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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4062 Data: 12 de novembro de 2012
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72ª VISITA À MINHA CASA
2ª PARTE
-Seus livros Cartas Filosóficas e Cartas sobre os ingleses
desagradaram os poderosos da França e foram censurados, Voltaire.
-Tive de buscar refúgio no Castelo de
Cirey. Lá, procurei abordar de uma maneira nova as tragédias. Assim, surgiram Zaire,
A morte de César e Mérope.
Apesar das perseguições, você foi
admitido na Academia Francesa.
-Isso aconteceu em 1746, quando eu
estava com 52 anos de idade. Eles gostavam mais da minha poesia.
-Depois, você recebeu um convite do rei
da Prússia Frederico II, o Grande, que queria beber a sua sabedoria, para
trabalhar com ele.
-Nós já nos correspondíamos por carta há
algum tempo. Aceitei o convite e fui viver na corte de Potsdam
-Ele era um dos chamados Déspotas
Esclarecidos, como Catarina da Rússia.
-Frederico II era apaixonado pelas
artes, em geral, e pela filosofia francesa. Foi chamado de o rei filósofo, sem
deixar de ser militar; foi ele que tornou a Prússia poderosa, unificando-a. -
lembrou Voltaire.
-Era apaixonado pela música. Tocava flauta
tão bem, que os cortesões diziam a verdade, quando o elogiavam. Deixou sonatas
e concertos para esse instrumento que não desagradam os ouvidos.
-Frederico II se entrevistou muitas
vezes com os filhos de Bach e com o próprio patriarca. - acrescentou.
-Lá, você pôde trabalhar?
-Escrevi o conto filosófico Zadig, O
século de Luís XIV e Micrômegas.
E acrecentou:
-Mas a paz não durou muito, eu e
Frederico II nos desentendemos, e mudei-me para Genebra.
-Mas sempre criando, Voltaire.
-Em Genebra, deixei os católicos irados
com A donzela de Orleans, e também os protestantes com Ensaio sobre
oscostumes. Lá, critiquei também as ideias de Rousseau.
-Você tinha lido O bom selvagem, em que Jean-Jacques Rousseau afirma que o homem é bom, por natureza,
nasceu livre e que sua maldade provém da sociedade...
Depois da leitura desse livro, eu disse
que já estava muito velho para voltar a andar de quatro.
-Você criou o conto filosófico e o mais
célebre é Cândido, em que critica, principalmente, o pensamento do
filósofo alemão Leibniz e dos seus continuadores no personagem Professor
Pangloss.
-Essa história de que vivemos no melhor
dos mundos... O terremoto de Lisboa, para não citar os males suscitados pelo
homem, demonstrou que não é bem assim.
-Não podemos negar o brilhantismo de
Leibniz que, sendo também matemático, inventou o cálculo diferencial sem
conhecer o trabalho de Newton nessa matéria. - ponderei.
-No concerto dos gênios de todos os
tempos, Isaac Newton é o regente. - declarou Voltaire.
-Você também nutria uma grande admiração
por Virgílio.
-A uma madame que me pediu conselhos
sobre as melhores poesia para serem lidas, sugeri que aprendesse latim para ler
Virgílio. Há muitos bons poetas com ótimas poesias, mas Virgílio paira sobre
todos.
-Não foi à toa que Virgílio guiou Dante
até a porta do paraíso na Comédia Humana. - assinalei.
-Uns 1500 anos depois de morto, Virgílio
ainda influenciou marcantemente Camões, quando ele escreveu Os Lusíadas.
- frisou.
-Com os contos filosóficos, você
recrudesceu ainda mais a sua oposição ao que havia de errado, sem perder nunca
a sua espirituosidade.
-Em Jeannot e Colin, ataquei os
aproveitadores; em O ingênuo, os abusos políticos; em O homem de
quarenta escudos, a corrupção e a desigualdade das riquezas.
-Você, Voltaire, colocou à mostra as
vísceras da deficiência jurídica r do fanatismo religioso em mais um livro Tratado
sobre a tolerância.
-Em
Tratado sobre a tolerância, eu celebro o triunfo da razão.
