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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4068 Data: 20 de novembro de 2012
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73ª VISITA À MINHA CASA
3ª
PARTE
-Houve o divórcio da Rita Hayworth e
você, Orson Welles, continuou mal visto pela indústria de Hollywood, como
diretor.
-Aceitavam-me ainda como ator. Em 1948,
eu atuei no filme O Terceiro Homem dirigido por Oliver Reed, com
direito a acrescentar alguma coisa na criação. Atuei no papel do cínico Harry
Lime.
-O filme é para se rever e a sua frase
se destacou: “A Itália viveu 30 anos sob os Bórgias e tiveram guerras, terror,
assassinatos e derramamento de sangue, mas nos deram Michelangelo, Da Vinci, a Renascença.
Na Suíça, eles têm amor fraterno e 500 anos de democracia e paz, e o que mais
produziram: o relógio cuco.”
-Rodei, como diretor, Othelo, porém,
tive de contar com a compreensão de todos os participantes, pois o dinheiro era
escasso e, por isso, a filmagem durou anos, de 1949 a 1952.
-Mas com o seu filme, exibido na
Festival de Cannes, você obteve a Palma de Ouro.
-Os europeus, quando vão ao cinema, não
visam apenas o entretenimento, como os americanos, eles são mais receptivos à arte.
- comparou.
-Você atuou em alguns filmes medíocres,
depois, até que dirigiu Monsieur Arkadin.
-O produtor francês Louis Doliver me
admirava e quando o roteiro lhe chegou às mãos, conseguiu convencer o estúdio
Filmrosa a financiar o meu projeto.
-Assisti a essa criação, no cinema, em
1985, na homenagem pela sua morte, como já me referi. O título era Monsieur
Arkadin, depois, mudaram aqui, no Brasil, para Grilhões do Passado.
-Fiz seis programas para a BBC TV em que
havia ilustrações com desenhos meus. Para a televisão, atuei em Moby Dick , mas não no
papel da baleia. Dei início a filmagem
de Don Quixote, que foi mais um dos meus filmes inacabados.
-Reza a lenda que o ator Charlton
Heston, sucesso assegurado de bilheteria, sonhava em atuar sob a sua direção.
Assim, abordou o chefão da Universal, em 1957, para que financiasse um filme.
-E eu filmei Touch of Evil,
-Aqui, no Brasil, chamou-se A Marca
da Maldade.
-Quem pensou que eu me enquadraria aos
padrões de Hollywood, enganou-se rotundamente.
-As tomadas de câmera no início de Touch
of Evil, deixaram os estudiosos de cinema babando de admiração. -
assinalei.
-Charlton Heston atuou no papel do
policial Vargas.
Tirei um livro da estante e disse:
-Eis o que um cinéfilo escreveu sobre A
Marca da Maldade.
E li:
-”Neste filme, as imagens desse mago da
luz e da sombra, chamado Russel Mety, mergulham a objetiva na fronteira
maniqueísta que Welles borrou mais do que ninguém, e esculpe imagens
inesquecíveis e metafóricas da corrupção institucionalizada que macula o painel
da querida América. O filme, terminado, leva os produtores àquela exasperação,
desprezo e baixa autoestima que sentem os autores de crimes passionais. E como
estrangular Welles é inútil, passam horas à frente da moviola tentando salvar o
filme, isto é, a imagem da América. Tarefa impossível: como o material não o
permite, só resta lançar o filme. A maioria silenciosa exige que, no mínimo,
Welles sirva de alimento aos tubarões; e assim foi feito: ele jamais voltaria a
dirigir em Hollywood.”
A sua expressão era enigmática, enquanto
eu lia, quando terminei fiz-lhe a pergunta:
-E o que fez em seguida.
-Além de papéis em filmes, um deles do
meu grande amigo John Houston, rodado na África, trabalhei na televisão. Na
Itália, eu até aceitei realizar um filme sobre a Gina Lolobrigida para a
televisão, com entrevistas, fotos e desenhos de Steinberg. Eu precisava de
dinheiro para retomar as filmagens do meu Dom Quixote.
-Em 1962, você mergulhou no absurdo
kafkiano.
-Surgiu, então, a oportunidade de eu
dirigir O Processo.
-E o produtor?
-O mesmo de Touch of Evil, Albert
Zugsmith, por isso, penso que o rapaz do texto que você leu exagerou um pouco.
E prosseguiu:
-Kafka é um dos meus autores preferidos.
Trabalhei dia e noite no roteiro e guardei para mim o papel de advogado.
-Onde ocorreu a filmagem, Welles?
-Em Paris e Zagreb, de março a junho de
1962.
-O romance de Franz Kafka era uma mina
de ouro para você explorar.
-Foi uma espécie de palco onde pude
expressar a repulsa que me causava um mundo em que se é executado sem se saber
de que culpa o Estado o acusa.
-Um mundo que não terá culpados
suficientes para justificar os tentáculos da justiça e toda a engrenagem
burocrática que os mantém em movimento. Resumindo : Kafka denunciou a
desumanização do homem pela burocracia.
-A crítica gostou da fita. - resumiu.
-O público não poderia entender como
alguém, no caso Joseph K., foi condenado por um crime que não sabe qual é. A
crítica, no entanto, gostou dos recursos expressionistas e, em quase sua
totalidade, aplaudiu. Era impossível, até então, para todos, que alguém
transpusesse para o cinema o universo de Franz Kafka.
-Devemos tudo a Max Brod, amigo do
escritor, que não lançou ao fogo os seus papéis, conforme pedido dele no leito
de morte.
-Lembra-se dos participantes do filme?
-O cenário e os diálogos eram da minha
lavra. A fotografia coube a Edmond Richard. Anthony Perkins viveu o papel de
Joseph K. e eu, como já foi dito, de advogado. Atuaram Jeanne Moreau, Madeleine
Robinson, Elza Martinelli, Romy Schneider, Suzane Flon, Akim Tamiroff, Arnold
Foa, Fernand Ledoux, Katina Paxinou.
-Os anos se seguiram e você continuou a
trabalhar como ator, como em Gente Muito Importante , As Aventuras de
Marco Polo...
-Em 1966, dirigi e fiz o roteiro do Falstaff,
baseado na peça de Shakespeare. A filmagem ocorreu na Espanha.
-Infelizmente, não colocaram na mostra
dos seus filmes a que me referi, em 1985.
-E continuei com o cinema na mente;
realizei filmes curtos, inacabados, para a televisão. Levava a minha equipe por
toda Europa Yugoslávia, Dalmácia...
-Em 1976, em cerimônia que contou com
Joseph Cotten, Charlton Heston, Ingrid Bergman, Janet Leigh, Frank Sinatra e
mais de 1000 pessoas, você recebeu o Grande Prêmio do “American Film
Institute”, distinção só outorgada ao diretor John Ford e ao ator James Cagney.
-Recordo-me bem.
-Em 1983, você recebeu o prêmio “Luchino
Visconti” pela sua contribuição à evolução da linguagem do cinema.
-Dois anos antes da minha morte.
-Você se sentiu recompensado?
-Prefiro estar filmando a fazer qualquer
outra coisa. Fico estonteado com meu amor ao cinema. Não em relação aos filmes,
que nem gosto de ver. Eu adoro mesmo é fazer filmes.
E com essas palavras, volatizou-se à
minha frente.
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