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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4069 Data: 21 de novembro de 2012
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COM A TUMULTUADA
CORTE PORTUGUESA
Eu e Elio voltamos no tempo, sem que uma
baforada de ópio fosse dada e nos vimos no meio de uma balbúrdia dos diabos na
corte do príncipe-regente D. João.
-Chegaram as ordens de Napoleão
Bonaparte. - gritou um nobre com a garganta estridente de um plebeu.
E prosseguiu:
-Eis as ordens do Imperador: Portugal
terá de aderir ao bloqueio continental, fechar os seus portos à navegação
britânica, declarar guerra aos ingleses, sequestrar os seus bens em terras
lusitanas e deter todos os cidadãos ingleses residentes no país. O
príncipe-regente está intimado a dar uma resposta até o dia 1º de setembro.
-Que dia é hoje, Carlos?
-Pelo pavor que alguns demonstram, 31 de
agosto de 1807.
-Portugal não se submete a país algum. -
bradou um patrioteiro.
-Só à Inglaterra. - acrescentou o Elio
num sopro no meu ouvido.
Olhei para o príncipe-regente D. João e
ele andava de um lado para o outro sem saber que rumo tomar.
-Elio, a coisa é séria: Dom João até
parou de comer.
Logo, eu e Elio Fischberg nos vimos na
reunião do Conselho de Estado, onde se digladiavam verbalmente o “partido
inglês” e o “partido francês”.
D. Rodrigo de Sousa Coutinho defendia a
guerra contra a França e a Espanha, colocando-se em prontidão 70 mil homens e
mobilizando-se 40 milhões de cruzados para custear o esforço de guerra. E se
Portugal não obtivesse êxito nas armas, que se passasse a família real para o
Brasil.
-É evidente que não terá êxito nas
armas, nem que os heróis dos Lusíadas ressuscitassem. - disse para que apenas o
Elio me ouvisse.
O representante do “partido francês”,
Antônio Araújo de Azevedo, ergueu-se imediatamente da cadeira e discursou:
-“Não. Portugal deveria integrar o
bloqueio continental e fechar os portos aos navios britânicos. Por outro lado,
não deveria aceitar o sequestro dos bens e nem a detenção de pessoas de
nacionalidade inglesa, por não serem conciliáveis com os princípios cristãos.”
-Numa hora dessas, ele me vem falar em
princípios cristãos. - sussurrou outro membro do “partido francês” de viés mais
radical.
Nesse instante, Elio se voltou para mim
com a voz em surdina:
-Carlos, quando a França deu uma
rasteira em Portugal, no Congresso de Münster, em 1648, o Padre Antônio Vieira
defendeu a ideia que o Rei D.João IV transferisse a corte para o Brasil e cá
fundasse o Quinto Império.
-Elio, não me diga que você aprendeu
isso tudo no Colégio Militar?
-Não se esqueça que a minha mãe é
professora de História.
Houve nova reunião do Conselho de
Estado, com a presença camuflada minha e do Elio, em que se decidiu que
embarcariam para o Brasil apenas D. Pedro de Alcântara, o herdeiro do trono e
as infantas.
-Carlos, esse menino já é um taradinho,
imagine-o longe dos olhos do pai.
-Elio, D. João vive tão preocupado que
não consegue comer mais de um frango por dia. Ele só vê franceses e seus
aliados espanhóis pela frente.
-Sem falar nos ingleses, que destruiriam
toda a frota portuguesa, se ele se submeter a Napoleão – aditou o Elio.
Continuou o tumulto verborrágico dos
políticos portugueses que não diminuiu com a demissão de D. Rodrigo de Sousa
Coutinho e a vitória parcial do “partido francês”. O governo aceitava as
condições francesas, sem perder a neutralidade.
-Como se pode tomar uma posição e se
dizer neutro?... Parece piada de português. - comentei com o Elio.
Foi publicado, em seguida, o edital que
tornava público o decreto do príncipe-regente que ordenava o fechamento dos
portos portugueses aos navios mercantes e de guerra da Inglaterra.
Depois de ler o edital, manifestei-me:
-Elio, será que o príncipe-regente se
decidiu finalmente? - perguntei porque esperava esmerada.
-Carlos, o príncipe-regente se equilibra
entre o “partido francês” e o “partido inglês”, apesar da demissão do seu
expoente.
Não passaram três dias, e D.João
anunciou os preparativos da partida de D. Pedro de Alcântara e as infantas para
o Brasil, mas que poderia ser também de toda a família real.
Nesse ínterim, chegava ao príncipe-regente
a advertência do rei da Grã Bretanha de que toda a corte portuguesa deveria se
transferir para o Brasil.
-Elio, você não sabe o que vi.
-E o que você viu, Carlos?
-Eu vi D. João, diante da mãe, Dona
Maria, dizer desesperadamente: “Mãe, por que você enlouqueceu? Este assunto era
para Vossa Majestade resolver?
E acrescentei:
-No momento, a mente dele está igual a
da mãe.
-Ele terá de se definir logo. - frisou o
Elio.
Chegou, então, a Portugal a notícia que
o Príncipe de Astúrias, príncipe herdeiro da Espanha, fora aprisionado pelas
forças napoleônicas, e que as tropas espanholas e francesas se dirigiam para a
fronteira portuguesa.
Equilibrando-se ainda nos extremos, o
príncipe-regente agradou o “partido francês”, remetendo efetivos militares para
as costas portuguesas para evitar um suposto desembarque inglês, o que deixaria
aberto o caminho de entrada das tropas comandadas por Junot. E Dom João também
atendia ao “partido inglês”, preparando o embarque de toda a família real para
o Brasil.
Quando veio a notícia que tropas
francesas e espanholas acabaram de penetrar no território luso, anunciou-se a
fala do trono. Eu e Elio, naturalmente, estivemos presentes.
Com a voz titubeante, o príncipe-regente
se pronunciou:
-”Vejo que pelo interior do meu reino
marcham tropas do imperador dos franceses e do rei da Itália, a quem eu me
havia unido no continente, na persuasão de não ser mais inquietado...
Disse mais alguma coisa e prosseguiu:
“E querendo evitar as funestas
consequências que se podem seguir de uma defesa, que seria mais nociva que
proveitosa, servindo só de derramar sangue em prejuízo da humanidade, tenho
resolvido, em benefício dos mesmos meus vassalos, passar com a rainha minha
senhora e mãe, e com toda a real família, para os estados da América, e
estabelecer -me na Cidade do Rio de Janeiro até a paz geral.
A reação dos súditos foi a mais
contraditória possível; uns choravam alto, outros protestava em voz baixa.
-Enfim, o príncipe-regente se definiu. -
desabafei.
-O que vamos fazer, Carlos, ficar, como
José Bonifácio, que combateu os invasores, ou partir para a nossa terra.
-Elio, considero José Bonifácio um dos
três maiores brasileiros de todos os tempos, mas prefiro partir.
-Então, vamos.
-Mas jamais na mesma nau da Carlota
Joaquina. - impus essa condição.
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