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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4198 Data: 31 de
Maio de 2013
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89ª VISITA À MINHA CASA
2ª PARTE
-Antes de você se tornar a Hedy Lamarr,
já tinha feito outros filmes em língua alemã além do famosíssimo “Êxtase” de
que falamos?
-Ah, sim; iniciei a minha carreira de
atriz com 17 anos de idade, com Das Geld liegt auf der Strasse que, nos
Estados Unidos, se chamou Money on the Street.
-Com o seu aparecimento nas telas, os
diretores a disputaram a tapa, imagino.
-Por isso, talvez, no ano seguinte,
1931, foram quatro os filmes em que atuei: Die Frau von Lindenau, Die
Abenteuer des Herrn O.F., Man braucht kein Geld...
-Que nome este último filme recebeu na
América? - interrompi, aproveitando uma pausa.
-We need no money,
-Ainda falta um... - puxou pela memória.
Em seguida, seu rosto se iluminou com
essa pequena vitória sobre o esquecimento:
-Im Sturm Wasserglas, este foi
dirigido por Georg Jacoby Na verdade, dois desses filmes que citei
entraram em cartaz em 1932.
-Veio, então, o escandaloso “Êxtase”...
-Ekstase ou Symphonie der
Liebe também foi chamado de Eva. O diretor foi Gustav Machaty, como
esquecê-lo?... Ele queria que a cena do orgasmo parecesse verdadeira, para
tanto, atrás das câmeras alisava-se com um objeto afiado, sei lá o que era
aquilo.
E riu mais uma vez com essa
reminiscência.
-Você era, então, a Hedwig Eva Maria
Kiesler.
-Fiz por merecer o nome Eva. - brincou.
-Seus pais, já falamos sobre isso, eram
judeus.
-Sim; minha mãe, Gertrud, nasceu em Lichtwitz. Ela
pertencia a uma família burguesa e foi pianista em Budapeste.
-E o seu pai?
-Meu pai, Emil Kiesler era diretor de
banco.
-Com o seu cérebro privilegiado, você
procurou logo os livros?
-Eu tinha a vocação artística nas veias;
estudei balé e piano até os dez anos de idade.
-Na adolescência, conheceu o legendário
diretor de teatro, Max Reinhardt, que a considerou a mulher mais bela da
Europa. Mais tarde, Walt Disney se inspiraria em você para desenhar Branca de
Neve.
-Max Reinhardt era austríaco, como eu, de
Baden. Já era um artista consagrado quando me apresentei a ele em Berlim. Fez coisas
incríveis, como transformar um teatro em catedral ao encenar “O Milagre”.
Também foi prodigioso na montagem de “Sonho de uma noite de verão”, de
Shakespeare, que, anos depois, transformou em filme. Como era
lúcido, saiu do caldeirão fervente em que foi transformada a Europa pelos
nazistas e se estabeleceu nos Estados Unidos.
-Bem, você já tinha atraído a atenção
dos magnatas de Hollywood, como Hedwig Eva Maria Kiesler, então, quando fugiu
do seu marido e do fanatismo dos seus patrícios, não lhe foi difícil conseguir
emprego.
-Apareceu o Louis B. Mayer, como já
disse, com uma boa proposta, e lá fui eu para Hollywood com o nome de Hedy
Lamarr.
-As telas dos cinemas não esperaram
muito por você, pois em 1938, você já estreava com destaque no filme “Argélia”,
o parceiro era Charles Boyer.
-Era uma refilmagem do clássico francês
“Demônio da Argélia” protagonizado pelo Jean Gabin. - esclareceu.
-Quando a Segunda Guerra Mundial
estourou, você filmava com Robert Taylor “A Flor dos Trópicos”?
-Fiz mais de um filme em 1939 e não
posso, por isso, precisar em qual deles eu trabalhava quando a Alemanha invadiu
a Polônia.
-Tudo bem que esses filmes e os demais
em que você participou eram agradáveis, bons entretenimentos, mas você não se
sentia incomodada em estar trabalhado em algo muito aquém da sua capacidade
intelectual?
-De forma alguma, eu gostava de sentir a
minha beleza sendo apreciada, isto é, gostava de parecer estúpida.
-Depois que os Estados Unidos entraram
na guerra contra o nazismo, você se sentiu motivada a mostrar a sua criatividade
no ramo tecnológico?
-Nos almoços do meu primeiro marido com
a elite nazista, quando julgavam que eu era uma peça decorativa, eu absorvia as
conversas que envolviam mísseis e torpedos rádio-controlados. Percebi, então,
que as armas wireless, sem fio, ofereciam uma precisão bem mais
eficiente que as controladas, que eram as que prevaleciam na época.
-Falando nesse seu marido, judeu que
vendia armas a Hitler, o que aconteceu com ele depois que a Áustria foi
anexada? - interrompia-a com a minha curiosidade.
-Ele fugiu para o Brasil. Depois, se
estabeleceu na Argentina como conselheiro do presidente populista Juan Perón.
-Desculpe-me a interrupção.
Sorriu generosamente e prosseguiu:
-Em 1942, desenvolvi uma nova espécie de
sistema de comunicação em que mensagens codificadas não poderiam ser capturadas
pelo inimigo. Era um sistema que permitia que bombas e torpedos teleguiados
atingissem com pleno êxito o alvo.
Enquanto falava, eu me encantava ainda
mais com sua inteligência.
-O problema com que eu me deparava era
como sincronizar as mudanças de frequência entre transmissor e receptor de
maneira que inviabilizasse a sua descoberta pelo inimigo. Uma maneira de uma
mensagem codificada atravessar uma larga área de espectro sem fio.
-E, assim, despistar os radares
nazistas. Como você conseguiu?
-Quando conheci o primeiro
tecno-instrumentista do mundo, George Anthiel. A ideia surgiu quando ele tocava
piano e eu cantava.
-Como assim?
-Ele criava músicas complicadas. Numa
delas, ele sincronizou suas melodias através de doze pianos, produzindo um som
estereofônico jamais ouvido. Usei, então, a tecnologia de George Anthiel de
sincronização de pianos; assim, fui capaz de sincronizar as mudanças de
frequência entre o receptor das armas e seu transmissor.
-Não entendi muito bem...
-Era como se duas pessoas pudessem
conversar entre si mudando frequentemente o canal de comunicação, desde que o
fizessem simultaneamente,
-E depois desse invento?
-Eu e ele submetemos a ideia ao
Departamento de Guerra norte-americano, que o recusou em junho de 1941.
-Os Estados Unidos não estavam ainda em guerra.
- intervim.
-Em 1942, nós patenteamos o invento,
quando usei meu nome verdadeiro.
-Eles acharam muito complicado... -
deduzi.
-A sua concretização ocorreu em 1962,
quando passou a ser utilizados pelos militares americanos em Cuba, mas a
validade da patente já estava vencida.
-Você não ganhou, então, dinheiro com
isso?
-Não, ganhei com o cinema; 30 milhões de
dólares, que tratei de gastar enquanto viva.
-Bem, o cinema soube reconhecê-la. Você
foi para a Calçada da Fama.
-Fiquei grata com isso.
-Falamos do seu primeiro marido, mas
eles foram seis.
-Pule essa parte, por favor.
-Seu invento serviu de base para a
moderna tecnologia de comunicação. Você é considerada a mãe da tecnologia
celular.
-A beleza é temporária e a ciência é
para sempre.
Disse isso, esboçou um sorriso e se
desfez no ar.
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