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terça-feira, 18 de junho de 2013

2399 - a serviço da janela




O BISCOITO MOLHADO
Edição 4199                                 Data:  01  de Junho  de 2013


FRASES E COMENTÁRIOS

A televisão matou a janela.
Não é à toa que a criatividade do Nélson Rodrigues era espantosa; quando todos falam na morte do cinema, ele lembra a janela. É verdade que Fellini mostra a televisão matando o cinema, mas fugindo dos clichês. No seu filme “Entrevista”, as antenas surgem como lanças indígenas que desafiam mortalmente a sétima arte.
Havia mais gente contemplativa, mais gente na janela, de fato. Não vou me reportar aos trovadores medievais que atraíam as suas musas à janela, não voltarei tanto no tempo. Em 1938, a marchinha de Arlindo Marques Júnior e Roberto Roberti, “Abre a janela formosa mulher” alcançava estrondoso sucesso na voz de Orlando Silva, No fim da década de 60, Chico Buarque compunha “Januária”, musa que ficava na janela e era homenageada, é verdade que, nessa década, a televisão já hipnotizava multidões, mas como o compositor citado recebera a “pecha” de saudosista dos que se consideravam conectados com os tempos atuais, é possível que a sua Januária desfrutasse a sua juventude na década de 30.
Sei que há mais janelas na música popular brasileira do que no Palácio de Versailles, mas paro nessas duas composições e passo para as artes plásticas.
Uma célebre pintura de Salvador Dali é “Muchacha em la ventana” (Menina na janela). A tela nada de surrealista, uma mulher olha para fora, enquanto o pintor, a alguns metros atrás dela a retrata. Menina?... Não traduziram erradamente?... Depois de consultar o dicionário espanhol-português, verifico que não, que moça é “chica”. Quem conhece esse óleo de 1925 concordará comigo: não é uma “muchacha”, é uma “chica”. Uma moça calipígia, de corpo bem torneado. Soube, depois, que a irmã de Salvador Dali, sua irmã Ana Maria Dali serviu-lhe de modelo. As meninas custam a envelhecer aos olhos dos pais e, nesse caso, também aos olhos do irmão
Ela foi modelo de Salvador Dali até ser substituída por ele pela esposa Gala.
No que me diz, troquei muitas vezes a televisão pela janela quando morava na Rua Chaves Pinheiro, na década de 70. Havia o que se ver, como a passagem da Vitória, por exemplo, indo ou voltando não se sabe de onde. Alguém dava o alarme e todos corriam para os portões, para as janelas ou fazia, como Seu Eugênio, pai dos gêmeos Cosme e Damião, que, disfarçadamente, arrastava uma casca de banana na calçada para obter melhor visão da Vitória.
Parecíamos todos personagens fellinianos. Hoje, que impera a magreza, e, mais recentemente, os músculos das academias de ginástica, a indústria da beleza a desqualificaria, Vitória tinha o corpo de violão, que era o que mais alimentava as fantasias masculinas na época.
Também era possível ver, da janela, disputas esportivas, como vôlei, peladas, etc, mais atraentes do que o programa que passava na mesma hora na televisão, mas o trânsito de veículos se intensificou, e a Chaves Pinheiro deixou de ser cena de acontecimentos lúdicos. Assim foi, em quase todo lugar, com a chegada do progresso.
Vale, ainda assim, deixar por momentos a televisão para trás e ir dar uma olhadinha na janela.

Se você vir um banqueiro suíço pulando pela janela, é bom pular atrás.
Voltaire, que viveu na Suíça, ou na fronteira com esse país, não me recordo bem, disse a frase acima. Observou que todas as atitudes de um banqueiro, mormente, suíço, resultavam em lucro.
Quando o Chanceler de Estado da Áustria de 1821 a 1848 Metternich, foi informado da morte de Talleyrand disse que se o seu colega francês morreu é porque tiraria alguma vantagem. Razões não lhe faltavam para dizer isso. Talleyrand, mesmo expulso do seminário, por não seguir a regra do celibato, conseguiu ser nomeado abade e, em seguida, vigário geral. Nove anos depois, era consagrado bispo de Autun. Excomungado pele papa, participou de negociações internacionais como representante do rei Luís XVI e teve de se exilar nos Estados Unidos quando estourou a Revolução Francesa e ele, o rei, foi guilhotinado. Com a queda de Robespierre e o fim do Terror, retornou a França e, já no ano seguinte, era ministro das Relações Exteriores. Acusado de corrupção, perdeu o cargo, mas voltou a ser ministro com Napoleão, quando este obteve êxito no golpe de estado que comandara. Com extraordinário faro para antever para onde o vento político sopraria, demitiu-se, discordando, da avidez de Napoleão por conquistas e se aliou ao czar Alexandre I para organizar a oposição contra o Imperador e preparar a restauração dos Bourbon ao trono da França. Luís XVIII se tornou rei antes e, depois da derrota definitiva de Bonaparte em Waterloo, Talleyrand, mais uma vez, se tornou ministro das Relações Exteriores. Representou a França, uma nação derrotada na guerra, no Congresso de Viena de 1815, com a participação de Metternich e conseguiu tirar água de pedra: a França saiu do Congresso sem ceder territórios, como potência. Mais tarde, aliou-se aos liberais e participou afetivamente na ascensão ao trono, em 1830, do Rei-Cidadão, Luís Felipe. Nomeado embaixador da França em Londres, atuou na criação do reino da Bélgica e na criação da aliança entre a França, Reino Unido, Espanha e Inglaterra, em 1837.  Morreu no ano seguinte, com 84 anos e idade.
Talleyrand sempre obteve êxito (para seus opositores, vantagens) nos seus empreendimentos. Morreu, porque obteria alguma vantagem da morte, disse ironicamente, em outras palavras, o chanceler que não tinha como não reconhecer o seu talento.
Para Voltaire, mestre da ironia, os banqueiros sempre lucram nas suas atitudes, mesmo quando saltam pela janela. 
Voltaire morreu antes de Talleyrand surgir com o fulgor da sua inteligência, na vida política europeia, mas, certamente, não lhe dedicaria um poema épico como fez com o Rei Henrique IV.

Na declaração dos Direitos do Homem, esqueceram de incluir o direito a contradizer-se.
Assim disse o grande poeta Baudelaire, com carradas de razão.
Eu suspeito logo das pessoas que afirmam que não se arrependem de nada. Ora, até os deuses fizeram coisas erradas, como não se arrepender?... Como não se contradizer?...
Há outra frase, bem lúcida, que diz que não muda de ideia quem não tem ideia para mudar. Coisa de fanático não ter ideia para mudar.
Falando nos fanáticos, neste caso os esquerdistas, chegaram a deturpar as palavras do presidente Fernando Henrique, quando ele reviu alguns posicionamentos políticos e sociológicos seus que os agradavam. Ora, a Economia, a Política, a Sociologia não são ciências exatas., são ciências sociais, e se amoldam às mudanças da sociedade.
Mesmo vivendo no mundo da poesia, Baudelaire foi de uma lucidez ímpar quando escreveu sobre o direito do ser humano se contradizer.


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