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quarta-feira, 10 de outubro de 2012

2238 - spaghetti no cinema e no tribunal


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4038                              Data: 04 de outubro de 2012
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UM SABADOIDO QUASE EM FAMÍLIA

Dias depois do último Sabadoido do mês de setembro, Luca foi portador de um mimo de aniversário da Rosa Grieco para mim: um livro sobre as famílias que contribuíram para beleza de Roma. Senti-me comovido e culpado por não me lembrar do natalício dela.
Mas, no desenrolar da sessão desse Sabadoido, não houve  amenidades unicamente; no seu início,  ocorreram até ênfases retumbantes, embora todos estivessem de acordo no mérito da questão.
-O governo petista, corrompendo o legislativo com a com compra de votos de deputados federais e pretendendo um Supremo Tribunal Federal de ministros palacianos, com o Ricardo Lewandowski e o Antônio Dias Toffoli, hipertrofia o poder executivo.- vociferei.
-Eu mudo o canal da televisão quando o Antonio Dias Toffoli fala. - afirmou o Claudio.
-Países como Cuba, Venezuela, Argentina, para ficarmos na América, é que têm poder executivo hipertrofiado.
 -Coreia. - citou meu irmão, cuja ênfase o levou para o extremo oriente.
-Montesquieu escreveu “O Espírito das Leis” e estabeleceu conceitos sobre o equilíbrio dos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, para o governo democrático.
-Ele influenciou a Declaração dos Direitos Humanos. Eu estudei e você deve ter estudado também.
-Claro, Claudio; o problema são as pessoas que estudam Direito e não colocam em prática o que lhe ensinaram. Ainda bem que o ministro Joaquim Barbosa , como relator do caso mensalão, põe em prática o que aprendeu e não submete o Poder Judiciário ao Poder Executivo.
-Um Poder Executivo corruptor.  - enfatizou.
-Joaquim Barbosa não admite contestação. - interveio a Gina no diálogo.
-Se ele escuta baboseiras do Lewandowski, depois de ter estudado milhares de páginas dos autos, não há paciência que aguente. - defendeu-o meu irmão energicamente.
-A qual das baboseiras você se refere?- provoquei.
-Àquela em que ele considerou a viagem do Marcos Valério, do Rogério Tolentino e do Emerson Palmieri a Portugal como um corriqueiro encontro de negócios. Como eles foram tratar com o presidente da Portugal Telecom, é evidente que eles representavam uma alta figura do governo brasileiro, no mínimo, o José Dirceu.
-Diante da “candura” do advogado de defesa do José Dirceu, digo,do ministro Lewandowski, o Joaquim Barbosa riu na cara dele. - lembrou a Gina.
-Ele ficou puto.
-Ficou Pluto?... - brincou o Daniel, que adentrava a cozinha.
-Falamos de outro animal e o Pluto é do bem. - alfinetou a Gina.
-Isso foi exceção, Carlinhos, pois as intervenções do Joaquim Barbosa são iradas, o Marco Aurélio disse que ele é metal entre cristais, quando deveria ser algodão.
-Ouvir sandices e com dores na coluna, não há quem reaja como a Teresa de Calcutá. - passou a Gina a defendê-lo.
-Voltando aos conceitos de Montesquieu, o Joaquim Barbosa quer levar o Brasil para frente e o Ricardo Lewandowski puxa para trás...
-Ele e o Antônio Dias Toffoli. - interrompeu-me o Claudio.
-Para o bem do Brasil, a Rosa Weber, o Luís Fux, a Carmem Lúcia, o Gilmar Mendes, o Marco Aurélio e o Celso de Mello seguem, de maneira geral, o Joaquim Barbosa. - afirmei.
-O Luís Fux segue em tudo, praticamente.
-Depois de mil citações ao Direito alemão, português, francês. - disse a Gina depois do Claudio.
-Eu tenho bobeado; não estou gravando trechos do  julgamento.
-Ora, Carlinhos, grave um bom filme. - sugeriu minha cunhada.
-Nada disso; esse julgamento é histórico.
-Não vá gravar as falas do Lewandowski. - pilheriou a Gina.
-Eu pretendo gravar a votação dos réus do núcleo político, ou seja, quando os indiciados forem o José Dirceu, o José Genoíno e o Delúbio Soares. E também quero gravar o encerramento, caso eu esteja em casa na hora.
