-------------------------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4059 Data: 08 de novembro de 2012
------------------------------------------------------------------------------
UMA CORRIDA DE TÁXI LONGA
Subi a Rua Vlamink e descia a Van Gogh.
Faltariam ainda um trecho da Avenida Suburbana, o beco até a estação de Del
Castilho e quarenta e cinco degraus de escada. Depois, o metrô, não muito cheio
às 6h da manhã, mas viajando de pé, num ar condicionado que está longe de
lembrar o dos bancos. Ainda na Van Gogh, resolvi permitir-me um conforto, ainda
que custasse 30 reais: pegar um táxi.
A essa hora, vários taxistas da Metrô
Táxi costumam fazer ponto nessa rua, porém, divisei ao longe, quase na esquina
com a avenida Suburbana, apenas dois táxis. De repente, sai da Rua Utrillo,
deixando-me para trás um cidadão bem vestido. Imaginei que ele pegaria um dos
dois táxis, e pegou. Já mais perto, vi que entrou no carro do 009, o Gaguinho.
Vi-me, então, obrigado a entrar no que sobrou, cujo motorista eu não conhecia.
Enquanto afivelava o cinto e anunciava para onde ia, lamentei a minha falta de
sorte.
-O senhor não costuma ficar no ponto da
Domingo de Magalhães entre 4h 30min e 5h?
-Não, eu pego no táxi cedo e largo às 4h
da tarde.
-Conheço toda aquela turma. O que saiu
agora foi o Claudio, não foi?- evitei falar o seu apelido.
-Sim, o 009. Ele entrou nesse
financiamento a longo, a juros baixos, para ficar com carro do ano, mas eu não
sou favorável, pois os impostos que incidem nos veículos são altíssimos.
Minha decepção passou rapidamente, ele
gostava de conversar, o que tornaria a viagem mais agradável. Com o Gaguinho,
só teríamos de falar praticamente, da busca de uma bolsa de estudos pelo seu
filho adolescente no Colégio-Universidade Castelo Branco, através da prática de
handball pela escola.
-O senhor conhece o Bob Esponja? - citei
o apelido sem me represar com cerimônias.
-O Bob Esponja... - titubeou.
-Os seus colegas falaram em Ricardo, o
Bob Esponja. Eu, na hora, estranhei, porque Bob está ligado a Roberto.
Reportei-me, em silêncio, ao Roberto
Dieckmann, que sempre se apresenta no restaurante Jirau como Bob.
-É o 151?
-Esse mesmo. - respondi.
-Ele se parece mesmo com o Bob Esponja. -
manifestou-se infantilmente.
-Não é isso, pelo que me explicaram, o
apelido é porque ele bebe como uma esponja.
-Eu já o vi num boteco com uns copos de
cerveja.
-E ele já teve problemas com diabetes.
-Esse pessoal não se cuida e, depois,
sofrerá com as consequências. - expressou sua apreensão.
-O 081 tem um problema mais sério, de
diabetes, já perdeu um dedo do pé. - aproveitei a doença para trazer à baila
outro taxista da cooperativa.
-O carro do 081 é o pior da frota, ele é relaxado.
-E é o mais rico, o que é uma agravante.
- manifestei-me.
-Dizem que ele tem mais de 20 imóveis,
que vende pão.
-Deveria mesmo largar aquele cacareco.
Certa vez, havia um problema no banco do carona e eu viajei quase com a cara no
parabrisa. Até hoje não sei por que não o fiz o 081 parar o carro.
-Eu conheço a filha da amante dele, é
muito bonita. - interrompeu-me.
-Disseram-me que ele tem umas mulheres
espalhadas na redondeza.
-E não passa para um carro melhor. -
voltou a criticar.
-Sobre a diabetes, ele me disse que o
médico ordenou que caminhasse. Ele me disse que caminha pensando nos
passageiros que está perdendo. - mexeriquei.
-Esses portugueses não param de
trabalhar.
-O Demerval (Paizão) contou que,
conversando com o irmão do 081, ele falou que tiveram de sobreviver, ainda pequenos,
em Portugal. Se
os dois pararem de trabalhar, morrem.
-Mas tem de haver momentos de lazer. -
enfatizou.
-Parece que o lazer dele é o trabalho. -
concluí.
-Você falou no Demerval, ele é um senhor
saudável.
-Demerval me contou parte da sua
história de trabalhador; deu um duro danado. Agora, com 76 anos de idade, sai
com o táxi às 4h 30min da tarde e volta pra casa às 11h da noite sem
preocupação de chegar a uma determinada quantia. Só sai com o táxi para não
enferrujar a cabeça. Ele me disse que, muitas vezes, a primeira corrida do dia
é comigo.
-Essa preocupação com as férias do dia
estressa mesmo. - acentuou.
Voltei a falar no Bob Esponja.
-Ele me disse que pega no táxi
cedinho...
E completei:
-É verdade porque quase sempre o vejo
quando desço a Van Gogh às 6h da manhã.
-Começa cedo mesmo. - confirmou.
-Disse-me que, por volta do meio-dia,
vai para casa, faz a sesta, e volta para trabalhar a tarde.
Percebendo que o taxista estava atento,
prossegui com minha prosa.
-Eu tenho um cunhado que possui um táxi,
guia pela Cooparioca. Está com 67 anos e dirige há uns 40. Atualmente, ele
começa às 3h 30min da manhã e larga entre 10h 30min e 11h.
-Muitas vezes se pega boas corridas
nesse período. - aparteou.
-Ele me disse que o taxista faz a sesta para,
depois, retornar à praça, mas não consegue descansar, porque não se desliga do
trabalho que prosseguirá à tarde.
-É verdade; você fica com aquilo na
cabeça, que tem de apanhar mais passageiros de tarde, que não descansa. -
concordou.
-O Bob Esponja, pela experiência do meu
cunhado, deveria procurar outra coisa para descansar o cérebro, não uma
dormidinha depois do almoço.
Agora, era ele que falava, e eu ouvia,
atento.
-Estou na praça há vinte anos. Em casa,
eu via o táxi na garagem e ficava agoniado para sair pegando passageiros. Muitas vezes, era hora de eu descansar, mas
logo me vinha a imagem do táxi lá na garagem.
Era um obcecado por trabalho, o que me
deixou abismado, pois a sua fala era tranquila e a sua gesticulação era quase
nenhuma. Aumentou, então, o meu interesse pelo seu discurso.
-Arrumei um motorista para rodar na hora
que eu paro com o táxi, e, assim, não vejo o carro na garagem, esqueço a praça
e relaxo.
De repente, ele já dobrava a esquina das
avenidas Presidente Vargas e Rio Branco. Embora ele não tivesse acelerado, a
corrida foi muito rápida.
-Vai ficar onde?
-Vou ficar entre a Sete de Setembro e a
Assembleia, no lado esquerdo.
Saltei no lugar indicado e nos
despedimos com um até outro dia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário