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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4329 Data: 15 de
dezembro de 2013
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RÁDIO
MEMÓRIA SEM VISITA DE MÉDICO
-Muitíssimo bom-dia.
Com a sua costumeira
saudação, o titular do programa deu início aos trabalhos.
E, em seguida, anunciou a presença do doutor
Fernando Borer. Não se tratava da duração de uma visita de médico que,
atualmente, se tornou padrão nos consultórios, ou seja, o doutor dedica quinze,
no máximo, vinte minutos a um paciente e a anamnese, tão importante no
diagnóstico das doenças, fica descartada com essa medicina de alta
rotatividade. O doutor Borer estaria nesse Rádio Memória do dia 15 de dezembro
durante uma hora, tempo, que acreditamos, ele permanecia com um doente no seu
consultório quando clinicava.
Lamentei que esse
programa não tivesse acontecido no sábado, Dia Nacional da Ópera. Sérgio Fortes teria, assim, a oportunidade de
celebrá-lo com trechos das criações de Carlos Gomes, interpretados por Paulo
Fortes, Ida Miccolis, Assis Pacheco, Lourival Braga, Fernando Teixeira, Glória
Queirós e outros artistas da nossa cena lírica.
Como faltavam dezesseis
dias, não dezessete, para o fim do ano, Sérgio Fortes informou que era o Dia da
Mulher Operadora de Direito.
-Não seria mais simples
dizer advogada?
Pois é Sérgio, num
órgão público, para justificarem o substancioso salário dos ascensoristas, eles
foram enquadrados como “técnicos de locomoção vertical”.
E prosseguiu no papel
de homem-calendário, como gosta de ser chamado:
-No dia 15 de dezembro
de 687, foi eleito o papa Sérgio I.
Jonas Vieira, em vez de
tomar a benção daquele que é xará de tão insigne figura, fez uma piada e o
Fernando Borer gostou.
Da igreja, Sérgio
Fortes passou para o campo de futebol.
-No dia 15 de dezembro
de 1963, um Fla x Flu decidiu o
campeonato carioca de futebol e o Maracanã recebeu um público de 194 603
pessoas, com 177 mil pagantes. Eu estava
lá.
-Eu também, mas saí
campeão, você não. - manifestou-se o Jonas Vieira.
-O Fluminense teve a
vitória nos pés do Escurinho, no final do jogo, e ele deu um piparote na bola,
como dizia o Ary Barroso e o Marcial agarrou.
O choro regressivo, que
de tantos tricolores ouvi, principalmente do meu pai, eu ouvia agora do Sérgio
Fortes.
-Nesse dia – tomou a
palavra o flamenguista do Rádio Memória - aconteceu uma coisa inédita para mim;
era tanta gente que tive de assistir à partida da geral.
-O que houve com o
Maracanã de hoje, onde não cabem mais de 70 mil torcedores. Tornou-se “pocket”?
Perfeita a comparação
do Sérgio Fortes, embora tivesse recorrido à língua inglesa. Depois dos livros
de bolso, veio a FIFA e impingiu os estádios de bolso.
Nós, do Biscoito
Molhado, também lá estivemos, na geral, no meio de tantos torcedores
apaixonados, porém ordeiros. Creio que todos aqueles que tinham mais de 14 anos
na época, se achavam no Maracanã nesse dia. Ah, sim: havia um garoto de uns 10
anos que, pelo tamanho, não conseguia ver nada além do fosso do Maracanã. Seu pai
o ergueu e enganchou suas pernas no pescoço, sustentando-o nos ombros.
Os que estavam atrás não concordaram com esse apreço paternal, pois eles,
agora, é que não conseguiam ver o jogo. E sobre o menino choveram tantos copos
amassados de mate, tantos pauzinhos de picolé, que o guri teve de voltar a
pisar o chão. Como o técnico Osvaldo de Oliveira disse que foi ao Fla xFlu da
final do campeonato de 1963, vamos pesquisar se não era ele esse garoto, pois
sempre foi muito hostilizado pelas torcidas,
diga-se de passagem, injustamente.
Da geral, via-se muito
bem 5% do campo, quanto aos outros 95%, tínhamos de recorrer à imaginação ou ao
radinho de pilha. O lance em que o
Escurinho, de cara com o gol, atrasou, praticamente, a bola para o goleiro do
Flamengo, ocorreu nesses 5% que estavam à minha vista. Que coisa, Escurinho!...
Informou o
homem-calendário também que, no dia 15 de dezembro de 1970, ocorreu a última
transmissão da TV Excelsior. Não entrou em detalhes, o que exigiria todo o
horário do Rádio Memória, como aludir ao fato de o empresário Mário Wallace
Simonsen desagradar aos militares da ditadura, o que levou ao fechamento da TV
Excelsior e da Panair do Brasil, entre outras barbaridades.
Mas o objetivo do Rádio
Memória é deflagrar as boas reminiscências através da música, e a palavra foi
passada para o Fernando Borer. E ele optou por “Sweet and Lovely”, de Gus
Arnheim, Harry Tobias e Neil Moret, disco lançado em 1934. Preferiu a leitura
de uns poucos instrumentistas de jazz, com destaque do baixo, de um CD que não
foi identificado.
Foram uns quinze
minutos do som do saxsoprano de Sonny Stitt, do piano de Duke Jordan, do baixo
de Sam Jones e da percussão de Roy Brooks.
Eu ouvia e me perguntava se o Dieckmann, caso lá estivesse, conseguiria
aguentar esse tempo todo sem falar.
No fim, Jonas Vieira
cantarolou a parte da letra, mas sem o brilhantismo de outro programa, quando,
em alemão, cantou “Lili Marlene”.
Sérgio Fortes anunciou
que estava com um CD com arranjos de Henry Mancini das criações de Ennio
Morricone e Nino Rota, o que provocou frêmitos de entusiasmo dentro e fora da
Rádio Roquette Pinto.
-A música é de Nino
Rota, “The Clowns”. Parece que estamos mesmo diante de um circo.
Com toda a razão estava
o Sérgio Fortes; desde os primeiros acordes me veio a lembrança do Carequinha,
do Fred, do Zumbi, do Meio-Quilo e do Arrelia. Noto, agora que digito estas
palavras, que o Bozo, palhaço mais recente, ficou inteiramente esquecido por
mim, ou seja, eu voltara unicamente à minha meninice.
Num dos seus poemas, Manuel Bandeira escreveu
que queria “... o lirismo dos loucos, o lirismo dos bêbados, o lirismo pungente
e difícil dos bêbados, o lirismo dos clowns de Shakespeare.” Não se ajustaria o
poema de Manuel Bandeira ao lirismo esfuziante e ribombante dos clowns de Nino
Rota no arranjo de Henry Mancini.
-Demais da conta! -
expressou o Jonas Vieira a sua satisfação.
Imaginei que, na
próxima escolha, o Sérgio Fortes preferiria a fúria dos clowns de Leoncavalo,
pedindo a gravação da ária “Vesti La Giubba”, mas isso não aconteceria.
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