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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4037 Data: 02 de
outubro de 2012
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69ª VISITA
À MINHA CASA
2ª PARTE
-Tchaikovsky, um dos casos
significativos da história da música clássica foi a ajuda financeira que a
baronesa Nadyezhda von Meck lhe prestou durante toda a sua carreira,
praticamente, sem o conhecer.
E acrescentei, como se me corrigisse:
-Conhecia a sua música, é verdade.
-Em 1876, ela tomou conhecimento das
minhas composições através de Nikolai Rubinstein. Solicitou-me, primeiramente,
transcrições para violino e piano de algumas composições, depois, assumiu que
era meu mecenas. Mantivemos uma correspondência de quatorze anos, com a
condição imposta por ela de nunca nos vermos. Durante todo esse tempo, ela me
resguardou das dificuldades financeiras. Dediquei-lhe a minha Sinfonia nº 4.
-Ela não era um rei, mas o ajudou muito.
Tchaikovsky percebeu o que eu dissera
nas entrelinhas.
-O rei Ludwig II da Baviera até
construiu um teatro para Wagner
-Você esteve em Bayreuth, por ocasião de
récitas de ópera de Wagner, mas já falamos sobre isso e sua opinião sobre
Wagner.
-Eu sempre gostei de viajar. Um ano antes
de ser estabelecido o meu vínculo com a baronesa Nadyezhda von Meck, isto é, em
1875, percorri parte da Europa e fui, naturalmente, a Paris, onde conheci Franz
Liszt, George Bizet e Jules Massenet.
-Havia, naquele tempo, na Europa, um
cisma musical, de um lado os adeptos de Wagner e, de outro, os de Brahms.
Tchaikovsky voltou a desancar a obra de
Wagner, mas não poupou Brahms.
-Ele é muito simpático, mas não gosto da
sua música.
-A sua produção prolífera não roubaria o
seu tempo de apreciação das obras dos outros grandes mestres?- tentei encontrar
uma explicação para a sua má vontade.
-Tenho tempo suficiente para ser o maior
dos admiradores de Mozart. - reagiu.
-Você não via Beethoven como Brahms,
cujos passos de gênio sentia atrás de si.
-Fui apresentado, não me lembro o ano,
ao Leon Tolstoi, de Guerra e Paz. Ele me apertou a mão e me expôs a sua opinião
musical. Segundo ele, palavras textuais, “Beethoven era nulo”. Foi dessa
maneira que o portentoso escritor, o profundo conhecedor de emoções, em tom de completa
confiança, disse-me tamanho disparate, ofensivo a qualquer músico. O que se
deve fazer em casos como esse? Discutir?... Eu deveria dar-lhe um sermão.
-Leon Tolstoi, contudo, compôs um livro
que chamou de Sonata Kreutzer, tirada de uma composição de Beethoven.
-Você se refere a Sonata para violino
nº9, que Beethoven dedicou primeiramente a um violinista mulato da Polônia e,
depois, a um francês? É uma obra em que a presença da amante é obsessiva, isso
atraiu Tolstoi.
-Tchaikovsky, ouvindo o andante cantabile
do seu Quarteto de cordas nº 1 em ré maior, opus 11, Tolstoi chorou na plateia.
-A minha composição é melancólica, de
fato.
-Apesar das fotografias que o mostram
austero e por demais envelhecido, você atendia pelo apelido de Petia.
-Só os íntimos me tratavam assim.
-No ano em a baronesa von Meck passou a
ajudá-lo, você escreveu uma carta íntima a seu irmão, confessando as tendências
homossexuais que o atormentavam. Não foi isso?
-A baronesa não aceitaria
homossexualismo, como todo o povo russo, sempre moralista.
-No ano seguinte, 1877, uma das suas
alunas, Antonina Miliukova quis juntar-se a você e o casamento ocorreu.
-Era um casamento de fachada, eu não a
enganei, fui bem explícita, ela, porém, mostrou-se loucamente apaixonada.
Ficamos quinze dias juntos depois do casamento.
-Como irmãos?
-Meus amigos se surpreenderam quando
anunciei meu casamento.
-E depois desses quinze dias de
lua-de-mel?
-Passei três meses na Ucrânia com minha
irmã.
-E Antonina Miliukova na Rússia?
-Quando retornei, ela logo me assediou e
eu tratei de viajar por diversas cidades europeias para escapar dela. De onde
eu estava, propus-lhe o divórcio, ela não aceitou. Reforcei o pedido com
generosas quantias, mas eu era a ideia fixa dela.
-Levou o casamento a sério.
-Julgava que o meu problema era com ela,
mas era com as fêmeas em geral.
-Você nunca se sentiu atraído por uma
mulher, na vida, Tchaikovsky?
-Tive uma quedinha por Désiré Artot,
mezzo-soprano francesa, que exibia generosos decotes. Conhecia-a numa turnê na
Europa, por poucos dias. Ela me escreveu que se casou e que vivia muito feliz.
-Sobre a sua esposa Antonina Miliukova,
ela foi morar numa casa próxima à sua tumba e lá enlouqueceu.
-A história terminou mais triste do que
eu imaginava. - comentou Tchaikovsky.
-E as suas criações, vamos falar delas,
que são incontáveis e sempre contam com a apreciação do público, tanto da
Rússia como os dos demais países.
-Teremos de falar muito. - disse.
-Iniciemos com uma das suas mais
populares obras, a Abertura 1812.
-Em 1880, Nikolai Rubinstein me incumbiu
de compor uma abertura sinfônico-coral, com um tema patriótico, para inaugurar
a exposição de Moscou.
-Você se reportou, então, a vitória dos
russos sobre os franceses na campanha napoleônica de 1812?
-Usei, nessa Abertura, a Marcha Eslava,
que era o Hino Nacional da Rússia, Deus Salve o Czar, La Marseillaise ,
um coro, dezesseis tiros de canhão e bimbalhar de sinos.
E arrematou com uma autocrítica:
-Muito brilho e pouca música.
-A Vitória de Wellington, Opus 91, de
Beethoven, não é grandes coisas também. - ponderei.
-Trabalhos de encomenda com temas
festivos não se coadunam com a música mais apurada. - declarou.
-E o seu célebre Concerto para Piano e
Orquestra nº 1, em Si
Bemol Menor ?
-Dediquei-o ao pianista Nikolai
Rubinstein, que o considerou mal escrito. Passei-o, então, a Hans von Büllow.
-Hans von Büllow, o maestro das óperas
de Wagner, casado com a filha de Franz Lizst, que largou-o para viver com o
autor do Anel dos Nibelungos. - interrompi.
- Hans von Büllow ficou maravilhado com
o meu Concerto e o estreou em Boston.
-Com o passar dos anos, a popularidade
do seu concerto cresceu tanto que foi vulgarizado, porém, intérpretes, como a
pianista Martha Argerich com o maestro Claudio Abbado e a Filarmônica de
Berlim, colocam a sua música no lugar que merece.
-Na minha quinta sinfonia, aproveitei uma melodia assoviada por uma
pessoa da rua. Na Itália, aproveitei também a manifestação popular no meu
Capricho Italiano. - divagou.
-Na sua sexta sinfonia, Patética, há
momentos que a música chora.
-Eu, na gestação dessa obra, chorei
muitas vezes.
-E morreu poucos dias depois da estreia
porque tomou um copo d' água, sem
cuidados com a higiene, enquanto grassava o cólera. Dizem que foi uma forma de suicídio.
-Mentira! Eu gostava de viver e sublimar
minha melancolia romântica na música. - afirmou antes de partir.
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