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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4067 Data: 19 de novembro de 2012
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73ª VISITA À MINHA CASA
2ª PARTE
-Conhecido em todos os Estados Unidos
depois de criar mais um ilusionismo, a invasão da terra pelos marcianos...
-O que eu fazia desde os 4 anos de
idade.- interrompeu-me.
-Famoso, Hollywood o procurou e foi
celebrado um contrato sem precedentes: o direito de fazer um filme por ano e de
escolher assuntos, técnicos e elenco; 150 mil dólares de adiantamento, garantia
de 25% da receita bruta e de total independência para trabalhar. Surgiu, assim,
O Cidadão Kane. - entusiasmei-me.
-Falar desse filme me tomará muito tempo
e eu não tenho toda a eternidade. - disse, enquanto expressava ironia no rosto.
-Deixe-me apenas ler o trecho de um
estudioso de cinema.
Saquei um livro da estante, e li:
-Cidadão Kane é, de longe, o
filme mais dissecado da história do cinema. Incontáveis ensaios escritos a seu
respeito inibem qualquer pretensão de abordá-lo com originalidade, só restando
repetir o que já foi dito: sua estrutura elíptica aliada à atmosfera barroca, à
montagem enxuta e à descoberta de que os objetivos existentes na época poderiam
proporcionar a profundidade de campo, até então nunca vista, fizeram de Kane
o filme mais perturbador de todos os tempos.
-Porque foi realizada uma obra de arte,
o faturamento não foi elevado, e você não enriqueceu com os 25% da receita.
-Não penso em meu trabalho nestes
termos. É tão reles trabalhar com o interesse de prosperidade quanto trabalhar
com a cobiça do dinheiro.
-Em seguida, você escreve o roteiro de Soberba,
baseado no romance de Booth Tarkington, e parte para a filmagem.
-Consegui uma boa equipe. A música esta
a cargo de Bernard Herrmann. Houve algum compositor de cinema que o superasse?
Era uma pergunta retórica, pois
prosseguiu sem tomar fôlego:
-Fotografia de Stanley Cortez, montagem
de Robert Wise. Intérpretes: Joseph Cotten, Anne Baxter, Agnes Morehead, Tim Holt, Everett Sloane, Dolores
Costelo.
-E filmou quilômetros de fotogramas.
-Faltava apenas fazer a montagem, quando
fui convocado, naquele tempo de guerra, a realizar um filme no Brasil.
-Tratava-se da política de Boa Vizinhança
do presidente Roosevelt. -disse.
-Vim para realizar It´s All True, “É Tudo Verdade”.
Participei até de uma reunião com o presidente Getúlio Vargas.
-Sei que a sua intenção era só
artística, e não política, quando veio ao Brasil.
-Meu projeto para o filme constava de
três episódios: a história do samba, rodado no Rio de Janeiro; a religiosidade
do povo, rodado na Semana Santa, em Ouro Preto ; e a saga dos jangadeiros, rodado do
norte até o Rio de Janeiro, com a viagem do Jacaré.
-Você, na época, namorava a atriz Rita
Moreno, que permaneceu nos Estados Unidos. Ela lhe comunicou de lá que o
compromisso estava desfeito.
-Fiquei furioso; quebrei o que estava
por perto no meu quarto do Copacabana Palace e atirei peças do mobiliário pela
janela, que caíram na piscina.
-Você não repetia a reação do Cidadão
Kane, quando foi abandonado pela Susan Alexander?
-Eu não estava só furioso, também estava
bêbado.
-Você filmou Grande Otelo, Herivelto
Martins, os sambistas e as favelas, além da morte do Jacaré, tragado pelas
ondas do mar, depois de apresentar as reivindicações dos jangadeiros ao governo
getulista. Há quem diga que, nas filmagens do “É Tudo Verdade” se encontra o
neorrealismo que os italianos fariam em seguida, no entanto, a RKO relegou três
meses de trabalho à poeira dos arquivos; o filme não chegou às telas.
