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sexta-feira, 14 de junho de 2013

2397 - quem parte, leva


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4197                                  Data:  30 de  Maio de 2013
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89ª VISITA À MINHA CASA
1ª PARTE

-Hedy Lamarr, a minha musa! - não me contive quando, subitamente, ela surgiu à minha frente.
-Sua musa por causa da minha beleza?
-Quando assisti ao “Êxtase”, imaginei que sim, mas depois que soube que você tinha um cérebro (e que cérebro!), a minha admiração se tornou eterna.
-Você conseguiu ver “Êxtase”?... Meu primeiro marido, muito ciumento, ordenou que todas as cópias do filme fossem recolhidas e, se possível, queimadas.
-Não no cinema infelizmente. A TV Educativa anunciou o filme com uma tênue ideia do estardalhaço que ele provocou em 1933. Você nua, correndo entre as árvores de uma floresta, nadando num lago, simulando um orgasmo... Caramba, não consigo imaginar o quanto você inflamou a fantasia de milhões naquela época em que era um atentado ao pudor a mulher exibir a barriga e as panturrilhas em algumas cidades europeias e americanas.
Hedy Lamarr soltou uma gostosa gargalhada.
-E mesmo que você estivesse coberta dos tornozelos ao pescoço, de espartilho, os seus lábios...
-No mundo do cinema, em 1933, com a minha nudez, eu quase superei a popularidade do King Kong. - disse entremeando suas palavras com risos.
-Em Hollywood, todos, por um momento, se esqueceram do King Kong para falar de um filme escandaloso da Europa em que aparecia uma estonteante jovem austríaca nuazinha em pelo.
-Era um filme tcheco, de Gustav Machaty, que muitos pensam que era minha estreia como atriz na tela.
-Nesse mesmo ano, você se casou com um vienense fabricante de armas, Friedrich Mandl, 13 anos mais velho.
-Foram 4 anos de casamento. – disse, como se fossem 40.
-Era milionário; ciumento, gastou uma fortuna para recolher as cópias do “Êxtase” e queimá-las.
-Muitos países proibiram a exibição da película, o que facilitou as coisas para ele. - observei.
-Uma obra, que pouco tinha de artística, tomou proporções de uma pintura da Renascença. - comentou bem-humorada.
-Dizem que Mussolini teria se recusado a vender a sua cópia do filme por qualquer preço.
Mais uma vez, a alegre Hedy Lamarr gargalhou.
-Mas você ainda estava longe de se tornar a Hedy Lamarr, você era a Hedwig Kiesler.
-Hedwig Eva Maria Kiesler, nascida em Viena, em 1913. - completou.
-Seu marido, empresário de armas, usou a sua beleza para lucrar ainda mais.
-Ele percebeu que chefões nazistas, cujo partido ascendia politicamente na Alemanha, babavam, quando me viam. Assim, meu marido me carregava, como um troféu ideal, para jantares de negócio com essa gente, até mesmo com Hitler.
-E esses babões imaginavam que você era apenas uma bela mulher com um corpo escultural, enfim, a mais bela decoração em carne e osso que eles já viram.
-Enquanto eles conversavam sobre armas, com olhares furtivos para mim, às vezes até indiscretos, eu calculava a possibilidade de um inimigo bloquear o sinal contínuo usado para o controle dos mísseis em caso de guerra.
-E nada disse para eles.
-Evidentemente que não, além do mais eu era judia, e sabia do ódio deles pelos judeus.
-Seu marido, que herdou a fábrica de armamentos fundado pelo pai, também era descendente de judeus, no entanto, foi adepto do nazismo e do fascismo.
-Ele era adepto do bolso cheio de dinheiro. - retorquiu.
-Mesmo ele não notava a sua inteligência extraordinária?
-Eu me fazia de estúpida, ou seja, de bonita. O segredo da minha beleza está em ficar parada e parecer estúpida.
-Já, quando criança, você, na escola, se destacou sobre todos em matemática e ciência.
-E fui crescendo e notando que também ficava fisicamente mais atraente para os homens...
-E julgou que seria melhor esconder a sua genialidade com a beleza. - interrompi.
-Você não acha que fiz bem?
-Evidentemente que sim.
E, tomado pela curiosidade, fui adiante:
-E esse marido ciumento, que, mesmo sabendo do ódio pelos judeus, simpatizava com o nazismo?
-Você não leu o meu livro autobiográfico “Êxtase e Eu”?
-Infelizmente, não lançaram mais edições, por isso não o encontrei nem nos sebões.
-Nele, eu escrevi que Friedrich Mandl era um homem extremamente controlador, que tentava me manter trancada em sua mansão.
-Você era aprisionada? ... reagi com espanto.
Depois de menear afirmativamente a cabeça, disse:
-Em 1937, eu persuadi meu marido a me levar a um jantar...
-O que não foi difícil.
Apesar de eu a ter interrompido intempestivamente, ela não perdeu o humor e foi adiante nas suas reminiscências:
-Disse-lhe que eu iria a esse jantar com a maioria das minhas joias, assim, eu deslumbraria a todos não só com o meu corpo, mas também a minha riqueza, tornando o seu troféu mais desejável ainda e ele a criatura mais invejada da Áustria.
-Imagino que não foi difícil você conseguir o seu intento.
-Fomos à festa e, ao voltarmos para a mansão, droguei-o com a ajuda da empregada. Depois, peguei mais algumas joias, pois precisaria de muito dinheiro e escapei, fugindo da Áustria.
-Uns anos depois, a Alemanha anexava política e militarmente a Áustria, era a Anschluss. Você, Hedwig Eva Maria Kisler, fugiu no momento exato.
-O meu país se tornou uma província do Reich Alemão e os eleitores austríacos aprovaram essa degradação, num referendo, com 99% dos votos. Fui poupada de ver tropas de Hitler marchando em Viena e de ficar perto de tanta gente sem lucidez.
-Compreendo.
-Fui para Paris, primeiramente, em seguida, parti para Londres, com 24 anos de idade, onde encontrei um dos magnatas mais poderosos de Hollywood, Louis B. Mayer.
-Não foi ele que disse, depois de vê-la em “Êxtase”, que você era a mulher mais bonita do mundo?... ou teria sido Cecil B. De Mille?... Foram, provavelmente, os dois.
Divertiu-se, vendo-me dubitativo e retomou a palavra:
-Chamou-me para trabalhar em Hollywood, mas com um nome que ajustasse melhor ao mundo cinematográfico. Nasceu, assim, Hedy Lamarr. Hedy vinha de Hedwig, o Lamarr era uma homenagem a uma estrela do cinema mudo que morreu muito jovem, Barbara La Mar, que Louis B. Mayer idolatrava. O meu batismo aconteceu enquanto o navio singrava o Atlântico rumo aos Estados Unidos.
-E o seu primeiro marido, que tanto negociou armas com a ascendente elite nazista?
-Com a anexação da Áustria, sendo ele judeu, teve a fábrica de armamentos que herdara do pai confiscada.
-Pois é, nessas reuniões de negócios, você ficou parada, parecendo estúpida, enquanto ele ficava agitado, procedendo estupidamente. - concluí.


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