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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4346 Data: 12 de janeiro
de 2014
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172 ª CONVERSA COM OS
TAXISTAS
Entrei no táxi 017,
que deixou o rádio sintonizado na Central da Cooperativa. Ouvi, sem prestar
muita atenção, que solicitavam carro para um lugar que não era rua, praça,
avenida, travessa, beco, nada que me fosse familiar.
-Não vou lá nem por um
cacete. - manifestou-se o 017 num espasmo de irritação que lhe é peculiar.
-E que lugar é esse? -
expressei a minha curiosidade.
-Um motel aqui perto.
-Ah, sim; o Cachambi e
redondezas progrediram nos últimos anos, então surgiram muitos templos
religiosos e motéis. Esse motel é onde?
-Perto do Shopping
Nova América, numa ruazinha escalafobética que, além de íngreme, é estreita; só
dá para um carro.
-Casais apressados e
um carro de cada vez... - comentei marotamente.
-Levei, certa vez, uma
passageira ao Shopping e, logo que ela saltou, um casal entrou no meu carro
pedindo para ser levado ao motel.
E, numa ira
regressiva, explodiu:
-Por que eles não
foram a pé?
-Seria um
aquecimento... tentei descontraí-lo, mesmo sabendo que a missão era impossível.
-Geralmente, esses
casais não querem ser vistos. Muitos só
pegam táxis com insulfilm; ou é marido enganando a mulher, ou é a mulher
enganando o marido.
Devido aos sortilégios
da mente, pensei na Madame Bovary traindo o marido dentro de um fiacre, mas saí
logo do século XIX com seus fiacres de discretos cocheiros para o século XXI
com o neurastênico 017.
-Não deu para recusar
esse casal do Nova América?
-Sou obrigado a levar
os passageiros aonde eles querem ir.
E acrescentou sem
pausar:
-Mas, uma vez, recusei
uma passageira.
-Como?
-Ela quase que parou
na frente do meu táxi, com risco de ser atropelada, apontou para um FIAT e
disse: “Siga aquele carro”.
-E o senhor seguiu?
-Claro que não; eu vi
logo que ela queria ir atrás do marido.
E justificou-se:
-Sou taxista; ela que
contrate um detetive se quer dar um flagrante no marido.
-E o senhor se arrisca
com isso.
-Claro que me arrisco.
E o diálogo
se encerrou por aí, pois chegamos à Rua Modigliani.
No dia subsequente, lá
estava ponteando a fila do ponto da Domingo de Magalhães, para a minha
satisfação, o Paizão.
Normalmente tranquilo,
demonstrando boa saúde, embora tenha completado 80 anos de idade e esteja acima
do peso, o que revela a sua atração por pratos cheios, ele se aborreceu:
-Olha como esse carro
vai?... Além de parecer uma tartaruga, o motorista não sabe se fica na esquerda
ou na direita.
-O 017 já teria
explodido. - observei.
-Ele é todo esquisito.
- comentou com o rosto crispado.
-Sim, ele é muito
tenso.
-Já discuti com ele e
o chamei de parvo.
-Parvo?!,,, É um bom
xingamento. E ele sabia o que era parvo?
-Pela minha cara, ele
viu que não era boa coisa.
E prosseguiu:
-O irmão dele é
completamente o contrário; o Chagas.
E voltou-se para mim:
-Conhece o Chagas?
-Não sei.
-Ele é uma espécie de
chefe de nós todos, o táxi dele é o 052.
-Chagas... - fiz um
esforço evocativo.
-Ele faz ponto do
outro lado, na Suburbana.
-Então não conheço
pessoalmente.
Eu disse isso,
desconfiando que se tratava daquele que chamou a atenção de um taxista que, no
rádio, se identificava com a voz elevada. “Você está fora da modulação”.
-E o calor? - mudei de
assunto.
-Um maçarico sobre
nós.
-Na Austrália, a
sensação térmica de 50 graus matou dezenas de milhares de morcegos.
-Por aqui, há muitos
morcegos por causa das árvores frutíferas. - aparteou-me.
-Que os morcegos
tenham longa vida, pois nos protegem de muitas doenças. Assisti a um
documentário em que as crianças de um desses países do Caribe passaram a matar
os morcegos; com isso, o índice de malária aumentou dramaticamente. As
autoridades intervieram para impedir a matança dos morcegos. - comentei.
-Vamos
proteger nossos morcegos. - disse-me ele, enquanto eu pagava a corrida, já na Rua
Modigliani.
-Tudo bem, tirando o
calor? - perguntei logo que sentei no banco do Vereador.
-Tudo bem nada! O
sujeito mandou arrancar o insulfilm dos carros. - respondeu-me
inflamadamente.
Presumi que o sujeito
fosse o prefeito Eduardo Paes, mas nada falei, por mim, o sujeito permaneceria
oculto.
-Ele começou 2014 com
essa gracinha. - prosseguiu.
-Há medidas
gregorianas, que são tomadas com a
passagem do ano, principalmente as inflacionárias. - comentei.
-Já tirei o insulfilm
de um vidro, de outro, ainda não tive tempo.
Às suas palavras,
torci o corpo e constatei que todos os vidros do táxi estavam sem essa película
de proteção... dos casais adúlteros (lembrei-me do 017).
-E, com isso, um
desses guardas ordinários me multou.
Enquanto desabafava,
tratando-me de Carlos – é o único taxista que me perguntou o nome nesses quase
quatro anos de corridas na Cooperativa Metrô – eu matutava: não seriam apenas
as Kombi e as Vans que seriam obrigadas a arrancarem o insulfilm?...
Parece que ouviu o meu
pensamento.
-Os táxis também terão
de rodar com os vidros transparentes.
-Ah, sim, ele deve ter
uma frota de Kombi, no mínimo, e já foi multado. - pensei sem me manifestar.
-O sujeito quer que os
taxistas tenham GPS e que falem inglês...
E, desacelerando o
ritmo da sua indignação, fez uma ressalva:
-Inglês, eu falo.
Quase lhe dei os
parabéns, não o fiz porque transpareceria a minha ironia, já que duvidava da
sua intimidade com o idioma de Shakespeare.
E o Vereador foi
adiante no seu discurso.
-Quando houve Copa do
Mundo nos Estados Unidos, os taxistas de lá foram obrigados a aprender
português, Carlos?
Não respondi por se
tratar de uma pergunta retórica, se não teria dito que muitos taxistas nos
Estados Unidos são hispânicos e mesmo brasileiros.
Nesse instante,
diminuiu drasticamente a velocidade do seu carro, porque vira o 081 andando
pelo asfalto.
-Será que roubaram o
táxi dele? - suspeitou.
E abordou o 081.
-O que houve?
-Caminhando. - foi a
resposta.
Fez um gesto de
desaprovação, e engatou a terceira marcha.
-Tem 77 anos de idade,
poderia estar em casa, mas anda com um sol desses na cabeça. Você sabia que ele
é dono que quase todos esses imóveis de Maria da Graça?
-Sei. - respondi.
-Cada doido com sua
mania. - bradou.
E prosseguiu até a Rua
Modigliani desancando as medidas das autoridades competentes do Rio de Janeiro
que são, para ele, incompetentes.
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