Daniel, que entrava e saía da cozinha, anunciou sua saída para caminhar, mas, antes, liberou o cybercafé, ou o quarto, para mim.
Diante do ecrã do computador, acessei o vídeo que o Sérgio Strongs me enviara com um título que tratava de um suposto fracasso do Lula no comício de Salvador. Não busquei nenhuma schadenfreude nessas imagens da Bahia. Pelo contrário, senti-me constrangido em ver um presidente, depois de dois mandados, naquele papel.
Fernando Henrique errou quando previu que os ex-presidentes brasileiros, com o modelo dos Estados Unidos de reeleição, se portariam como os de lá. - pensei, enquanto olhava o Lula trepado num palanque no meio de uma algazarra popular.
Antes de aparecer o “pai dos povos”, um repórter entrevistou vários populares que se acercavam do palanque baiano que diziam que ganharam lanche e quinze reais, ou quantia perto desse valor.
Como a popularidade do ex-presidente se desgasta com o julgamento do mensalão e com a sua ligação com o Paulo Maluf, ele obrigou a mãe dos povos a comparecer também nos palanques. Tomei, então, a decisão de não assistir a vídeo algum com a presidente discursando para candidatos a prefeito, mas, tranquilizei-me quando constatei que não havia nada no meu correio eletrônico.
Presidente e ex-presidente da República em palanque, pedindo voto para alcaides, me dariam a triste certeza de que o Brasil é um país de burleta.
De repente, a voz da Gina, ao telefone, se fez ouvir:
-Fique repreendido por esta ausência.
-Será o Luca?... Há dois dias, ele me falara de dificuldades com o banco, o que poderia resultar numa viagem sua a Mangaratiba. - conjecturei 
Por que não se afasta dos problemas dos seus amigos bancários, já que se aposentou? Perguntei-me, mas logo encontrei a resposta: porque se tratava de seus amigos. E não era só isso: a ociosidade não brota na sua personalidade, mesmo que a aposentadoria ofereça o clima ideal. 
Tive, então, a certeza que o interlocutor da Gina era o Luca, e segui adiante dedilhando as teclas do computador.
Não sei por que cargas d’ água, busquei um número passado do Biscoito Molhado – não, não se trata da edição em que o Paizão narrou a sua carreira profissional, iniciada no táxi com um DKW, debaixo de um dilúvio, tratava-se, isso sim, do BM sobre um Sabadoido em que se discutiu uma lista   dos dez maiores filmes do faroeste de todos os tempos. Dieckmann, na ocasião, por meio dos seus famosos asteriscos, investiu contra o “Era uma vez no oeste” e “Três homens em conflito”, rotulando-os de western spaghetti.  Discordo; acredito que Sergio Leone, com Ennio Morricone, também desancado pelo nosso amigo de Santa Teresa, oxigenou esse gênero de cinema. (*)

(*) Asterisco bom é asterisco modesto. O western spaghetti (não foi o Dieckmann quem inventou o apelido, assegurou o próprio a este Distribuidor) apareceu quando a produção de western made in USA estava em franca decadência (meados dos anos 60), com péssimos filmes – a lista é enorme, muitos têm John Wayne, Burt Lancaster e outros atores famosos, o que prova que ser famoso não garante qualidade. 
Tanto que os westerns cultuados do período descambam para a violência explícita dos Peckinpah da vida. Eles têm qualidade, mas trouxeram também muito sangue para a tela (Meu Ódio será tua Herança, Duelo de Gigantes). Pouquíssimos mantiveram a leveza das décadas anteriores como Nevada Smith, ou Dívida de Sangue – neste Lee Marvin ganhou o Oscar e propôs, muito justamente, que o prêmio fosse dividido com o cavalo dele.
Quanto ao Ennio Morricone, o melhor dele foi estar em sintonia com o espírito do spaghetti do Sergio Leone – também pode se dizer que oxigenou o gênero  com assovios e corvos ao longe, mas de gosto, no mínimo, discutível.






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