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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4055 Data: 02 de
novembro de 2012
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SABADOIDO DE CONTRADITÓRIOS
3ª PARTE
-Eu quero fazer uma pergunta sobre os
âncoras da TV aberta...
Luca não pôde prosseguir porque espocou
uma celeuma entre meus dois irmãos sobre canais de TV a cabo e aberta, sobre TV
Recorde e a Bandeirante. Como aquilo já se prolongava, interferi com o penacho
de irmão mais velho.
-Deixa o Luca perguntar.
Ele se preparou para abrir a boca, mas
um comentário do Lopo sobre canais a cabo que ele vê na TV aberta, reacendeu a
polêmica.
-Vamos ouvir o Luca. - pedi, enquanto o
Vagner ria da situação,
Transcorridos cinco minutos, enfim, a
pergunta foi feita.
-Alguém viu algum âncora, na televisão,
comentar as decisões do Mensalão?
E acrescentou enfaticamente:
-Eu não vi um.
-O Bóris Casoy. - respondeu meu irmão
mais novo.
-Sim, disse que é preciso passar o
Brasil a limpo. - confirmou o Claudio.
-Boechat, William Bonner, Paulo Henrique
Amorim e outros, eu não vi emitindo considerações sobre o mensalão. - repetiu o
Luca, que, antes, informou que faz tempo que não assiste aos programas em que o
Boris Casoy atua como âncora.
-Nos jornais, tenho lido textos e mais
textos com pareceres sobre o mensalão. - manifestei-me.
-Quanto à imprensa escrita, perfeito, as
opiniões são dadas. - disse o Luca.
-Como eu não tenho paciência para
assistir a horas de julgamento diariamente, eu mudo de canal porque sei que, no
dia seguinte, o Merval Pereira, no Globo, tocará nos pontos principais do que
foi julgado e os analisará.
-Não é só o Merval Pereira, há muitos
outros se manifestando sobre o mensalão. - interveio o Claudio.
-Sim, mas o Merval Pereira tem sido,
para mim, brilhante. - frisei.
-Tem de colocar toda essa gente na
cadeia. - explodiu o Cláudio com a rápida concordância do Lopo.
Tomei a palavra.
-Houve agora um apagão no norte-nordeste
e, ontem, eu assisti ao Jornal Nacional. Entrevistado, o responsável por um
restaurante disse que mais de trinta pessoas aproveitaram a escuridão para sair
sem pagar.
-Ora...Ora...Ora...- disse o Vagner com
risos de cúmplice.
-Carlinhos, os restaurantes não são
confiáveis quando preparam as comidas. - justificou o Claudio dentro do clima
galhofeiro criado pelo Vagner.
Retomei a palavra.
-Evidentemente que não foi só naquele
restaurante que aconteceu isso. No Brasil, a desonestidade está entranhada na
nossa cultura, e será difícil reverter isso.
-Rui Barbosa já dizia: “De tanto ver
agigantar-se o poder na mão dos maus etc,etc,etc, o homem chega a ter vergonha
de ser honesto.”
Com a citação do Luca, ainda que
incompleta, o clima do Sabadoido se tornou sério. Claudio contou, então, casos
em que ele devolveu quantias que poderia guardar para si, sem que nada o
incriminasse. Nessa toada, Luca contou um caso que aconteceu com ele, quando
era muito jovem e trabalhava para um judeu que se tornaria seu amigo.
-Eu era encarregado de pegar no banco os
1500 cruzeiros com que o judeu pagava seus empregados. Certa vez, cheguei do
banco e, quando abri a pasta, não encontrei um centavo.
Nesse momento, Luca reproduziu a reação
dele e do dono do dinheiro.
-Você perdeu?
-Não.
-Você foi roubado?
-Não.
-Você esqueceu de pegar o dinheiro?
-Não.
-Então- prosseguiu o Luca – ele removeu
a mesa, os móveis, perscrutando toda a sala. Voltou com as perguntas, e depois
das minhas negativas, ele sacou 1 500 cruzeiros e pagou todos os funcionários.
