---------------------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4056 Data: 03 de
novembro de 2012
---------------------------------------------------------------------------
76ª VISITA À MINHA CASA
Como o meu pai me apresentou à música
de Verdi quando eu era adolescente, não houve muita formalidade entre nós ao
recebê-lo em minha casa.
-Verdi, você perdeu a mulher,
Margherita Barezzi, e os dois filhos, ao mesmo tempo em que a sua segunda ópera,
Un Giorno di Regno, fracassava.
-Foi o pior momento dos meus 88 anos de
vida; pensei em abandonar a música.
-Um filósofo do século XIX, cujos
pensamentos perduram até hoje, Nietzsche, disse que o que não nos mata, nos
fortalece. Ele também disse que o mundo sem a música seria um erro.
Eu tinha assinado um contrato com
Bartolomeo Merelli, empresário do Teatro Alla Scala de Milão, de compor duas
óperas depois da minha estreia com Oberto.
-E a sua terceira ópera seria Nabucco.
-Fiquei arrasado com a perda da minha
mulher, que tinha 27 anos de idade e ia largar tudo, como disse, mas o
empresário do Scalla me convenceu a compor.
-Reza a lenda, Verdi, que ao ler o
libreto e se deparar com os versos dos hebreus cativos na Babilônia, logo lhe
veio à mente as notas musicais do “Va Pensiero”.
-Eu perdi filhos e esposa, mas senti
que a minha inspiração de compositor permanecia viva.
-No Brasil, “Va Pensiero” se tornou
popular por causa do presidente do Partido Liberal, Álvaro Vale, que falava
sempre na televisão com o coro dos escravos hebreus cativos na Babilônia.
-Como a Itália estava desmembrada em
1842, quando Nabucco estreou, o “Va Pensiero” se tornou, para os italianos, um
hino nacional, praticamente.
-As suas óperas eram politizadas pelos adeptos do Risorgimento.
-Até o meu nome!... Em Nápoles,
escrevia-se nos muros “Viva V.E.R.D.I., com o meu nome sendo usado como um
acrônimo: Viva Vittorio Emanuele Re D'Italia. Ele reinava na
Sardenha, mas o povo italiano o queria reinando sobre a Itália unificada, com a
expulsão dos invasores austríacos, principalmente. Viva V.E.R.D.I. começou em Nápoles, e se espalhou por todo o
país.
-Verdi, você ressurgiu com Nabucco,
conhecendo o sucesso popular e o soprano Giuseppina Strepponi.
-Ela já não tinha a voz dos seus áureos
tempos, mas eu não a vi só como artista.
-Vocês deram início a um romance e em
seguida passaram a viver juntos. Essa coabitação provocou, para muitos, um
escândalo.
-Veja bem: eu era viúvo de Margherita
Barezzi e o pai dela, Antonio Barezzi,
impulsionou extraordinariamente a minha carreira, enviando-me da cidade
de Busseto a Milão, para estudar composição.
-A sua gratidão por Antonio Baressi era
compreensível; você precisava de apoio financeiro e ele o deu.
-Depois das aulas de contraponto e da
minha apresentação ao mundo musical milanês, retornei a Busseto. Lá, Barezzi me
contratou como professor da sua filha, apaixonamo-nos e casamos em 4 de maio de
1836, quando eu tinha 22 anos e Margherita também. Como genro, Antonio
Barezzi me auxiliou financeiramente mais ainda e me enviou com a filha para
Milão, onde eu entraria no mundo das óperas.
-Você tentou se matricular no
Conservatório de Milão, mas foi reprovado nas provas.
-Foi um chamado à realidade: eu tinha
ainda muito que aprender.
-E aprendeu tanto que o Conservatório
de Milão passou a se chamar “Osservatorio Giuseppe Verdi”. - observei.
-Antonio Barezzi me concedeu tantos
favores, que eu me sentia tolhido em casar com outra mulher depois da morte da
sua filha.
-Mas você se casou com Giuseppina Strepponi.
-Casamo-nos em Collonges-sous-Salève,
perto de Genebra, numa cerimônia discretíssima, em 1859.
-Você já estava viúvo há 19 anos.
-Ainda assim, justifiquei-me, antes de
casar, com o meu patrono e, mais ainda, amigo, Antonio Barezzi.
-Verdi, houve quem o criticasse pela
expressão musical diatônica em vez de cromática.
-Ah, os críticos... - sorriu, mas sem
demonstrar desdém.
-No seu Otello, principalmente, há
muito cromatismo.
-E alguns reclamaram de eu sofrer
influência wagneriana.
-Criaram, na época, uma rivalidade
excludente: Verdi e Wagner no universo operístico. Hoje, os aficionados da
ópera lotam os teatros com as suas óperas suas e as de Wagner.
-Isso me alegra.
-Aqui entre nós, os seus admiradores
são mais sinceros, os de Wagner, uma parte, exibe pose de intelectual.
-Na vida terrena, eu e Wagner não nos
conhecemos pessoalmente.
-Você disse que Wagner sempre escolhia,
desnecessariamente, o caminho não trilhado, na tentativa de fazer com que as
pessoas alcançassem os melhores resultados.
-Sim.
-Por outro lado, Wagner, depois de
ouvir o seu Réquiem comentou: “É melhor não dizer nada.”
-O meu Réquiem estreou na Catedral de
Milão, em 1874.
-Hans von Bulow, que era o maestro
preferido de Wagner para reger as óperas dele, declarou, de modo depreciativo,
que se se tratava de um Réquiem operístico, quase uma ópera italiana. Depois
que a sua mulher, Cosima, a filha de Liszt, o abandonou com os filhos para
viver com Wagner, o maestro reformulou, então, muitos pareceres ditos sobre a
influência wagneriana. - tagarelei.
-Eu me orgulho do meu Réquiem.
-Muitos musicólogos, Verdi, o colocam
acima do Réquiem de Mozart.
-Não vamos esquecer que Mozart o compôs
até a Lacrimosa, depois, a sua viúva entregou os apontamentos para a
parte restante da composição ao melhor discípulo do marido, Sussmayr, que
terminou o que faltava. - lembrou Verdi.
-Na verdade, você, Verdi, foi um homem
generoso, enquanto Wagner era uma pessoa difícil com caráter duvidoso.
Percebi que essa comparação desagradava
o compositor de Otello, pelo seu semblante, enveredei o diálogo para a
biografia do meu visitante.
-Verdi, você foi ajudado por Antonio
Barezzi porque seus pais eram pobres?
-Meu pai era dono de uma osteria, em
Roncole.
-Osteria?... - expressei minha
ignorância.
-É o mesmo que taverna. Lá, comecei a
me exercitar com uma rudimentar espineta. Carlo Verdi e Luísa Utini, meus pais,
diante da minha aptidão pela música, pediram que Pietro Baistrochi, organista
da cidade, fosse meu professor.
-Vocês já se mudaram para o centro de
Busseto.
-Sim, lá estava a grande biblioteca da
escola jesuítica que muito me ajudou na minha educação, tantas foram as minhas
idas até ela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário