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segunda-feira, 3 de junho de 2013

2391 - memória da gatinha

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4191                                   Data:  19 de  Maio de 2013
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BISCOITO ESFARELADO

Quem escuta a Rádio Memória, nesse período em que o Sérgio Fortes desfruta suas férias na Europa e o Dieckmann o substitui, logo repara, desde o primeiro programa em que apresentou as canções que o marcaram pela vida (principalmente nesse), que ele sempre recorre aos adjetivos para expressar sua admiração. Tudo bem: Eça de Queirós adjetivava muito; Nélson Rodrigues, admirador do grande mestre lusitano, o seguiu, e, agora, Dieckmann segue os dois.
Nós, que sintonizamos a Rádio Memória aos domingos, 8h da manhã, ouvimos, então: “interpretação magnífica”, “cantora espetacular”, “ritmo delicioso” e por aí vai. No entanto, o adjetivo da predileção do Dieckmann é “arrebatadora”. A própria Branca, sua companheira, quando foi uma das convidadas do Jonas Vieira, no programa dos Dia das Mães, assinalou com uma ponta de ironia, quando escolheu uma gravação para ser tocada:
-Como diria o Dieckmann, a voz da cantora é arrebatadora.
Dieckmann, recordo-me bem, já fez variações sobre esse adjetivo. Quando eu não o conhecia muito bem, isto é, poucos meses depois de surgir no meu trabalho para assumir a chefia de uma coordenação, escreveu uma carta para o cinéfilo Artur Xexéo sobre uma atriz, que atuara no filme “Cassino Royale”, que andava desaparecida das telas há anos (*). Nessa carta, ou e-mail – tenho dúvidas, pois isso aconteceu em 1999/2000, ele afirmou que a beleza dessa atriz era “inarrebatável”. Artur Xexéo apôs uma interrogação depois do adjetivo, enquanto dissertava sobre as observações do nosso amigo sobre o sumiço da bela atriz cujo nome também sumiu da minha cabeça.
Agora, no programa do Jonas Vieira, em que o Dieckmann tem tantas oportunidades de usar o “inarrebatável”, não passa do “arrebatadora”.

Pego o metrô na estação de Del Castilho, na ida ao trabalho, poucos minutos antes das 6h da manhã. Vejo sempre, em qualquer vagão que eu entre, muitos alunos do Colégio Militar, que pegaram o trem entre as estações de Pavuna e Inhaúma.
Como senta ao meu lado, no serviço, uma concursada que estudou sete anos nesse tradicional educandário, contei-lhe esse fato. Disse-me ela que há aulas que se iniciam às 6h 30min da manhã.
Entendi, então, por que o Dieckmann, ex-aluno do Colégio Militar, impôs, quando chefe no Departamento de Marinha Mercante, reuniões 8h da manhã, às segundas-feiras, com os seus subordinados.
Mas voltemos à minha colega. Disse-me ela que o Colégio passou a aceitar alunas em 1989 e que ela pertenceu ao segundo ano das meninas militarizadas, uma minoria que não passava de 10% em cada turma. Deduzi que, com essa experiência, ela se adaptou bem à nossa sala, onde é a única mulher, e a linguagem de caserna dos seus colegas jorram aos borbotões.
Como conheço muitos ex-alunos do Colégio Militar, cheguei a corrigi-la, uma vez, quando ela disse que o Costinha estudou lá.
-Castrinho, e foi colega de turma de um primo meu.
Curioso, perguntei-lhe se ainda permanecia aquela divisão que, antes, era clássico e científico, ou seja, se aqueles que não pretendiam seguir a área que enfatizava as ciências exatas e sim humanas, iam para a turma de Corte e Costura.
-Sim; mas eu não fui para a turma de Corte e Costura. - disse-me ela.
O Elio Fischberg foi, pensei sem me manifestar, por ela não o conhecer.

Bons tempos os da faculdade. Às vezes, mesmo não havendo necessidade de eu ir, eu lá comparecia. Isso aconteceu na prova oral de Geografia Econômica, em que já obtivera nota maior do que 7; apareci para animar os colegas. Eles sabiam que eu ali estava para dirimir alguma dúvida sobre a matéria, se fosse possível, assim ninguém me lançava um olhar inamistoso; vendo-me como aquele que se livrou do incêndio do circo e quer desfrutar a cena dos que tentam escapar. Por causa dessa camaradagem, escrevi a frase inicial que inicia esta reminiscência.
O professor de Geografia Econômica era o Camões. Quando, no primeiro dia de aula, nos são apresentadas as matérias com seus respectivos professores, fiquei pasmo quando li o nome Camões. As perguntas, sem um interlocutor para respondê-las, me vieram logo. Será que era um descendente do autor de “Os Lusíadas”?  Desejavam tanto os seus pais que ele fosse um poeta?... Ou queriam apenas que ele conhecesse bem o idioma português?...
Como sou tímido, reconheço, em todo o ano letivo, não lhe fiz uma só pergunta sobre a razão do seu nome/sobrenome tão festejado em terras lusas. E os demais alunos da turma, bem mais arrojados do que eu, não estavam nem um pouco interessados no poeta do maior poema épico das letras lusitanas.
Na prova oral, um aluno era chamado à mesa do professor de cada vez e três perguntas lhe eram feitas. E assim foi até que convocaram o Osvaldo para enfrentar o Camões. Pelo fato de trabalhar e as nossas aulas serem matutinas, ele deixava vários buracos na lista de presença. Nas proximidades das provas, pedia-me o caderno emprestado e tirava xerox de praticamente todas as folhas.
Bem, lá foi o Osvaldo que, estranhamente, não ficou mais de dez minutos diante do Camões. Quando retornou para o grupinho de amigos, explicou a razão da pouca demora do exame oral.
-Ele me pediu para dizer os nomes dos ministérios que eu conhecia. Respondi prontamente: Marinha, Exército e Aeronáutica, e fiquei quieto. Então, o Camões me indagou se era só isso.  Eu respondi que sim.
Deste ponto, Osvaldo intercalava as suas falas com a do professor, que tentava imitar.
-Existem dezesseis ministérios, e você só se lembra de três? Só me lembro desses três, professor... Você trabalha em quê? Eu trabalho numa empresa de comércio. Se dependesse da sua memória, a empresa iria à falência? Iria, professor.
E concluiu o Osvaldo:
-O Camões me mandou decorar mais nomes de ministérios e, depois, voltar para a prova.
Transportando para os dias de hoje, em que o Brasil está com trinta e nove ministérios, aquele exame de 1977, penso se, assim, a vida do Osvaldo ficaria facilitada. Não, não ficaria, pois tantos ministérios são tão insignificantes, representando apenas conchavos eleitoreiros, que mesmo as pessoas bem informadas se esquecem deles. Pelo contrário, a vida do meu amigo ainda pioraria, pois os Ministérios da Marinha, Exército e Aeronáutica foram condensados num só: Ministério da Defesa.

(*) Todos que conhecem essa história sabem que se tratava da Paula Prentiss, musa dos anos 60, que não atuou em “Cassino Royale”, mas sim em “Que  é que há, gatinha?”



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