião, política e futebol? Yoko
BM: Pois é, minha cara Yoko, o Sabadoyle durou mais do
que a ditadura militar e ainda existia no primeiro governo do Fernando Henrique
Cardoso.
Sim, debatíamos
política, futebol e religião, mas, apesar de um ou outro integrante do
Sabadoido sair da modulação, as armas permaneciam sempre ensarilhadas.
O Sabadoido endoideceu
de vez por causa de uma discussão sobre uma música que, diga-se de passagem,
era bem chinfrim. Foi, então, por isso que o Sabadoido chegou ao fim? Não; o
Sabadoido fechou as suas portas porque não seguiu uma norma do Sabadoyle:
servir apenas guaraná.
-O Biscoito Molhado
repercutiu várias vezes o programa dominical Rádio Memória, mas não faz o mesmo
com a Rádio OSB, cinco horas depois do programa citado, que também conta com a
presença do Sérgio Fortes, diretor da Orquestra Sinfônica Brasileira Ópera e
Repertório.
Por coincidência, dois
domingos atrás, a gravação de “Os Quindins de Iaiá”, do Ary Barroso, foi tocada
no Rádio Memória, no deslumbrante arranjo do maestro Radamés Gnatalli e, poucas
horas depois, agora na Rádio MEC, Sérgio Fortes apresentava o Concerto para
Violino e Orquestra do mesmo maestro, assinalando que ele elaborou por volta de
dez mil arranjos na música popular brasileira, o que não o impediu de compor.
Eu até faltei a uma reunião de colecionadores de Jaguar para ouvir Rádio OSB.
Por que o Biscoito Molhado não volta a sua atenção também para esse programa? Dieckmann.
BM: Às vezes você tem razão,
Dieckmann. Lembra-se quando o Sérgio Fortes inventou uma falsa polêmica entre
nós: eu preferia “Summertime” com Kiri Te Kanawa, e você com a Renée Fleming?
Pura blague do nosso amigo, que sabe perfeitamente que você considera a
interpretação do “Summertime” pelo Paulo Francis definitiva. Nessa ocasião,
Serginho Strongs (para os mais íntimos), realizava o programa “As Melhores
Vozes do Mundo”, que ele abandonou quando o Artur da Távola deixou de ser o
diretor da Rádio Roquette Pinto.
No Rádio OSB, como já
foi registrado aqui, divulga-se as performances da Orquestra Sinfônica
Brasileira, o que obriga o Sérgio Fortes a pronunciar nomes que travam a língua
como a dos maestros Yeruham Scharovsky, Roberto Minczuk, Eugen Szenkar, que foi
o seu primeiro diretor artístico em 1940; sem falar nos nomes dos solistas
convidados, como a violinista Mayuko Kamio, entre outros.
O consolo do Sérgio
Fortes é não ter sido comentarista de política internacional na época da presidência
do Jimmy Carter, pois teria de pronunciar o nome do seu Conselheiro de
Segurança Nacional: Zbigniew Brzezinski.
Mas deixamos de lado
as brincadeiras; o descontraído Sérgio Fortes do Rádio Memória é extremamente
formal no programa semanal que merece uma hora da nossa atenção, o que nós
fazemos, mesmo na nossa hora da sesta, pois o gravamos no MP 4.
Falando em
descontração, o apresentador dos Concertos OSESP, que substituiu Arthur
Nestrovski, na Rádio Cultura, consegue arrancar risadas dos ouvintes. Ele, cujo
nome me escapa, alcançou o seu ápice quando comentou a “Sinfonia Doméstica”, de
Richard Strauss. Referiu-se à desfaçatez do compositor alemão ao colocar em
música a sua relação sexual com a esposa, com direito a orgasmo, o que exigiu
um esforço sobrenatural dos naipes das cordas, dos sopros e de todos os demais
instrumentos da orquestra. Não satisfeito, segundo o apresentador da Rádio
Cultura, Richard Strauss deu uma importância de deuses do Walhalla as
traquinagens do seu filhinho Buby (deve ser apelido e, certamente, não é
escrito assim).
