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quinta-feira, 8 de novembro de 2012

2256 - os verdes anos de Verdi

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4056                              Data: 03 de novembro de 2012
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76ª VISITA À MINHA CASA

Como o meu pai me apresentou à música de Verdi quando eu era adolescente, não houve muita formalidade entre nós ao recebê-lo em minha casa.
-Verdi, você perdeu a mulher, Margherita Barezzi, e os dois filhos, ao mesmo tempo em que a sua segunda ópera, Un Giorno di Regno, fracassava.
-Foi o pior momento dos meus 88 anos de vida; pensei em abandonar a música.
-Um filósofo do século XIX, cujos pensamentos perduram até hoje, Nietzsche, disse que o que não nos mata, nos fortalece. Ele também disse que o mundo sem a música seria um erro.
Eu tinha assinado um contrato com Bartolomeo Merelli, empresário do Teatro Alla Scala de Milão, de compor duas óperas depois da minha estreia com Oberto.
-E a sua terceira ópera seria Nabucco.
-Fiquei arrasado com a perda da minha mulher, que tinha 27 anos de idade e ia largar tudo, como disse, mas o empresário do Scalla me convenceu a compor.
-Reza a lenda, Verdi, que ao ler o libreto e se deparar com os versos dos hebreus cativos na Babilônia, logo lhe veio à mente as notas musicais do “Va Pensiero”.
-Eu perdi filhos e esposa, mas senti que a minha inspiração de compositor permanecia viva.
-No Brasil, “Va Pensiero” se tornou popular por causa do presidente do Partido Liberal, Álvaro Vale, que falava sempre na televisão com o coro dos escravos hebreus cativos na Babilônia.
-Como a Itália estava desmembrada em 1842, quando Nabucco estreou, o “Va Pensiero” se tornou, para os italianos, um hino nacional, praticamente.
-As suas óperas eram politizadas  pelos adeptos do Risorgimento.
-Até o meu nome!... Em Nápoles, escrevia-se nos muros “Viva V.E.R.D.I., com o meu nome sendo usado como um acrônimo: Viva Vittorio Emanuele Re D'Italia. Ele reinava na Sardenha, mas o povo italiano o queria reinando sobre a Itália unificada, com a expulsão dos invasores austríacos, principalmente. Viva V.E.R.D.I.  começou em Nápoles, e se espalhou por todo o país.
-Verdi, você ressurgiu com Nabucco, conhecendo o sucesso popular e o soprano Giuseppina Strepponi.
-Ela já não tinha a voz dos seus áureos tempos, mas eu não a vi só como artista.
-Vocês deram início a um romance e em seguida passaram a viver juntos. Essa coabitação provocou, para muitos, um escândalo.
-Veja bem: eu era viúvo de Margherita Barezzi e o pai dela, Antonio Barezzi,  impulsionou extraordinariamente a minha carreira, enviando-me da cidade de Busseto a Milão, para estudar composição.
-A sua gratidão por Antonio Baressi era compreensível; você precisava de apoio financeiro e ele o deu.
-Depois das aulas de contraponto e da minha apresentação ao mundo musical milanês, retornei a Busseto. Lá, Barezzi me contratou como professor da sua filha, apaixonamo-nos e casamos em 4 de maio de 1836, quando eu tinha 22 anos  e  Margherita também. Como genro, Antonio Barezzi me auxiliou financeiramente mais ainda e me enviou com a filha para Milão, onde eu entraria no mundo das óperas.
-Você tentou se matricular no Conservatório de Milão, mas foi reprovado nas provas.
-Foi um chamado à realidade: eu tinha ainda muito que aprender.
-E aprendeu tanto que o Conservatório de Milão passou a se chamar “Osservatorio Giuseppe Verdi”. - observei.
-Antonio Barezzi me concedeu tantos favores, que eu me sentia tolhido em casar com outra mulher depois da morte da sua filha.
-Mas você se casou com  Giuseppina Strepponi.
-Casamo-nos em Collonges-sous-Salève, perto de Genebra, numa cerimônia discretíssima, em 1859.
-Você já estava viúvo há 19 anos.
-Ainda assim, justifiquei-me, antes de casar, com o meu patrono e, mais ainda, amigo, Antonio Barezzi.
-Verdi, houve quem o criticasse pela expressão musical diatônica em vez de cromática.
-Ah, os críticos... - sorriu, mas sem demonstrar desdém.
-No seu Otello, principalmente, há muito cromatismo.
-E alguns reclamaram de eu sofrer influência wagneriana.
-Criaram, na época, uma rivalidade excludente: Verdi e Wagner no universo operístico. Hoje, os aficionados da ópera lotam os teatros com as suas óperas suas e as de Wagner.
-Isso me alegra.
-Aqui entre nós, os seus admiradores são mais sinceros, os de Wagner, uma parte, exibe pose de intelectual.
-Na vida terrena, eu e Wagner não nos conhecemos pessoalmente.
-Você disse que Wagner sempre escolhia, desnecessariamente, o caminho não trilhado, na tentativa de fazer com que as pessoas alcançassem os melhores resultados.
-Sim.
-Por outro lado, Wagner, depois de ouvir o seu Réquiem comentou: “É melhor não dizer nada.”
-O meu Réquiem estreou na Catedral de Milão, em 1874.
-Hans von Bulow, que era o maestro preferido de Wagner para reger as óperas dele, declarou, de modo depreciativo, que se se tratava de um Réquiem operístico, quase uma ópera italiana. Depois que a sua mulher, Cosima, a filha de Liszt, o abandonou com os filhos para viver com Wagner, o maestro reformulou, então, muitos pareceres ditos sobre a influência wagneriana. - tagarelei.
-Eu me orgulho do meu Réquiem.
-Muitos musicólogos, Verdi, o colocam acima do Réquiem de Mozart.
-Não vamos esquecer que Mozart o compôs até a Lacrimosa, depois, a sua viúva entregou os apontamentos para a parte restante da composição ao melhor discípulo do marido, Sussmayr, que terminou o que faltava. - lembrou Verdi.
-Na verdade, você, Verdi, foi um homem generoso, enquanto Wagner era uma pessoa difícil com caráter duvidoso.
Percebi que essa comparação desagradava o compositor de Otello, pelo seu semblante, enveredei o diálogo para a biografia do meu visitante.
-Verdi, você foi ajudado por Antonio Barezzi porque seus pais eram pobres?
-Meu pai era dono de uma osteria, em Roncole.
-Osteria?... - expressei minha ignorância.
-É o mesmo que taverna. Lá, comecei a me exercitar com uma rudimentar espineta. Carlo Verdi e Luísa Utini, meus pais, diante da minha aptidão pela música, pediram que Pietro Baistrochi, organista da cidade, fosse meu professor.
-Vocês já se mudaram para o centro de Busseto.
-Sim, lá estava a grande biblioteca da escola jesuítica que muito me ajudou na minha educação, tantas foram as minhas idas até ela.





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