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quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

2519 - falta virgem?

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4319                       Data: 29   de novembro  de 2013
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FALTA ALGUÉM NO ALENTEJANO

Depois de marchas e contramarchas, finalmente o almoço no Alentejano, onde o Elio presentearia o Luca, foi marcado para o dia 26, às 12h 30min. O evento poderia acontecer antes para eles, não para mim, mas os dois exigiram a minha presença, talvez, por superstição, pois algumas duplas se desfizeram com estremecimentos emocionais, como Dumas e Auguste Maquet, Jerry Lewis e Dean Martin, João Bosco e Aldir Blanc. É verdade que trios também, mas os dois não levaram isso em consideração.
Se somos três astros, pode-se dizer que nos ajustamos à precisão cósmica: Luca já estava à porta do restaurante quando cheguei, e a mesa do fundo, com quatro lugares fora previamente reservada por ele. Seria como antes: eu, sentado de frente para a entrada, com o Elio à minha esquerda e ele à nossa frente, consequentemente, de costas para a porta. Era “poule” de dez ele pedir a panelinha de arroz com camarão para três com chope na pressão; por isso, antecipei-me à solicitação que seria feita tão logo o Elio aparecesse.
-Luca, vou pedir peixe.
-Como você quiser, Carlinhos.
Para que o tempo de espera não se arrastasse, tratamos de prosear.
-E a bola fora do Chico nesse caso das censuras às biografias...
O seu semblante era de decepção, o meu não, o compositor de “Apesar de você”, jamais se mostrou crítico do seu partido político quando, através, dos anos, este tomou medidas autoritárias, como a expulsão de três deputados que deram seus votos, no Colégio Eleitoral, ao Tancredo Neves, como a expulsão da ex-prefeita Luiza Erundina, que aceitou um cargo de ministro no governo Itamar Franco, entre outros incontáveis atos arbitrários.
Vieram-me esses acontecimentos, mas não eram próprios para uma conversa descompromissada.
-Disso tudo, Luca, eu me surpreendi com a posição do Caetano Veloso.
-Fizeram uma paródia com trechos compostos pelos dois: “É Proibido Proibir”, do Caetano Veloso, e “Quem te viu, Quem te vê”, do Chico Buarque.
-Um biógrafo, por mais mal intencionado que esteja, não poderia ir mais a fundo do que a Paula Lavigne, que já declarou à imprensa que teve relações sexuais com Caetano Veloso, ela com 13, ele com 40 anos e que abortou com 16. E ela é a presidente desse grupo de censores das biografias, “Procure Saber”. - manifestei-me.
-O Roberto Carlos não perde nada com isso, porque sempre se omitiu na época da ditadura, mas o Chico e Caetano sim, pois têm um passado de luta contra a falta de liberdade. - disse ele ainda com a expressão de desiludido.
-O que vocês querem?
Eu queria mudar de assunto, porém a pergunta partiu do garçom.
-Um bolinho de bacalhau apenas. - respondi.
-Eu também só quero um.
Quando o garçom trouxe o nosso pedido, contei que, na última vez em que estive no Alentejano, com uma amiga, trouxeram três bolinhos, o que nos empanturraria antes do prato principal e, com alguma insistência, conseguimos que nos deixassem com dois em cada pratinho.
-E o pingue-pongue?
-Tenho jogado, Carlinhos. O médico quer que eu faça musculação, pois só movimento um lado do corpo.
-E as partidas lhe exigem muito.
-Sabe aquele vizinho que era o meu saco de pancadas?... Já não é mais, quando ele é meu adversário, fico no meio do caminho.
-O seu jogo caiu de qualidade?
-O dele é que melhorou. Fico até contente, pois meu vizinho deve ter treinado bastante para alcançar essa melhoria.
-”Lá vem o Elio”. - falei com a mesma entonação que o locutor do Jockey Clube Brasileiro, Ernani Pires Ferreira, dava quando vislumbrava o bridão Juvenal Machado da Silva, com a sua montaria, ultrapassando um por um os cavalos à sua frente: “Lá vem o Juvenal”.
-O peso do saber. - foram as palavras do Elio ao largar sobre a mesa a sacola de plástico com dois cartapácios sobre a língua ídiche, o prometido mimo ao amigo.
-Que beleza! - vibrou o Luca, enquanto manuseava páginas e mais páginas.
-O que eu comprei para você, comprei para mim. Depois, vou saber se você está estudando direitinho.
-Mas você já fala em ídiche. - assinalou o Luca.
-Minha mãe, sim, mas eu entendo apenas.
-O que aprendi, como vocês já sabem, foi com os judeus da zona da Leopoldina com quem trabalhei, quando rapaz. Eles escreviam erradamente, então, muitas palavras em ídiche, eu falo, mas não sei escrever.
-Vai aprender agora com estes livros, Luca.
Veio à tona com força a sua curiosidade e o Elio tratou de satisfazê-la remontando ao surgimento da língua no século X, na fronteira da Polônia com a Alemanha, que a palavra ídiche se origina do alemão jüdisch, que significa judeu.
-Polônia... - frisou o Luca, saindo do registro da sua mente mais uma vez que o seu aprendizado se deu com judeus provenientes da Polônia.
Elio assinalou que o ídiche foi se espalhando pela Europa através dos séculos.
Luca pediu explicações sobre pronúncia e a escrita, que é sinistrosa, isto é, da direita para a esquerda. Que, de uma maneira rombuda, diz-se que o ídiche é o idioma germânico escrito com caracteres hebraicos.
-Minha mãe, nos momentos mais reservados, fala em ídiche. De um modo geral, aqueles que conhecem a língua, fazem o mesmo.
Nesse instante, eu intervim com a “última flor do Lácio”:
-No Brasil, falavam-se dois idiomas, o do colonizador e o tupi-guarani. O Marquês de Pombal, então, proibiu que se falasse ou se escrevesse em outro idioma que não fosse o português. Tal proibição não ocorreu em alguns países da América do Sul.
E concluí rapidamente antes de ter a minha palavra cassada, pois falas longas estavam fora de questão ali.
-Colegas meus de trabalho que foram discutir acordos bilaterais de navegação nesses países, contam que, nos momentos mais agudos, eles recorriam à língua indígena e deixavam os brasileiros sem nada entender.
-Isso acontece muito. - anuiu o Elio.
-Beleza! - permanecia o Luca encantado, quando folheava o seu presente.
-O que vai beber?
Luca ainda degustava o seu chope tirado na pressão, eu ainda tinha a metade de uma jarrinha com suco de laranja, Elio, que deveria estar sedento depois de carregar da Rua Uruguaiana até lá o peso do saber, pediu um copo de água mineral e um bolinho de bacalhau.
Olhei para a garrafa de azeite sobre a mesa e constatei que era extravirgem de uma marca que não estava na relação daquelas que foram denunciadas como enganosas.
Se encontrar virgem é difícil, imagine extravirgem. - pensei, sem verbalizar meu pensamento.




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