Como crítica a Arthur
Nestrovski e ao seu sucessor Carlos Rainer (lembrei-me do nome) fica o fato de
os dois louvarem exageradamente a maestrina Marin Alsop; até parece que ela é a
Herbert von Karajan de saias. Percebo agora que a minha comparação foi infeliz,
pois ela só rege de calças compridas.
Voltando ao Sérgio
Fortes, o seu programa de que mais sinto falta é o Clube da Ópera, na Rádio
MEC, que teve o seu desfecho quando o Lula assumiu o governo em 1º de janeiro
de 2003.
O maior encanto do
Clube da Ópera era reviver os anos áureos das temporadas líricas do Teatro
Municipal do Rio de Janeiro com artistas daquela época e com os “loucos
líricos” - expressão de Artur da Távola – que presenciaram aqueles espetáculos.
Eu, em casa,
adolescente, grudado no rádio ouvia as transmissões de todas as récitas
operísticas pela Ministério da Educação e Cultura.
A “Tosca”, cantada
pelo Ferruccio Tagliavini, com bis no “E lucevan le stelle” existiu mesmo? E a
alta voltagem emocional da interpretação da Magda Olivero na ária “L´altra
notte in fondo al mare”, do Mefistófoles, que provocou a saída do enciumado
baixo Cesare Siepi do Brasil, ocorreu
mesmo? Passados 50 anos, tudo já me parecia uma peça da minha imaginação até
que surgiu o Clube da Ópera, com as pessoas que testemunharam ao vivo aqueles
momentos mágicos, e eu certifiquei-me que não fora um sonho.
-Não me veja
derrotada, continuo lutando. Talvez me deva comparar ao Chaplin no “Tempos
Modernos”, fui sugada pela engrenagem. Não há verba para serviçais,
aumentar-me-iam os problemas sem vantagens. De certo modo, fui uma vitoriosa
entre as mulheres da família. Mãe, irmãs e sobrinha não viveram com a
intensidade que, mesmo aos trancos e barrancos, a pulso e a canelão, eu vivi e
ainda vivo durante alguns minutos, alguns dias na semana. Rosa
BM: Rosa, como você já assinalou em cartas pretéritas,
os melhores momentos vividos por você foram na Bélgica. Por isso e pelo fato de
ter vivido com intensidade, a entrevista com o líder estudantil da época da
ditadura militar, Vladimir Palmeira, a que assisti ontem, na TV Cultura,
ocorreu-me ao lê-la agora..
As intensidades das
suas vidas foram bem diferentes, ele viveu muito tempo no fio da navalha, teve
de ir para Cuba, exilado, em 1969, e hoje confessa que a centralização militar
da ditadura de Fidel Castro o incomodou sobremaneira, que ele preferia Paris. O
melhor que ele conseguiu, como exilado, foi viver em Bruxelas onde, segundo
suas palavras, trabalhou durante seis anos como peão.
Vladimir Palmeira não
desfrutou as belezas da cidade como você; cultura ele possuía, isto é inegável,
mas quem mandou se influenciar pelos ideólogos errados, não é mesmo, Rosa? A
primeira vez que vi o Vladimir Palmeira foi mijando ao meu lado, no mictório do
Cine Catete (ou Cine São Luiz, não sei bem) em 1985, que colocara em cartaz “O
Cidadão Kane”. Depois, eu soube que, trepado num banquinho da Rua São José,
todas as sextas-feiras, ele prestava contas do que realizara na Câmara Federal
como deputado constituinte e muitas vezes fui ouvi-lo. Ele já estava
escarmentado, mas ainda levou pancadas do seu partido, o PT, mesmo depois de
ter contribuído com uma substanciosa parte da quantia que ganhara na Mega Sena.
Enriquecendo-o ainda mais.
Hoje, inegavelmente,
ele seria uma ótima pessoa para conversar, presumo.
Percebo que pouco
falei da sua carta, Rosa, fica para outra vez.
Nenhum comentário:
Postar um comentário