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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4336 Data: 28 de
dezembro de 2013
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EU E ELIO NA QUESTÃO
PALESTINA
-Elio, onde estamos? -
indaguei tão logo abri os olhos.
-Na palestina; meus
milenares ascendentes cá estiveram, por isso, eu logo reconheci esta terra.
-E o ano?
-Isso eu tenho de
descobrir.
Elio se apartou de
mim, abordou os viajantes de uma caravana que passava, enquanto cães atrás
latiam. Acerquei-me deles e ouvi uma linguagem estranha, que o Elio, pela
expressão facial , entendia perfeitamente. Antes de eu perguntar, ele se
antecipou com uma pergunta:
-Carlos, em que ano o
seu pai nasceu?
-Em 1916.
-Ele, então, já tem 1
ano de idade.
-Nós estamos, nesse
caso, sob o domínio dos turcos?
-Muito bem, Carlos; eu
tenho obrigação de saber isso, pois, além de ser judeu, sou filho de uma
professora de história. - referiu-se à Dona Sarita.
-Vi o filme Lawrence
da Arábia, Elio. Lawrence da Arábia uniu as tribos árabes, que viviam em conflito
e combateram o império otomano, que cairá juntamente com o império
austro-húngaro e o império do Kaiser com o fim da Primeira Grande Guerra
Mundial.
-E a Palestina, que
tão valentemente lutou contra os turcos, ficará sob a tutela do império britânico.
- comentou o jurista Elio com um pessimismo machadiano.
-Não sabia dessa sua
admiração pelos árabes. - manifestei-me com um fingido espanto.
-Eles deram um grande
impulso à matemática, mas eu sempre fui mal nessa matéria na escola. Não é bem
isso... Aqui, na Palestina, neste ano de 1917, não habitam só os palestinos, há
1 milhão de palestinos, e também 100 mil judeus.
-E convivem bem?
-Como Isaque e Ismael,
que eram irmãos, filhos de Abraão. - respondeu-me.
Repentinamente, fomos
os dois tragados pela voragem do tempo, e jogados na Polônia de 1945.
-Horror... horror... -
eram as únicas palavras que me vinham à boca, enquanto o meu amigo estava
petrificado.
Vozes de soldados americanos,
que assistiam os judeus mortos-vivos, identificados pela estrela de Davi,
direcionadas aos jornalistas de guerra, chegavam aos nossos ouvidos:
-Filmem, filme tudo. O
General Eisenhower ordenou que esse genocídio fosse documentado em toda a sua
inteireza, pois sempre haverá idiotas no presente e no futuro que dirão que
isto não aconteceu.
Elio, depois que se
recuperou do choque que a horrenda visão de homens, mulheres e crianças
esqueléticas, lhe provocou, também em mim, disse:
-Carlos, se tornassem
realidade as ideias de um escritor, seis milhões de judeus não seriam assassinados
na câmara de gás.
-Theodor Herzl?
-Sim, Theodor Herzl
que, húngaro de nascimento, viveu de 1860 a 1904. Uma vida curta, mas que
deixou um rastro de eternidade. Theodor Herzl foi o promotor do sionismo. Ele
lutou pela reconstrução de um Estado, na Palestina, para onde os judeus iriam,
recuperando, assim, a sua dignidade, e pondo-se longe dos intolerantes que os
perseguem na Europa.
-Nas Américas também.
- acrescentei.
-Sim, nas Américas,
porém, com o fim da Inquisição de origem espanhola, a violência contra os
hebreus amainou um pouco se comparada com os “pogroms” russos, por exemplo.
-Theodor Herzl não
ficou só nas palavras, Elio?
-Theodor Herzl foi um
bravo; criou o Banco Nacional Judeu e o Fundo nacional Judeu com o objetivo de
adquirir terras na Palestina. O que um homem poderia fazer pela sua gente, ele
fez.
-E os governos das
grandes nações não o ouviram. - afirmei.
-Bem, Carlos, em 1917,
ano em que estivemos há poucos minutos, embora estejamos em 1945...
