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terça-feira, 10 de dezembro de 2013

2521 - capote frio



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4321                  Data: 03 de dezembro  de 2013
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122ª VISITA DE TRUMAN CAPOTE

- Materializei-me aqui e não no Studio 54. - decepcionou-se Truman Capote logo que se viu em minha casa.
-Essa discoteca de Manhattan fechou as portas em 1986.
-Eu já estava morto nesse ano; não sobreviveu sem mim.
-O Studio 54 foi para você como o Moulin Rouge para o Toulouse Lautrec.
Talvez.
-Não há festas aqui com mil pessoas, mas sei, pela longa entrevista que você concedeu a Malcom Cowley, que prosear é um dos seus passatempos preferidos.
-Em primeiro lugar, vem a conversação, em segundo, a leitura e, em terceiro, escrever. Eu gosto de ouvir e gosto de falar. Santo Deus, rapaz, você verá como eu gosto de falar.
-Você nasceu em 1924, em Los Angeles, mas logo seus pais, que viviam em um hotel, o enviaram para o Alabama onde viveu com as suas tias.
-Eu me sentia espiritualmente órfão. Meu pai colecionava amantes e minha mãe era alcoólatra. Divorciaram-se quando eu tinha sete anos.  Ela se casou, depois, com um cubano, Joseph Garcia Capote. Meu padrasto me ensinou muito, gostava dele e, como vê, adotei seu sobrenome.
-E como você foi na escola, Truman Capote? Pelo que li, seu padrasto o levou para Nova York e o matriculou nas melhores escolas. Você repetia o ano e o consideraram burro, como se diz aqui no Brasil.
-Creio que contava com cerca de doze anos, quando o diretor da escola fez uma visita a meus familiares e disse a eles que, na sua opinião, eu era “subnormal”. Pensava o diretor que o ato mais sensato, mais humano, seria me enviarem a uma escola especializada em tratar fedelhos retardados. Minha família, o que quer que tenha sentido além, intimamente, ficou ressentida. E, esforçando-se para provar que eu não era um retardado mental, enviou-me à clínica psiquiátrica de uma universidade do leste, onde o meu Q.I. foi avaliado. Quanto a mim, diverti-me à beça com tudo aquilo e – imagine o que aconteceu? –  voltei para casa como um gênio proclamado pela ciência. Não sei quem ficou mais espantado: se meus professores, que se recusavam a acreditar naquilo, ou se minha família, que não queria crer no resultado, pois esperava apenas que lhe dissessem que eu era um garoto normal.
E prosseguiu sem pausas:
-No que me diz respeito, porém, me senti extremamente satisfeito: andava pela casa a olhar-me nos espelhos e a rir entredentes, pensando no meu interior: Meu rapaz, você é Flaubert, ou Maupassant, ou Proust, ou Tchecov, ou Virginia Wolf, quem quer que fosse o ídolo do momento.
-A literatura era a sua vocação.
-Com dezessete anos de idade, terminei os estudos e eu, que já vivera em Nova Orleans, voltei para lá  e comecei a escrever sofregamente.
-Você era o menino prodígio da literatura americana.
-Minha primeira publicação foi um conto, “Miriam”.
-Você escreveu muitos contos, no início da sua carreira, e sempre foi cuidadoso na técnica de escrever.
-Creio que uma história pode ser arruinada por um ritmo defeituoso numa frase – principalmente se ocorrer na parte final – ou um erro na divisão dos parágrafos, ou mesmo na pontuação. Henry James é o mestre do ponto e vírgula. Hemingway é um construtor de parágrafos de primeira classe. Do ponto vista do ouvido, Virginia Wolf jamais escreveu uma frase má. Não quero com isso dizer que eu pratique com êxito o que prego. Procuro fazê-lo, eis tudo.
-E fez?
-O que Mae West é para as tetas e King Kong para o pênis, eu sou para as letras norte-americanas.
-Você, Truman Capote, esperava a inspiração?
-O trabalho é o único expediente que conheço. A arte de escrever possui leis de perspectiva, luz e sombra, assim como a pintura ou a música. Se a gente nasce conhecendo-as, ótimo. Se não, deve aprendê-las. Depois, readaptá-las para que se ajustem a nós. Até mesmo nosso mais extremado desrespeitador de tais leis, era um artífice soberbo; escreveu “Ulysses” porque pôde antes escrever os contos “Os Dublinenses”. Muitíssimos escritores parecem considerar o escrever contos como um exercício de dedos. Bem, em tais casos, são unicamente seus próprios dedos que eles estão exercitando.
-Aqui, no Brasil, Guimarães Rosa criou “Grandes Sertão Veredas” depois de escrever muitos contos.
-Não conheci bem os autores brasileiros; meu tempo era curto.
-O seu romance “Breakfast at Tiffany´s” foi transformado num filme exitoso, “Bonequinha de Luxo”, com a Audrey Hepburn.
-A atriz de cinema de que mais gostei foi a Marilyn Monroe. A bondade se chamava Marilyn Monroe.
-O livro que foi um divisor de águas na sua carreira foi “A Sangue Frio”, em que você cria um novo gênero literário: o “romance não ficcional”, o “New Journalism”.
-Eu li, no New York Times, sobre um crime na cidadezinha de Holcomb  no Kansas...
-Dois monstros amarram um casal e os dois filhos, cortam-lhe as gargantas e depois os alvejam com tiros de espingarda. Foi hediondo. - expressei minha revolta.
Sem se sensibilizar com a minha reação, Truman Capote prosseguiu com os fatos que o levaram à elaboração do “A Sangue Frio”.
-Viajei para Holcomb, entrevistei os familiares das vítimas, os assassinos, recolhi documentos, li cartas e diários.
-E falam que você até se tornou muito íntimo de um dos criminosos.
Fingiu não me ouvir e continuou:
-Acompanhei até o enforcamento dos réus para que o livro não ficasse incompleto.
“A Sangue Frio” foi o seu auge e a sua decadência, como dizem seus biógrafos?
-Ganhei rios de dinheiro com esse livro.  E eu gostava de me cercar de luxo, Tive três mansões: uma em Nova York, outra em Long Island, e a terceira na Suíça. Eu sempre busquei a fama, sair nas revistas, aparecer na televisão.
-Suas festas eram frequentadas pela alta sociedade nova-iorquina. E você estava, quase sempre, acompanhado de belíssimas mulheres, como Marilyn Monroe.
-Todas eram minha amigas apenas, nunca escondi que era homossexual.
-E com essa vida, Truman Capote, adveio a sua derrocada porque você não se dedicava à literatura com o fervor de antes.
-As luzes feéricas das festas me atraíam dramaticamente. Até criei o “Cocktail Capote”, uma mistura de álcool com barbitúrico.
-Inteligente como você era, sabia que procurava a morte com isso. A sua mãe, também alcoólatra, se suicidou.
-Era a minha natureza. - limitou-se a dizer.
E continuou:
-Morri na casa da minha amiga, Joanne Carson, um mês antes de completar  meus sessenta anos.
E partiu.

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