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quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

2529 - locomoção vertical



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4329                        Data: 15 de dezembro  de 2013
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RÁDIO MEMÓRIA SEM VISITA DE MÉDICO

-Muitíssimo bom-dia.
Com a sua costumeira saudação, o titular do programa deu início aos trabalhos.
 E, em seguida, anunciou a presença do doutor Fernando Borer. Não se tratava da duração de uma visita de médico que, atualmente, se tornou padrão nos consultórios, ou seja, o doutor dedica quinze, no máximo, vinte minutos a um paciente e a anamnese, tão importante no diagnóstico das doenças, fica descartada com essa medicina de alta rotatividade. O doutor Borer estaria nesse Rádio Memória do dia 15 de dezembro durante uma hora, tempo, que acreditamos, ele permanecia com um doente no seu consultório quando clinicava.
Lamentei que esse programa não tivesse acontecido no sábado, Dia Nacional da Ópera.  Sérgio Fortes teria, assim, a oportunidade de celebrá-lo com trechos das criações de Carlos Gomes, interpretados por Paulo Fortes, Ida Miccolis, Assis Pacheco, Lourival Braga, Fernando Teixeira, Glória Queirós e outros artistas da nossa cena lírica.
Como faltavam dezesseis dias, não dezessete, para o fim do ano, Sérgio Fortes informou que era o Dia da Mulher Operadora de Direito.
-Não seria mais simples dizer advogada?
Pois é Sérgio, num órgão público, para justificarem o substancioso salário dos ascensoristas, eles foram enquadrados como “técnicos de locomoção vertical”.
E prosseguiu no papel de homem-calendário, como gosta de ser chamado:
-No dia 15 de dezembro de 687, foi eleito o papa Sérgio I.
Jonas Vieira, em vez de tomar a benção daquele que é xará de tão insigne figura, fez uma piada e o Fernando Borer gostou.
Da igreja, Sérgio Fortes passou para o campo de futebol.
-No dia 15 de dezembro de 1963, um Fla x Flu decidiu o  campeonato carioca de futebol e o Maracanã recebeu um público de 194 603 pessoas, com 177 mil pagantes.  Eu estava lá.
-Eu também, mas saí campeão, você não. - manifestou-se o Jonas Vieira.
-O Fluminense teve a vitória nos pés do Escurinho, no final do jogo, e ele deu um piparote na bola, como dizia o Ary Barroso e o Marcial agarrou.
O choro regressivo, que de tantos tricolores ouvi, principalmente do meu pai, eu ouvia agora do Sérgio Fortes.
-Nesse dia – tomou a palavra o flamenguista do Rádio Memória - aconteceu uma coisa inédita para mim; era tanta gente que tive de assistir à partida da geral.
-O que houve com o Maracanã de hoje, onde não cabem mais de 70 mil torcedores. Tornou-se “pocket”?
Perfeita a comparação do Sérgio Fortes, embora tivesse recorrido à língua inglesa. Depois dos livros de bolso, veio a FIFA e impingiu os estádios de bolso.
Nós, do Biscoito Molhado, também lá estivemos, na geral, no meio de tantos torcedores apaixonados, porém ordeiros. Creio que todos aqueles que tinham mais de 14 anos na época, se achavam no Maracanã nesse dia. Ah, sim: havia um garoto de uns 10 anos que, pelo tamanho, não conseguia ver nada além do fosso do Maracanã.  Seu pai  o ergueu e enganchou suas pernas no pescoço, sustentando-o nos ombros. Os que estavam atrás não concordaram com esse apreço paternal, pois eles, agora, é que não conseguiam ver o jogo. E sobre o menino choveram tantos copos amassados de mate, tantos pauzinhos de picolé, que o guri teve de voltar a pisar o chão. Como o técnico Osvaldo de Oliveira disse que foi ao Fla xFlu da final do campeonato de 1963, vamos pesquisar se não era ele esse garoto, pois sempre foi muito hostilizado pelas torcidas,  diga-se de passagem, injustamente.
Da geral, via-se muito bem 5% do campo, quanto aos outros 95%, tínhamos de recorrer à imaginação ou ao radinho de pilha.  O lance em que o Escurinho, de cara com o gol, atrasou, praticamente, a bola para o goleiro do Flamengo, ocorreu nesses 5% que estavam à minha vista.  Que coisa, Escurinho!...
Informou o homem-calendário também que, no dia 15 de dezembro de 1970, ocorreu a última transmissão da TV Excelsior. Não entrou em detalhes, o que exigiria todo o horário do Rádio Memória, como aludir ao fato de o empresário Mário Wallace Simonsen desagradar aos militares da ditadura, o que levou ao fechamento da TV Excelsior e da Panair do Brasil, entre outras barbaridades.
Mas o objetivo do Rádio Memória é deflagrar as boas reminiscências através da música, e a palavra foi passada para o Fernando Borer. E ele optou por “Sweet and Lovely”, de Gus Arnheim, Harry Tobias e Neil Moret, disco lançado em 1934. Preferiu a leitura de uns poucos instrumentistas de jazz, com destaque do baixo, de um CD que não foi identificado.
Foram uns quinze minutos do som do saxsoprano de Sonny Stitt, do piano de Duke Jordan, do baixo de Sam Jones e da percussão de Roy Brooks.  Eu ouvia e me perguntava se o Dieckmann, caso lá estivesse, conseguiria aguentar esse tempo todo sem falar.
No fim, Jonas Vieira cantarolou a parte da letra, mas sem o brilhantismo de outro programa, quando, em alemão, cantou “Lili Marlene”.
Sérgio Fortes anunciou que estava com um CD com arranjos de Henry Mancini das criações de Ennio Morricone e Nino Rota, o que provocou frêmitos de entusiasmo dentro e fora da Rádio Roquette Pinto.
-A música é de Nino Rota, “The Clowns”. Parece que estamos mesmo diante de um circo.
Com toda a razão estava o Sérgio Fortes; desde os primeiros acordes me veio a lembrança do Carequinha, do Fred, do Zumbi, do Meio-Quilo e do Arrelia. Noto, agora que digito estas palavras, que o Bozo, palhaço mais recente, ficou inteiramente esquecido por mim, ou seja, eu voltara unicamente à minha meninice.
 Num dos seus poemas, Manuel Bandeira escreveu que queria “... o lirismo dos loucos, o lirismo dos bêbados, o lirismo pungente e difícil dos bêbados, o lirismo dos clowns de Shakespeare.” Não se ajustaria o poema de Manuel Bandeira ao lirismo esfuziante e ribombante dos clowns de Nino Rota no arranjo de Henry Mancini.
-Demais da conta! - expressou o Jonas Vieira a sua satisfação.
Imaginei que, na próxima escolha, o Sérgio Fortes preferiria a fúria dos clowns de Leoncavalo, pedindo a gravação da ária “Vesti La Giubba”, mas isso não aconteceria.


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