E o Elio foi
interrompido por um oficial do exército dos Estados Unidos da América, que nos
pediu que déssemos passagem aos soldados que transportavam os sobreviventes
daquele campo de concentração em padiolas.
Depois, Elio reatou o
seu discurso:
-Em 1917, foi aprovada
a Declaração Balfour, que previa a criação de um futuro lar nacional para o
povo hebraico. Quatro anos depois, ou seja, em 1921, os britânicos fizeram a
partilha do Mandato: 80% para a criação de uma entidade árabe, chamada
Transjordânia, hoje Jordânia, e o restante 20% para o povo judeu habitar.
-Mandato. - ruminei as
três sílabas da palavra.
-Mandato internacional
é a decisão pela qual a Organização das Nações Unidas confia a uma grande
potência a administração de um determinado território, a fim de
progressivamente o conduzir ao governo de si mesma. - esclareceu.
-Sim, Elio, mas em
1921, não existia ainda a ONU, e sim a Liga das Nações, idealizada pelo
Presidente Wilson, dos Estados Unidos, que era ainda menos respeitada...
-Por isso, Carlos, a
Declaração Balfour não teve muita eficácia, mas convenhamos que 20% eram muito
pouco.
Saltamos dois anos, na
máquina do tempo e nos achamos em plena Sessão Especial da Organização das
Nações Unidas. Impelido pela curiosidade, abeirei-me de uma bancada e peguei um
jornal francês esquecido numa bancada. Li a data:
-Elio, nós nos
encontramos no dia 29 de novembro de 1947. Eu nasci há um mês. -
entusiasmei-me.
-Carlos, você não quer
largar isto aqui para se ver, bebê, em São Cristóvão, borrando de merda as suas
fraldas para a sua mãe lavar?
-Claro que não.
-Nunca vira, até
então, o gentil Elio, portar-se de maneira tão áspera (*). Aquele momento, na
ONU, era verdadeiramente significativo para ele.
Virei-me, em seguida,
para o presidente daquela Sessão Especial e, sem desfitar o Oswaldo Aranha,
comentei:
-O Getúlio Vargas foi
deposto, mas ele, Oswaldo Aranha, continua no governo.
-Não faça oposição a
ele, Carlos, nós, judeus, temos de reconhecer a sua importância.
Enquanto os delegados
das mais diferentes nações debatiam a criação do Estado de Israel na Palestina,
eu e Elio passamos a trocar ideias sobre os acontecimentos que acarretaram essa
sessão histórica.
-As atrocidades
cometidas contra o seu povo, Elio, pelos nazistas, sensibilizaram todo o mundo,
gregos e troianos, americanos e soviéticos.
-Sim, o mundo estava
em dívida conosco.
-A reivindicação
sionista tomou uma força indômita.
E a palavra retornou
ao Elio que, no início do seu comentário, exibiu sua intimidade com o inglês:
-”United Special
Committe on Palestine”, liderado pelos Estados Unidos e a União Soviética,
apresentou às Nações Unidas o Plano de Partição da Palestina, que consiste em
um estado judeu com uma área que corresponde a 55% do total da Palestina, e um
estado palestino com os 45% restante.
-De 10, para 20, agora
45%%. - interferi.
-Os árabes rejeitaram
a proposta.
-Entendo: os judeus
que habitavam a Palestina eram 10%.
-Em 1917. - lembrou.
E foi adiante:
-Com o movimento
sionista, a imigração judaica cresceu acentuadamente através dos anos. Na
década de 40, já éramos um terço dos habitantes. Eles eram hostilizados, a
escalada da violência entre árabes de judeus recrudesceu, e a Inglaterra levou
a questão a ONU.
Elio silenciou quando
o presidente da Organização das Nações Unidas proferiu a decisão: a criação do
Estado de Israel, na Palestina, foi aprovada com 33 votos a favor, 13 contra e
10 abstenções.
(*) Não
entendi. Fraldas e conteúdo, mães e bebês não são lembranças ásperas. No máximo,
cheirosas.
(**) Nota
importante para o leitor de O BISCOITO MOLHADO. O redator é quase dois mêses mais
velho do que o Estado de Israel. Velho pra chuchu.
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