-------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4065 Data: 17 de novembro de 2012
-------------------------------------------------------------
OS TAXISTAS DE MARIA DA GRAÇA
Quando entrei
no táxi que ponteava a fila, percebi que o motorista não me era familiar, por
isso me surpreendi quando ele me tratou com uma efusão, que não adjetivo de
política, porque me pareceu sincera.
-Como vai?...
Está tudo bem?... Eu o vejo muitas vezes.
Mas eu não o
vejo. Será que ele é um dos taxistas que enfiam no carro e não saem para
conversar, como os demais, na hora que desço a Rua Van Gogh em direção à
estação do metrô de Del Castilho?
Respondi a
sua saudação e anunciei que íamos para a Rua Modigliani.
-Vamos para
lá. - bradou com a sua voz sonora.
Não percorreu
50 metros
e comentou:
-Olha, olha o
lixo que essa gente acumula na calçada.
Voltou-se
para mim e me surpreendeu de novo:
-Qual é o seu
nome?
Era o
primeiro dos muitos taxistas da cooperativa que perguntava o meu nome. Os
outros me tratam de você, senhor, amigo, meu nobre, ele, agora, era o único da
cooperativa a saber que eu me chamava Carlos.
-Carlos, essa
gente não tem a mínima noção de limpeza. As calçadas se tornam um depósito de
lixo.
-Há duas
semanas, a reportagem da TV Record apareceu na escola perto da minha casa,
porque denunciaram a diretora que obrigava os alunos a limparem as salas de
aula antes da saída.
-Sujou, tem
de limpar. Não existe essa conversa que o gari existe para isso. - indignou-se
mais uma vez.
-Na
televisão, o Vagner Montes criticou a diretora com o argumento esdrúxulo que as
serventes é que devem limpar. Ora, as serventes e os garis devem recolher o
lixo e não apanhar o que a má educação do povo espalha em lugares públicos. -
manifestei-me.
-Carlos, o
Vagner Montes perdeu a perna por estupidez e continua estúpido. Ele nunca
recebeu meu voto.
Entusiasmado,
prosseguiu:
-Eu e meus
irmãos fomos criados pelo meu pai e ele ensinava: comeu, tem de lavar o prato;
acordou, tem de fazer a cama; sujou, tem de limpar. Como eu era o caçula, via
meus irmãos sentirem a mão pesada do papai e tratei de ser obediente.
-Pena que,
hoje, existam poucos pais disciplinadores. - lamentei.
-Agora, ou
eles tratam os filhos com indiferença, ou paparicam demasiadamente. -
acrescentou.
-Chegamos. -
anunciei.
No dia
seguinte, cheguei uma hora antes do costume no ponto da Magalhães Couto e fui
obrigado a sentar no banco de espera. Enquanto aguardava, reportei-me ao
primeiro taxista conhecido que me conduziu: Seu Floriano.
Menino ainda,
era, algumas vezes, indicado pela minha mãe para fazer companhia à minha avó,
que residia sozinha num casarão da Rua General Padilha, em São Cristóvão. Quando
isso acontecia, minha mãe vinha me buscar de manhã cedo e então, minha avó dizia
que aquela era a hora do Seu Floriano, que morava na mesma rua, sair com o táxi.
Avisado por minha avó, ele vinha e conduzia, de maneira cautelosa, a mim e a
minha mãe no seu carro até a Rua Cachambi, onde morávamos.
A chegada do
Careca arrancou-me das minhas reminiscências. Ele não pode ver ninguém à sua
frente, rumo ao ponto de táxi da Magalhães Couto, que, de maneira grosseira,
acelera os passos, como se fosse o Papa-Léguas para chegar primeiro, Depois – disseram-me os taxistas – senta-se
no banco e fica mudo como uma estátua.
Agora, depois
de quinze minutos, aparecia um táxi e o Careca teria de chupar o dedo.
Mas que
taxista era aquele?
-Bom dia.
Algum tempo
depois, respondeu-me. Então, eu lhe disse que ia para a Rua Modigliani, que ele
ignorava.
-Conhece a
Praça Manet?
-Não.
-Vamos em
frente que eu lhe ensino,
-Dobro à
esquerda?
-Não, porque
há muitos sinais, continue subindo a Rua Domingo de Magalhães.
Seguiu a
minha orientação a me perguntou:
-Continuo?
-Se você
continuar, vamos nos deparar com um cruzamento perigoso, pois teremos de ficar
na pista da esquerda para conseguirmos enxergar alguma coisa. É melhor, então,
dobrar na próxima rua.
-Ele dobrou e
foi, em seguida para a direita conforme o fluxo do tráfego.
Enquanto
esperava o sinal abrir, eu lhe mostrava uma rua íngreme asfaltada.
-Você vai
seguir em frente, subir aquela rua. Estaremos, então, na Rua Luís de Brito.
Desceremos, em seguida, pelos paralelepípedos da Van Gogh, perto de onde moro.
Nesse
instante, veio-me à mente a torre que ali existia da rádio Vera Cruz, extinta
há décadas. Ele, no entanto, era o interlocutor menos indicado para eu trazer
essa lembrança à baila.
Depois, tive
de alertá-lo para não entrar na Rua Honório, pois iria deparar-se com
quebra-molas. Indiquei-lha a Sisley, ele a desceu e passou, finalmente, para a
Modigliani.
-Ali, no
segundo poste.
Quando notei
que ele passaria direto, rumo à Vlamink, agitei-me:
-Não! Para!
-Pensei que
era para seguir além dos dois postes. - justificou-se.
Paguei a
corrida, saltei do carro com a certeza que aquele taxista tinha as reações
retardadas.
No dia subsequente,
vi, lá de cima da rampa da estação de Maria da Graça, apenas um táxi e, para
exacerbar a minha expectativa, alguns metros à frente do ponto da cooperativa.
A cada rampa
que eu descia, olhava e lá estava ele.
-Só falta
agora o Careca passar por mim, ventando, como o Papa-Léguas. - murmurei.
Mas ele não
apareceu e pude, então, entrar no táxi do Machado.
-Não há
ninguém da cooperativa, então, vamos. - disse ele.
-Há quanto
tempo, Machado.
-Eu tenho
visto muito o seu amigo, lá no Méier.
-O Luca? Ele
também joga no bicho.
-Frequentamos
o mesmo bicheiro.
-É uma
distração para ele. - disse.
-O jogo do
bicho é um esporte. - enfatizou o Machado.
-Dia desses,
o Luca ganhou com a centena 110. - informei-lhe omitindo o fato de ele ter
apostado nos anos do poeta Carlos Drummond de Andrade.
-A gente
perde, mas um dia ganha. A mulher fala e eu lhe digo que ruim é gastar dinheiro
com remédio. Você gasta 100 reais com comprimidos que não lhe fazem bem e tem
de trocar por outros, também caros. No bicho, você não gasta isso tudo e ainda
pode ganhar.
E arrematou:
-O jogo do
bicho é um esporte.
-O Luca,
acredito, passou a jogar no bicho depois que trabalhou com oficiais de justiça,
que foram amigos dele.
Parece que o
Machado não me ouviu, pois continuou a se defender.
-O dinheiro
que eu gasto jogando não influi nas despesas de casa, então, não vou parar de
fazer a minha fezinha.
E repetindo
que o jogo do bicho é um esporte, deixou-me na Rua Modigliani.
Nenhum comentário:
Postar um comentário