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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4191 Data: 19 de
Maio de 2013
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BISCOITO ESFARELADO
Quem escuta a Rádio Memória, nesse
período em que o Sérgio Fortes desfruta suas férias na Europa e o Dieckmann o
substitui, logo repara, desde o primeiro programa em que apresentou as canções
que o marcaram pela vida (principalmente nesse), que ele sempre recorre aos
adjetivos para expressar sua admiração. Tudo bem: Eça de Queirós adjetivava
muito; Nélson Rodrigues, admirador do grande mestre lusitano, o seguiu, e,
agora, Dieckmann segue os dois.
Nós, que sintonizamos a Rádio Memória
aos domingos, 8h da manhã, ouvimos, então: “interpretação magnífica”, “cantora
espetacular”, “ritmo delicioso” e por aí vai. No entanto, o adjetivo da predileção
do Dieckmann é “arrebatadora”. A própria Branca, sua companheira, quando foi
uma das convidadas do Jonas Vieira, no programa dos Dia das Mães, assinalou com
uma ponta de ironia, quando escolheu uma gravação para ser tocada:
-Como diria o Dieckmann, a voz da
cantora é arrebatadora.
Dieckmann, recordo-me bem, já fez
variações sobre esse adjetivo. Quando eu não o conhecia muito bem, isto é,
poucos meses depois de surgir no meu trabalho para assumir a chefia de uma
coordenação, escreveu uma carta para o cinéfilo Artur Xexéo sobre uma atriz,
que atuara no filme “Cassino Royale”, que andava desaparecida das telas há anos
(*). Nessa carta, ou e-mail – tenho dúvidas, pois isso aconteceu em 1999/2000,
ele afirmou que a beleza dessa atriz era “inarrebatável”. Artur Xexéo apôs uma
interrogação depois do adjetivo, enquanto dissertava sobre as observações do
nosso amigo sobre o sumiço da bela atriz cujo nome também sumiu da minha
cabeça.
Agora, no programa do Jonas Vieira, em que o Dieckmann
tem tantas oportunidades de usar o “inarrebatável”, não passa do
“arrebatadora”.
Pego o metrô na estação de Del
Castilho, na ida ao trabalho, poucos minutos antes das 6h da manhã. Vejo
sempre, em qualquer vagão que eu entre, muitos alunos do Colégio Militar, que
pegaram o trem entre as estações de Pavuna e Inhaúma.
Como senta ao meu lado, no serviço, uma
concursada que estudou sete anos nesse tradicional educandário, contei-lhe esse
fato. Disse-me ela que há aulas que se iniciam às 6h 30min da manhã.
Entendi, então, por que o Dieckmann,
ex-aluno do Colégio Militar, impôs, quando chefe no Departamento de Marinha
Mercante, reuniões 8h da manhã, às segundas-feiras, com os seus subordinados.
Mas voltemos à minha colega. Disse-me
ela que o Colégio passou a aceitar alunas em 1989 e que ela pertenceu ao
segundo ano das meninas militarizadas, uma minoria que não passava de 10% em
cada turma. Deduzi que, com essa experiência, ela se adaptou bem à nossa sala,
onde é a única mulher, e a linguagem de caserna dos seus colegas jorram aos
borbotões.
Como conheço muitos ex-alunos do
Colégio Militar, cheguei a corrigi-la, uma vez, quando ela disse que o Costinha
estudou lá.
-Castrinho, e foi colega de turma de um
primo meu.
Curioso, perguntei-lhe se ainda
permanecia aquela divisão que, antes, era clássico e científico, ou seja, se aqueles
que não pretendiam seguir a área que enfatizava as ciências exatas e sim
humanas, iam para a turma de Corte e Costura.
-Sim; mas eu não fui para a turma de
Corte e Costura. - disse-me ela.
O Elio Fischberg foi, pensei sem me manifestar, por
ela não o conhecer.
Bons tempos os da faculdade. Às vezes,
mesmo não havendo necessidade de eu ir, eu lá comparecia. Isso aconteceu na
prova oral de Geografia Econômica, em que já obtivera nota maior do que 7;
apareci para animar os colegas. Eles sabiam que eu ali estava para dirimir
alguma dúvida sobre a matéria, se fosse possível, assim ninguém me lançava um
olhar inamistoso; vendo-me como aquele que se livrou do incêndio do circo e quer
desfrutar a cena dos que tentam escapar. Por causa dessa camaradagem, escrevi a
frase inicial que inicia esta reminiscência.
O professor de Geografia Econômica era
o Camões. Quando, no primeiro dia de aula, nos são apresentadas as matérias com
seus respectivos professores, fiquei pasmo quando li o nome Camões. As
perguntas, sem um interlocutor para respondê-las, me vieram logo. Será que era
um descendente do autor de “Os Lusíadas”?
Desejavam tanto os seus pais que ele fosse um poeta?... Ou queriam
apenas que ele conhecesse bem o idioma português?...
Como sou tímido, reconheço, em todo o
ano letivo, não lhe fiz uma só pergunta sobre a razão do seu nome/sobrenome tão
festejado em terras lusas. E os demais alunos da turma, bem mais arrojados do
que eu, não estavam nem um pouco interessados no poeta do maior poema épico das
letras lusitanas.
Na prova oral, um aluno era chamado à
mesa do professor de cada vez e três perguntas lhe eram feitas. E assim foi até
que convocaram o Osvaldo para enfrentar o Camões. Pelo fato de trabalhar e as
nossas aulas serem matutinas, ele deixava vários buracos na lista de presença.
Nas proximidades das provas, pedia-me o caderno emprestado e tirava xerox de
praticamente todas as folhas.
Bem, lá foi o Osvaldo que,
estranhamente, não ficou mais de dez minutos diante do Camões. Quando retornou
para o grupinho de amigos, explicou a razão da pouca demora do exame oral.
-Ele me pediu para dizer os nomes dos
ministérios que eu conhecia. Respondi prontamente: Marinha, Exército e Aeronáutica,
e fiquei quieto. Então, o Camões me indagou se era só isso. Eu respondi que sim.
Deste ponto, Osvaldo intercalava as
suas falas com a do professor, que tentava imitar.
-Existem dezesseis ministérios, e você
só se lembra de três? Só me lembro desses três, professor... Você trabalha em
quê? Eu trabalho numa empresa de comércio. Se dependesse da sua memória, a
empresa iria à falência? Iria, professor.
E concluiu o Osvaldo:
-O Camões me mandou decorar mais nomes
de ministérios e, depois, voltar para a prova.
Transportando para os dias de hoje, em
que o Brasil está com trinta e nove ministérios, aquele exame de 1977, penso
se, assim, a vida do Osvaldo ficaria facilitada. Não, não ficaria, pois tantos
ministérios são tão insignificantes, representando apenas conchavos
eleitoreiros, que mesmo as pessoas bem informadas se esquecem deles. Pelo
contrário, a vida do meu amigo ainda pioraria, pois os Ministérios da Marinha,
Exército e Aeronáutica foram condensados num só: Ministério da Defesa.
(*) Todos que
conhecem essa história sabem que se tratava da Paula Prentiss, musa dos anos
60, que não atuou em “Cassino Royale”, mas sim em “Que é que há, gatinha?”
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