-No ano seguinte, 1764, veio o
Dicionário Filosófico.
-Isso mesmo. - confirmou.
-Dei boas gargalhadas ao lê-lo, pena que
chegou às minhas mãos, através de um sebão, incompleto.
-Havia alguns homens de sabedoria em
França, naquela época, poucos, é verdade, mas que eu lia, apesar de o meu tempo
ser quase todo tomado pela escrita,
-Voltaire, mesmo privando, por algum
tempo, da intimidade de reis, como Frederico II, você manuscreveu que não
importava a estatura de um monarca, ele deveria, antes de punir um servo,
submetê-lo a todos os procedimentos legais, e, se for o caso, executar a pena.
E mais: se um príncipe punisse e regesse de acordo com o seu bem-estar, seria
um salteador de estradas a quem tratam de Sua Majestade.
-Isso mesmo, e o que falei dos monarcas
vale para aqueles de detém ou detiveram o poder.
Ouvi essas palavras, pensei no Brasil,
mas não explorei esse tema.
-Voltaire, você foi escritor, ensaísta,
filósofo, poeta, dramaturgo, polemista.
-Parece que fui muitos. - disse com
modéstia.
-As suas ideias influenciaram os pais da
independência dos Estados Unidos, em 1776, e os líderes da Revolução Francesa,
em 1789.
-Morri dois anos depois da independência
americana e fui amigo de Benjamin Franklin, quando ele era embaixador dos
Estados Unidos na França.
-Na Revolução Francesa, você já estava
morto. Suas reflexões e de outros filósofos iluministas a provocaram; caíram a
monarquia absolutista e os privilégios clerical, mas depois a revolução se
desvirtuou; houve muito fanatismo, que você
tanto combateu. Mas isso é outra história.
-Dois meses antes da minha morte,
iniciei-me na maçonaria. A cerimônia foi muito concorrida na Loja Les Neuf
Soeurs, em Paris.
Entrei no Templo com o apoio do braço de Benjamin Franklin.
Participaram da cerimônia 250 irmãos sob a presidência do Venerável Mestre Lalande. Eu portava o
avental de Helvetius, que me fora cedido pela viúva dele para essa ocasião.
-Você recebeu muitas homenagens em 1778,
ano da sua morte.
-Sim, eu fui festejado, em Paris, pela
Academia e pela Comédie-Française, quando inauguraram meu busto. Mas o que me
importava mesmo era que os meus pensamentos se tornassem realidade.
-Em maio de 1778, você morreu. A sua
família diligenciou que o seu enterro ocorresse na abadia de Scellieres, e o
prior rapidamente consentiu. Mas o bispo de Troyes enviou uma nota proibindo as
exéquias em terras sagradas, então o prior respondeu que a ordem chegara
atrasado, pois você já tinha sido enterrado.
-Minha hostilidade ao clero, minha
entrada para a maçonaria...
-Com a Revolução Francesa, os seus
restos mortais foram transportados em triunfo ao Panteão de Paris, onde era a
Igreja de Santa Genoveva, dedicado aos grandes filhos da mãe Pátria. Do lado
oposto ao seu túmulo, encontra-se a cripta de Jean-Jacques Rousseau.
Era um dos seus desafetos, mas ele se
mostrou indiferente.
-E a minha imensa obra que se encontrava
espalhada não só pela França, como por outros países? - crispou o rosto de preocupação.
-Beaumarchais, que criou para teatro
obras-primas, como as peças sobre o “Barbeiro de Sevilha”, além de se dedicar a
tudo, inclusive contrabando de armas para a independência dos Estados Unidos,
tornou-se editor de livros e reuniu
quase toda a sua obra, publicando-a em seguida.
-Eu disse para Beaumarchais que ele não
seria tão bom autor quanto Molière porque gostava demais de viver.
-Viver a agitação das ruas. -
acrescentei.
-Escrever é uma espécie de sacerdócio.
-Voltaire, pelos seus pensamentos,
transcritos em dezenas de milhares de páginas, o século XVIII foi chamado de “O
século de Voltaire”.
Não sei se ouviu as minhas palavras
quando se desvaneceu no éter.
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