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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4031 Data: 19 de
setembro de 2012
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NA GUERRA DE TROIA
Viajando pelo tempo, eu e Elio Fischberg
nos vimos, subitamente, diante de uma cena que mesclava o horrível com o
espetacular: um soberbo guerreiro que traspassava com a espada todos os seus
adversários.
-Quem é esse homem que mais parece um
deus? - indagou o Elio Fischberg.
-Aquiles. - matou-lhe a curiosidade um
jovem de saiote.
-Elio, o legendário Aquiles foi
mergulhado no rio Estige por Tétis, sua mãe, para se tornar imortal.
-Eu sei, Carlos, a Umbanda, com essa
história de corpo fechado, bebeu nas fontes gregas.
-Tétis, no entanto, ao segurá-lo pelos
pés, nesse mergulho, deixou, sem saber, os calcanhares de Aquiles vulneráveis,
pois eles não se molharam.
-Veja, Carlos, todos aqueles que o
enfrentam, morrem. Quem luta contra Aquiles visa, com sua arma, o coração, a
cabeça, a barriga, não pensa nunca como alvo o seu calcanhar.
-Elio, se Aquiles viajasse no tempo,
como nós e pegasse pela frente a defesa do Flamengo com Tomires e Pavão, a do
Vasco com Renê e Moisés, ou o trio do
Botafogo de 1939, Zezé Moreira, Martim e Canalli, que o meu pai chamava de
Cavalaria Rusticana, ele não duraria muito.
-Não sei, Carlos, pois esses jogadores
visavam mais o tornozelo, o joelho... O Tomires, por exemplo, só pegava do
pescoço pra cima.
Depois de uma pausa, quando presenciamos
dois guerreiros morreram com apenas uma estocada de Aquiles, ouvi uma sugestão
do Elio:
-Vamos em busca de outro lugar para
sentir como se desenrola a Guerra de Troia.
-Na verdade, os combates de Aquiles que
assistimos eram apenas parte da formidável guerra que Homero cantou em versos. Eu e Elio
Fischberg seguimos por um terreno montanhoso com o objetivo de testemunhar com
melhor visão o encontro das massas inimigas.
-Cuidado, Carlos.
-Eu sei agradar gregos e a troianos. -
tranquilizei-o.
Alcançamos, enfim, um cume onde nos
sentimos seguros.
-Tudo isso por causa de uma mulher. Essa
Helena deve ser uma mulher do outro mundo. - gritei para ser ouvido pelo Elio
no meio do alarido bélico que chegava até nós.
-Eu vi Rossana Podestà, era uma mulher
de provocar mesmo uma guerra. - interveio com a sua imaginação de cinéfilo.
-Eu tenho uma amiga que me garante que,
na época em que estudava no Instituto de Educação, provocou uma briga entre o
Colégio Pedro II e o Colégio Militar.
E arrematei com uma pergunta:
-Será que o Dieckmann participou dessa
guerra?
-Carlos, o Dieckmann só briga por carro.
Se você, por exemplo, chamar de Puma o seu Jaguar, ele tomará como uma
declaração de hostilidade irretratável.
-Você falou em Rossana Podestà no
papel da espartana Helena, mas eu creio que a Jean Simmons, sim, tinha uma
beleza de causar um conflito armado entre povos.
-Carlos, não foi a beleza da Helena que
se originou toda essa beligerância, mas os chifres do rei Menelau.
-Como Páris se mete no meio de
espartanos e leva consigo a mulher do rei de Esparta? - expressei a minha
incredulidade.
-Você não leu Homero?
Respondi ao Elio prontamente:
-Olavo Bilac escreveu o soneto “Lendo a
Ilíada” e nunca leu Homero, o autor.
-Mas ao filme você assistiu?
-Sim, no Cinema Cachambi, quando garoto.
-Então, você se lembra que Páris foi a
Esparta, selar a paz entre as cidades e se apaixonou pela esposa do rei
Menelau. O amor foi recíproco e, quando o rei percebeu, tramou a sua morte.
