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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4197 Data: 30 de
Maio de 2013
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89ª VISITA À MINHA CASA
1ª PARTE
-Hedy Lamarr, a minha musa! - não me
contive quando, subitamente, ela surgiu à minha frente.
-Sua musa por causa da minha beleza?
-Quando assisti ao “Êxtase”, imaginei
que sim, mas depois que soube que você tinha um cérebro (e que cérebro!), a
minha admiração se tornou eterna.
-Você conseguiu ver “Êxtase”?... Meu
primeiro marido, muito ciumento, ordenou que todas as cópias do filme fossem
recolhidas e, se possível, queimadas.
-Não no cinema infelizmente. A TV
Educativa anunciou o filme com uma tênue ideia do estardalhaço que ele provocou
em 1933. Você nua, correndo entre as árvores de uma floresta, nadando num lago,
simulando um orgasmo... Caramba, não consigo imaginar o quanto você inflamou a
fantasia de milhões naquela época em que era um atentado ao pudor a mulher
exibir a barriga e as panturrilhas em algumas cidades europeias e americanas.
Hedy Lamarr soltou uma gostosa
gargalhada.
-E mesmo que você estivesse coberta dos
tornozelos ao pescoço, de espartilho, os seus lábios...
-No mundo do cinema, em 1933, com a
minha nudez, eu quase superei a popularidade do King Kong. - disse entremeando
suas palavras com risos.
-Em Hollywood, todos, por um momento, se
esqueceram do King Kong para falar de um filme escandaloso da Europa em que
aparecia uma estonteante jovem austríaca nuazinha em pelo.
-Era um filme tcheco, de Gustav Machaty,
que muitos pensam que era minha estreia como atriz na tela.
-Nesse mesmo ano, você se casou com um
vienense fabricante de armas, Friedrich Mandl, 13 anos mais velho.
-Foram 4 anos de casamento. – disse,
como se fossem 40.
-Era milionário; ciumento, gastou uma
fortuna para recolher as cópias do “Êxtase” e queimá-las.
-Muitos países proibiram a exibição da
película, o que facilitou as coisas para ele. - observei.
-Uma obra, que pouco tinha de artística,
tomou proporções de uma pintura da Renascença. - comentou bem-humorada.
-Dizem que Mussolini teria se recusado a
vender a sua cópia do filme por qualquer preço.
Mais uma vez, a alegre Hedy Lamarr
gargalhou.
-Mas você ainda estava longe de se
tornar a Hedy Lamarr, você era a Hedwig Kiesler.
-Hedwig Eva Maria Kiesler, nascida em
Viena, em 1913. - completou.
-Seu marido, empresário de armas, usou a
sua beleza para lucrar ainda mais.
-Ele percebeu que chefões nazistas, cujo
partido ascendia politicamente na Alemanha, babavam, quando me viam. Assim, meu
marido me carregava, como um troféu ideal, para jantares de negócio com essa
gente, até mesmo com Hitler.
-E esses babões imaginavam que você era
apenas uma bela mulher com um corpo escultural, enfim, a mais bela decoração em
carne e osso que eles já viram.
-Enquanto eles conversavam sobre armas,
com olhares furtivos para mim, às vezes até indiscretos, eu calculava a
possibilidade de um inimigo bloquear o sinal contínuo usado para o controle dos
mísseis em caso de guerra.
-E nada disse para eles.
-Evidentemente que não, além do mais eu
era judia, e sabia do ódio deles pelos judeus.
-Seu marido, que herdou a fábrica de
armamentos fundado pelo pai, também era descendente de judeus, no entanto, foi
adepto do nazismo e do fascismo.
-Ele era adepto do bolso cheio de
dinheiro. - retorquiu.
-Mesmo ele não notava a sua inteligência
extraordinária?
-Eu me fazia de estúpida, ou seja, de
bonita. O segredo da minha beleza está em ficar parada e parecer estúpida.
-Já, quando criança, você, na escola, se
destacou sobre todos em matemática e ciência.
-E fui crescendo e notando que também
ficava fisicamente mais atraente para os homens...
-E julgou que seria melhor esconder a
sua genialidade com a beleza. - interrompi.
-Você não acha que fiz bem?
-Evidentemente que sim.
E, tomado pela curiosidade, fui adiante:
-E esse marido ciumento, que, mesmo
sabendo do ódio pelos judeus, simpatizava com o nazismo?
-Você não leu o meu livro autobiográfico
“Êxtase e Eu”?
-Infelizmente, não lançaram mais
edições, por isso não o encontrei nem nos sebões.
-Nele, eu escrevi que Friedrich Mandl
era um homem extremamente controlador, que tentava me manter trancada em sua
mansão.
-Você era aprisionada? ... reagi com
espanto.
Depois de menear afirmativamente a
cabeça, disse:
-Em 1937, eu persuadi meu marido a me
levar a um jantar...
-O que não foi difícil.
Apesar de eu a ter interrompido
intempestivamente, ela não perdeu o humor e foi adiante nas suas
reminiscências:
-Disse-lhe que eu iria a esse jantar com
a maioria das minhas joias, assim, eu deslumbraria a todos não só com o meu
corpo, mas também a minha riqueza, tornando o seu troféu mais desejável ainda e
ele a criatura mais invejada da Áustria.
-Imagino que não foi difícil você
conseguir o seu intento.
-Fomos à festa e, ao voltarmos para a
mansão, droguei-o com a ajuda da empregada. Depois, peguei mais algumas joias,
pois precisaria de muito dinheiro e escapei, fugindo da Áustria.
-Uns anos depois, a Alemanha anexava
política e militarmente a Áustria, era a Anschluss. Você, Hedwig Eva
Maria Kisler, fugiu no momento exato.
-O meu país se tornou uma província do
Reich Alemão e os eleitores austríacos aprovaram essa degradação, num
referendo, com 99% dos votos. Fui poupada de ver tropas de Hitler marchando em
Viena e de ficar perto de tanta gente sem lucidez.
-Compreendo.
-Fui para Paris, primeiramente, em
seguida, parti para Londres, com 24 anos de idade, onde encontrei um dos
magnatas mais poderosos de Hollywood, Louis B. Mayer.
-Não foi ele que disse, depois de vê-la
em “Êxtase”, que você era a mulher mais bonita do mundo?... ou teria sido Cecil
B. De Mille?... Foram, provavelmente, os dois.
Divertiu-se, vendo-me dubitativo e
retomou a palavra:
-Chamou-me para trabalhar em Hollywood,
mas com um nome que ajustasse melhor ao mundo cinematográfico. Nasceu, assim,
Hedy Lamarr. Hedy vinha de Hedwig, o Lamarr era uma homenagem a uma estrela do
cinema mudo que morreu muito jovem, Barbara La Mar, que Louis B. Mayer idolatrava. O meu batismo
aconteceu enquanto o navio singrava o Atlântico rumo aos Estados Unidos.
-E o seu primeiro marido, que tanto negociou
armas com a ascendente elite nazista?
-Com a anexação da Áustria, sendo ele
judeu, teve a fábrica de armamentos que herdara do pai confiscada.
-Pois é, nessas reuniões de negócios,
você ficou parada, parecendo estúpida, enquanto ele ficava agitado, procedendo estupidamente.
- concluí.
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