Luca notou que prendera a atenção de
todos, o que lhe dava a oportunidade de ora acelerar, de ora ralentar as frases
da sua fala.
-Ele me disse, depois, umas coisas que
me colocavam sob suspeita, reagi com a voz alterada. O que sou hoje, eu era
quando garoto. Disse ao judeu que ele teria os 1500 cruzeiros. Em casa, pedi à
minha mãe para colocar as joias no prego. Antes de ela levantar o dinheiro, o
judeu me chamou para ir ao banco com ele. Logo que entramos, um senhor, que era
um dos caixas, veio em minha direção. “Eu estava lhe esperando mesmo. Você
deixou cair os 1500 cruzeiros que havia sacado; quando eu vi, você já tinha ido
embora”.
E concluiu o Luca:
-Nunca esquecerei o nome dele: Juraci.
-Há ainda homens honestos no Brasil.-
concordamos todos.
Nesse instante, sons vindos de fora
interromperam a sessão do Sabadoido. Imaginei que fossem os sedentos da árvore
pedindo mais água, mas eram a Gina e o Daniel que voltavam das compras.
Depois das saudações habituais, das
palavras sobre amenidades, reiniciou-se o Sabadoido, se é que podemos retirar
as saudações e as amenidades das atas das
sessões de sábado.
Uma chacota do Claudio com bruxas,
aproveitando o dia delas, em 31 de outubro, reportou-nos à Alceia e à Memeia
dos gibis da Luluzinha.
-Memeia era a tia da Alceia. - disse o
Luca.
Concordei imediatamente. Claudio, porém,
foi tão enfático na discordância que se ergueu da cadeira. Lopo se manifestou
também:
-O Claudio está certo: Alceia é a tia, e
Memeia a sobrinha.
Enquanto o Vagner se abstinha, Luca
recorria à memória invejável da Gina.
-Não tenho certeza de quem era tia e de
quem era sobrinha. - disse ela.
Luca convocou, então, o Daniel para
dirimir a dúvida no Google.
-Eu voto com o relator. - usei as
querelas do mensalão como referência, mas não pude verbalizar que estavam
Joaquim Barbosa e Luiz Fux de um lado e Ricardo Lewandowski e Antônio Dias
Toffoli do outro, porque todas as atenções se voltaram para o Daniel, que
empunhava seu celular.
-Você vai ver pelo celular? -
expressou-se com ceticismo o Luca.
-Você não sabe do que esse celular é
capaz. - disse meu sobrinho com seu jeito travesso.
Depois de digitar algumas teclas,
perguntou:
-Quem disse que Alceia é a tia da
Memeia?
-Lopo e Claudio.
-Acertaram. - deu meia volta e retornou
para dentro de casa.
-Eu li toda a coleção encadernada de
Bolinha e Luluzinha do papai. - manifestou-se o Lopo.
-Eu imaginava a Memeia como tia. - deu o
Luca a mão à palmatória e eu também.
-A Luluzinha contava as histórias das
bruxas para o Alvinho. - mostrou o Lopo mais conhecimento sobre o gibi da nossa
infância.
Quando o Sabadoido se aproximava do seu
desfecho, Claudio entoou o trecho de um dos mais populares frevos
pernambucanos, o entusiasmo efervesceu o Luca, que por pouco não dançava como
os componentes do Vassourinhas de Olinda. Em seguida, Claudio desafiou a todos
a adivinhar o compositor da música nordestina que ele ia pôr para tocar.
Ele sempre faz isso para retardar a
nossa saída. - disse comigo mesmo enquanto me encaminhava para a cozinha onde
estavam minha pochete e sacolas de compra. Quando voltei, Luca reclamava:
-Claudiomiro, ninguém conhece esta
música. Coloque alguma coisa que tenha feito sucesso.
-Quem é o compositor? - insistiu.
Luca prosseguiu reclamando, e meu irmão
a pedir o nome do autor daquela musiquinha chata.
Saímos de lá, eu, Luca, Lopo e Vagner,
temendo que, no próximo Sabadoido, ele repita aquilo e nos sabatine sobre o nome
do “bendito” compositor.
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