Helena o avisou e os dois fugiram para Troia, desencadeando a guerra.
-Elio, houve muitas críticas ao filme
por causa da infidelidade, não da rainha, mas ao poema de Homero. A fita eleva
Páris ao patamar de herói e líder. Também desancaram o fato de retratarem os
gregos como vilões, que se interessavam apenas por pilhagem.
-Carlos, sejamos realistas: os gregos
pouco se importavam com os chifres do seu rei, quanto a saquear os bens
troianos...
-Aquiles é mesmo um colosso, daqui vemos
os homens com quem ele luta e mata.
No meio do meu comentário, avistei outro
rapaz de saiote e o chamei.
-Diga-me, garoto, por que Aquiles
combate com ódio tão descomunal?
-Porque o seu grande amigo Pátroclo foi
morto.
-Amigo... - repetiu o Elio com um
sorriso malicioso, enquanto o rapaz prosseguia:
-O grande guerreiro, mas divino do que
humano, que não pensava mais em guerrear, chorou copiosamente a morte de
Pátroclo e, quando as lágrimas secaram, foi tomado pela fúria. Para os senhores
terem ideia, ele enfrentou o deus-rio Escamandro, porque este se aborreceu com
as águas sufocadas pelos cadáveres dos que enfrentaram Aquiles.
-E o que acalmará Aquiles? - perguntei
quando o menino já se apressava.
-A morte de Heitor, irmão de Páris, o
causador da morte de Pátroclo.
-Elio, Aquiles chorando Pátroclo me
lembra o comentário do Barão de Charlus de Proust, sobre as lágrimas derramadas
por Vautrin com a morte de Lucien Rubempré, na obra de Balzac: “Isso é o Monte
Olimpo da pederastia.”
-Carlos, conheço essa parte da história.
- vibrou o Elio para, em seguida, demonstrar o seu conhecimento.
-A deusa Atena vai se disfarçar no irmão
preferido de Heitor, e convencê-lo a enfrentar a espada Aquiles. Os dois
lutarão e Heitor será morto.
Víamos, agora, o vingador de Pátroclo
arrastando, amarrado ao seu carro, o corpo de Heitor pelo campo de batalha e o
fez durante nove dias.
-Elio, eu me recordo dessa cena do filme,
embora eu não tivesse dez anos de idade.
A guerra prosseguiu até que Páris armou
o arco e a flecha e mirou Aquiles. A flecha partiu, e guiada pelo deus Apolo,
se alojou no calcanhar de Aquiles. O
guerreiro sobre-humano da Guerra de Troia caiu para o lado e morreu.
A guerra não tinha fim.
Os espartanos lutavam com mais denodo,
mas os troianos estavam protegidos por muralhas aparentemente inexpugnáveis.
-Vamos nos mostrar vencidos e construir
um cavalo de maneira descomunal e deixar aqui. - propôs Odisseu, um grego que
se apresentava como líder.
-Elio, chegamos à parte do presente de
grego.
-Deixe-me trabalhar nesta cavalo, pois
tenho experiência da construção da arca de Noé. - disse alguém.
-Não dá para confiar em grego. -
comentou o Elio ao ouvir essas palavras.
O
final da guerra todos sabem. Os troianos levaram o cavalo de madeira para
dentro da sua fortaleza, à noite, os gregos ocultos nele saíram e dominaram os
sentinelas, possibilitando a entrada do seu exército, que arrasou Troia.
Páris e Menelau duelaram, mas
traiçoeiramente um soldado esfaqueou o troiano.
Elio Fischberg ainda gritou “Cuidado, Páris”, mas já era tarde.
E Menelau levou Helena de volta para
Esparta, prometendo a ela se comportar como um corno manso para o resto da
vida.
THE END (*)
(*) O
Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO repudia toda e qualquer manifestação
alienígena desnecessária, como as duas palavras em Inglês acima. Como o
asterisco vem depois, não perde a oportunidade e declara que isso é
O FIM
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