O BISCOITO MOLHADO
Edição 4204 Data: 08 de
Junho de 2013
162ª CONVERSA COM OS TAXISTAS
Há meses que eu não conseguia pegar o
táxi do Gaguinho, estava interessado no desfecho da saga da bolsa de estudos do
seu filho. Um e outro leitor se lembrarão certamente dessa história. O garoto,
de 15 ou 16 anos, joga handebol e o seu pai, endividado com o financiamento do
táxi, necessitava de uma folga no orçamento o que aconteceria caso o filho
obtivesse uma bolsa de estudos, sem falar do aprimoramento nesse esporte, o que
poderia render dividendos futuros.
Lá por janeiro, Gaguinho me disse que o
menino estava praticamente encaminhado para estudar no Colégio Castelo Branco,
com chances de ele não ter de pagar a mensalidade e de, mais tarde, cursar a
universidade desse educandário, representando o mesmo como jogador de handebol.
Em fevereiro, o taxista, me disse
desoladamente que meteram a mão nos cofres, e todo o complexo Castelo Branco
teve de cortar as despesas a começar pela verba para os estudantes que praticam
esportes. Em seguida, um brilho de esperança veio dos seus olhos, e a sua
gagueira até que não foi tão acentuada quando me disse que o técnico do
handebol selecionou doze adolescentes, entre eles seu filho, para estudarem no
Colégio São José, de Realengo, que nada deve ao outro como centro poliesportivo
(É claro que ele nem tentou falar essa palavra). As vantagens financeiras
seriam praticamente as mesmas do Colégio Castelo Branco.
Quinze dias depois, em outra corrida com
o Gaguinho, perguntei-lhe, de um modo um tanto brincalhão, se o seu filho já
assinara contrato com o Colégio São José.
-Está por muito pouco. Muito pouco
mesmo.
-Daqui a pouco, começa o ano letivo, e o
guri não pode perder aula. - mostrei-me agora sério.
-Não; tudo se resolverá nesses dias.
Passaram março, abril, maio e junho já
começava, e nada de eu pegar o táxi dele, o 009, para saber se tudo se
resolvera mesmo, pois para mim aquilo se tornara uma novela cujo final eu, que
a acompanhava, desconhecia.
Nessa última sexta-feira, notei que o
táxi 009 ponteava a fila do ponto da Rua Domingo de Magalhães, no entanto, um
sujeito, que se achava a minha frente, tinha o propósito, ainda que
involuntário, de deixar, por mais uns dias ou meses, de frustrar a minha
curiosidade. Alarguei as passadas e consegui entrar no carro do Gaguinho.
-E a bolsa de estudos?... Ficou
resolvida no Colégio São José?
A sua língua travou durante uns cinco
minutos na palavra “desmoronou”, o que me fez temer pelo pior.
-Desmoronou tudo. Mas ele conseguiu a
bolsa no Colégio Realengo, que é enorme.
-Que bom.
-Não deve nada aos outros; tem muitos
esportes lá. A única coisa ruim é que ele tem de acordar muito cedo.
-Mas essa garotada tem de ser sacudida
da cama. - aparteei.
-E ele volta para casa às 6 horas da
noite, hoje veio mais cedo porque não houve treinamento.
-A bolsa é de cinquenta por cento?
-Cem por cento. - disse sem gaguejar.
-Maravilha. Também porque não estão
privilegiando só o futebol neste país.
-Handebol... Handebol.
Repetiu o nome do esporte, enquanto me deixava na Rua
Modigliani.
E o metrô?
Eis uma pergunta inevitável dos
taxistas, certamente porque os passageiros que aguardam vêm dele, completando o
transporte intermodal, completo, no meu caso, se considerarmos que estive por
oito horas no mundo marítimo.
-Foi constrangedora essa viagem de
volta.
-Por quê? - perguntou o Flamenguista.
-Na estação da Uruguaiana, entraram duas
senhoras de uns 80 anos de idade.
-E os que estavam sentados fingiram que dormiam.
- disse ele.
Deduzi que o meu interlocutor já viajara
algumas vezes de metrô, e prossegui.
-Uma senhora, junto a mim, que estava
com os costados na lataria do vagão falou a uma desconhecida da sua intenção de
ceder seu espaço para as duas, mas titubeava.
-Titubeava como?
Ela dizia que idosos não gostam, às
vezes.
-Alguns não gostam mesmo que lhe cedam o
lugar. - concordou.
-As duas velhinhas estavam tão
combalidas que não podiam se dar ao luxo de gostar ou não. Elas tinham, na
verdade, de sentar.
-E elas sentaram?
-O caso se desenrolou de uma maneira
cruel. Uma senhora puxou conversa com as duas e percebeu que elas estavam no
trem errado, pois pretendiam ir para Tijuca.
-Mas o que elas faziam na rua?
Essa indagação do Flamenguista me
remeteu ao filme “A Última Sessão do Cinema”, quando, na cena do atropelamento
alguém critica a vítima porque saíra à rua. “Ele saiu para viver” - retrucaram.
Não era, porém, esse caso. Elas,
provavelmente, foram à rua para dar prova de vida ou, então, tinham consulta
médica. O lamentável era não haver um parente com elas, protegendo-as e
guiando-as.
-Bem, a boa cidadã, que também viajava
de pé, orientou-as a saltar na estação de Cidade Nova, passar para a outra
plataforma e pegar o trem que viesse. Deveriam, depois, saltar na Central do
Brasil e embarcar, na mesma plataforma, no trem que viesse com as luzes
vermelhas, pois esse rumava para a Tijuca.
-E tudo ficou resolvido?
-Nada; logo que as duas velhinhas
desembarcaram e as portas do trem se fecharam, ouvi a tal cidadã exclamar “Meus
Deus”. Olhei e vi que elas, em vez de caminharem até a plataforma paralela,
subiram a escada rolante a caminho da prefeitura.
-O piranhão?!... - reagiu estupefato.
Confirmei com a cabeça.
-E como tudo acabou?
-É o que me pergunto. - disse enquanto o carro parava
na Rua Modigliani.
A corrida, no dia subsequente, se deu no
táxi do Sarará (como não descobri ainda seu nome, aqui vai essa identificação
sem sentido pejorativo algum).
-Até que enfim o sol apareceu. - quebrou
o silêncio.
-E muita gente deixa essa oportunidade
passar.
-De aproveitar o sol? - perguntou.
-Uma colega minha de trabalho contou-me
que, ao ser examinada num desses laboratórios, a médica lhe revelou seu espanto
em descobrir tanta gente com carência de vitamina D. E a maior fonte de
vitamina D é o sol.
-Mas não há outros alimentos?...
-Há o salmão, mas quem come salmão além
dos brasileiros que a Dilma Rousseff tirou da miséria com 70 reais por mês?...
-O preço dos alimentos subiu muito. -
comentou.
-Mas o sol está bem na frente –
enfatizei - de qualquer alimento como fonte de vitamina D.
Depois de uma pausa, acrescentei:
-Mesmo os presidiários têm direito ao
banho de sol.
-É o computador. Com essa história de
Facebook, a minha filha fotografa a comida e posta nessa rede social para as
suas amigas verem. Já disse para ela largar essa maluquice e ir brincar no
quintal.
A disposição de ele desabafar a sua
preocupação preencheria umas duas horas, mas teve de parar na Rua Modigliani.
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