O BISCOITO EXTRA
CRÔNICA DO JOÃO SALDANHA CITADA NO BM 2250.
RESGATADA PELA SOBRINHA DO
LUCA
DO CHUI AO OIAPOQUE – O Globo, 17/03/1970
ME DESCULPEM A MANEIRA DE ESCREVER QUANDO SE TRATA DE SITUAR geograficamente nosso país. Todo mundo, em todos os cursos Primários, desde o Pará até Santa Catarina, quando quer se referir ao Brasil todo, ou quando qualquer demagogo em véspera de eleição Quer bancar o patriota, começa sua aula ou seu discurso assim:
"Brasileiros, com a mesma franqueza com que me habituei a Falar-vos!!!" (pausa para sentir a repercussão da tal franqueza). Mas, continuemos - "Do Oiapoque ao Chuí..." (outra pausa para sentir Os conhecimentos geográficos do auditório), e o cara recomeça... "somos um todo". E vai por aí o negócio. De norte para sul.
Eu também, que não posso deixar de ser provinciano porque sou brasileiro e adoro meu país, tenho a mania de inverter os pontos cardeais, por puro patriotismo de bairro, de província. Ao contrário, jamais falei ou falarei do Oiapoque ao Chuí. Morro dizendo: do Chuí ao Oiapoque. Paciência.
Eu também sou provinciano. Sabem por quê? Porque não me envergonharia de ter nascido nem no Piauí. Mesmo que fosse nos Cafundós de Judas como já dizia Pero Vaz Caminha, um dos primeiros caras que andou por aqui.
Mas como nasci no Rio Grande, é ali que eu acho que começa o Brasil. Bento Gonçalves, David Canabarro, Gaspar da Silveira Martins, o presidente Júlio de Castilhos e, até mesmo o velho Borges Que mandou prender meu pai, mas avisou lealmente a sua decisão dando tempo para que o "velho" pudesse defender-se.
O velho Honório e Zeca Neto, o João Francisco, o Oswaldo Aranha, a turma do velho Flores, toda essa gente me ensinou na vida uma coisa muito importante: "Olha, guri, toda a vez que tu tiver Que fazer uma "coisa" avisa a eles." E continuaram: "Guri, só uma coisa não se faz no Rio Grande. Aqui nunca se ataca pelas costas."
Eu sei que um advogado hábil da "cidade" jamais me aconselharia a escrever ou dizer coisas deste tipo. Mas me desculpe seu "advogado", apesar de viver há muito tempo na "cidade" ainda não me acostumei à felonia, à intriga, à inveja, à calúnia, ao deboche.
Aprendi aos poucos, mas levou muito tempo, a ter paciência contra a aleivosia, contra a sujeira. Mas a minha paciência é muito limitada como a de qualquer funcionário do INPS. Porém, garanto uma coisa: eu adoro meu país. Há pouco tempo em Hamburgo, na televisão oficial, um entrevistador me perguntou sobre matança de índios no Brasil. Eu respondi imediatamente que desde Pedro Álvares Cabral, isto é, há 470 anos, morreram menos índios do que em dez minutos da última Guerra Mundial deflagrada por eles. O entrevistador mudou rapidamente de assunto. Onde quer que ande não admito que ofendam meu país. Do Pólo Sul ao Pólo Norte.
Mas volto ao assunto. E não vou dizer do Oiapoque ao Chuí. Tenho o direito de dizer, por opção, do Chuí ao Oiapoque. Eu explico: os jornais de Porto Alegre disseram que eu falava muito. As rádios também. Subiu a geografia, passou pelo Rio e até ao Oiapoque, todos, ou quase todos os editores de jornais usaram uma coisa muito engraçada: o chefe da página ou o editorialista dizem que eu falo muito. E o repórter, mandado pelo chefe da página, aparece duas, três, quatro vezes por dia, pedindo respostas.
- Por amor de Deus. Eu, como tenho pena do pobre repórter, dou colher de chá. Do Chuí ao Oiapoque. Mas a pedido dos chefões dos rapazinhos, não direi mais coisa alguma. Quanto ao noticiário da Seleção, não haverá a menor dificuldade. Afinal de contas, eu sei que não é necessário nenhum repórter que assistiu a um treino me perguntar como é que foi o treino. Principalmente num país em que todo o mundo entende de futebol.
Aí está o aviso, rapazes. Não me peçam mais a palavra. Estou atendendo ao conselho de seus patrões e editorialistas principais que escrevem sobre a seleção sem sequer terem ido a um treino desde que começamos nosso trabalho. Pediram isto e serão atendidos. Eu não sou político. Só quero que o Brasil ganhe a Copa do Mundo.
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