-Filmei favelas, gente pobre e isso não
agradou o Departamento de Imprensa e Propaganda do governo brasileiro, que
protestou, queria que eu mostrasse um Brasil cor de rosa, como se eu fosse um
artista engajado.
-Ao mesmo tempo, Orson Welles, saíram os
seus amigos da direção da RKO e entrou gente que só via cifrões no horizonte e,
consequentemente, nutriam hostilidade por você.
-Eles não esperaram a minha volta para a
montagem da Soberba, e fizeram uma lambança.
-Cortaram mais de meia hora de fita, o
seu filme foi estupidamente mutilado.
Transformaram uma grande obra em mediana.
-1942 não foi um bom ano para mim: a RKO
rompeu o contrato comigo; Soberba foi estragado, e It´is All True
foi relegado aos ratos dos porões de Hollywood. Parecia que faziam guerra
também a mim.
-A partir de então subiram as barreiras
para impedir que você voltasse a direção de uma película.
-Atuei como ator, no filme Jane Eyre,
no ano seguinte, 1943, escrevi artigos nos jornais, e me casei com Rita
Hayworth.
-Mas ainda era repelido pela indústria
cinematográfica.
-Sim, a RKO havia denunciado o meu
contrato com tamanho escândalo, que eu reagi, com isso, sofri por anos uma
espécie de assédio moral. Sempre que ia procurava um produtor, eles me diziam
que eu era um homem de teatro, que lá era o meu lugar.
-E você amava o cinema.
-A partir de certo instante de minha
vida apaixonei-me irremediavelmente pelo cinema; e jamais consegui vencer essa
paixão.
-Em 1946, o produtor Sam Spiegel o
chamou para dirigir e escrever um roteiro com John Houston e Anthony Veiller
baseado em uma novela de Victor Trivas, e surgiu O Estranho.
-Não foi êxito de bilheteria, além de
não se encontrar entre as melhores coisas que fiz.
-Reza a lenda que, no ano seguinte,
1947, passando por uma cabina telefônica, você resolveu ligar para Harry Cohn,
o todo-poderoso, inventando que tinha um projeto barato, 50 mil dólares, com
sucesso de público garantido. Para sua surpresa, ele aceitou, surpreendendo-o,
e perguntou qual seria a história. Você pegou, então, uma revista policial
esquecida na cabine e leu o título: “A Dama de Xangai”, uma novela de Sherwood
King.
-Não foi exatamente isso; o fato de a minha
esposa, Rita Hayworth representar a protagonista foi fundamental para eles
investirem na minha ideia.
-Nessa mesma época, você se entrevistou
com Charles Chaplin, contou-lhe a história de “Monsieur Verdoux”, que não podia
colocar em celulóides por falta de produtores, ele fez o filme e omitiu seu
nome.
-É verdade, entrei com um processo
contra ele, venci, e o Monsieur Verdoux vai às telas com os
dizeres: “baseado numa ideia de Orson Welles.” Quase cometi pecado parecido,
retirei o nome do. Herman J. Mankiewicz, que escreveu o roteiro do Cidadão Kane
comigo, porque vivia bêbado, mas voltei atrás, pois sem as valiosas informações
que ele me dera eu não poderia ir muito adiante.
-Mas falemos de A Dama de Xangai,
Welles, é uma obra-prima do “film noir.”
-Mostrei a maior diva de Hollywood, na
época, com o personagem Elsa Bannister, de cabelo curto,
manipulando as pessoas, enredando-se num jogo de aparências e dissimulações,
com o objetivo de aumentar sua conta bancária; matando, se necessário fosse.
Ora, os produtores de Hollywood ficaram de cabelo em pé, porque a Rita Hayworth
não estava destinada a representar vilãs, o que deslustraria a sua imagem.
-A cena final dos espelhos, no bairro
chinês, é um achado de gênio. - vibrei.
-A Dama de Xangai não me ajudou muito,
porque fui de encontro às razões mercadológicas dos barões de Hollywood. -
declarou Orson Welles.
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