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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4033 Data: 23 de
setembro de 2012
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O SABADOIDO DA CULTURA
AO TRIBUNAL
PARTE II
Fiz a minha aparição na assembleia do
Sabadoido no momento em que se discutia a especificidade das mercadorias dos
supermercados.
-Eu, quando tenho de comprar Ana Maria
para o lanche da Kiara (neta do Luca), não quero saber que sabor essa Ana Maria
tem, coloco no carrinho e levo.
-Eu comprei, certa vez, talharim nº 10
em vez de nº 8 e recebi uma reprimenda em casa pela minha ignorância
macarrônica. - citei esse caso para me enquadrar logo na reunião.
-Eu só não erro na compra das garrafas
de birita. - declarou meu irmão, aprovado pelo riso do Vagner.
-Fazer compras tem a sua ciência. -
afirmou a Gina do alto das suas cinco mil horas de supermercado.
Quando o assunto estava esgotado, Luca
se voltou para mim:
-Você escreveu recentemente sobre o
programa do Boechat; pois agora ele entrevistou um estudioso que se referiu à
palavra bunda. Ele disse que a origem é africana, que o português não fala esse
vocábulo tão sonoro.
-Os portugueses dizem nádegas.
-Esse entrevistado do Boechat afirmou
que são 200 milhões de brasileiros falando o português, enquanto em Portugal,
são 20 milhões. E, então, reportou-se às inúmeras expressões com a palavra
bunda. - prosseguiu o Luca.
-E pé na bunda? - interveio o Claudio.
Enquanto o Luca confirmava, vinha-me à
mente o pé na bunda que o arcebispo Coloredo dera no jovem Mozart, em
Salzburgo.
Em seguida, Luca se pôs a recitar alguns
versos de Carlos Drummond de Andrade que aludiam à parte calipígia do corpo
humano.
Gina mudou de assunto.
-Sábado passado, vocês não ouviram as
minhas críticas aos ministros do STF que julgam o mensalão. Aquele Fux, só faz
citações, a Carmem Lúcia parece uma bruxa com aquele cabelo, o Tófolli segue o
revisor que, por sua vez, segue o PT...
-Não fale do nosso Batman, o Joaquim Barbosa
de capa. - interrompeu-a o Claudio.
Gina aproveito o gancho da capa de jiuz.
-O Ricardo Lewandowski, com aquela capa,
é um autêntico vampiro.
-Ele, como Drácula, convence mais do que
o Christopher Lee. - dei-lhe razão.
Aproveitei o aparte para prosseguir:
-O Claudio estava com a razão quando
afirmou que o Marco Aurélio de Mello é o ministro do contra. Houve um
julgamento no TSE, presidido pela Carmem Lúcia, sobre uma disputa entre pai e
filho pela prefeitura de uma cidadezinha. Todos votaram pelo impedimento de uma
das candidaturas, porque a Constituição proíbe disputas eleitorais entre
consanguíneos, exceção do mencionado Marco Aurélio que julgou que a rivalidade
política estava acima do parentesco.
-Nós falamos das capas, mas os juízes
usavam aquelas perucas brancas anos atrás. No filme “Testemunha de Acusação”, o
juiz está com a peruca.
Luca se animou tanto, que se levantou da
cadeira.
-Não diga, Claudiomiro! Eu sei tudo! O
juiz (*) é o Charles Laughton; o acusado, o Tyrone Power; e a esposa, a Marlene
Dietrich.
-E quem dirigiu o filme?- sabatinou-o o
Claudio.
-Quem? - reforçou o Vagner sadicamente a
pergunta.
-Não me recordo do diretor, Claudiomiro.
-Billy Wilder.
-O grande Billy Wilder. - murmurou para
não esquecer mais.
E do cinema voltamos à política.
Ficara no ar que o mensalão conteve o
ímpeto popular pelo PT, nessa época de eleições, porém o Luca diagnosticou o
mal no Maluf.
-O grande erro do Lula foi se aliar ao
Maluf para eleger o Fernando Haddad, em São Paulo , pior: ainda se humilhou quando o Maluf
exigiu que ele fosse à sua casa. Quem se une ao Maluf, não ganha nada.
-Luca, ainda existe uma parcela
considerável de paulistas que vota no Maluf. - ponderou meu irmão.
-Colocar o Crivella no Ministério da
Pesca para obter apoio da Igreja Universal foi ingenuidade, pois os evangélicos
estão com o Russomano. Pôr a Marta Suplicy, com tamanha rapidez, no Ministério
da Cultura, depois que ela resolveu apoiar o Fernando Haddad foi outro erro
crasso, pois ficou por demais evidente a politicagem do toma lá dá cá. -
manifestei-me.
-Eu sei que esses políticos não prestam.
- condensou tudo num desabafo o Luca.
-Política não é religião ou futebol para
ser discutida com passionalismos. Quem endeusa um político é um ingênuo. Antes
de vocês chegarem, eu criticava, com o Claudio, algumas medidas do Fernando
Henrique Cardoso, que é um político digno da minha admiração.
-Eu também quero distância dos petistas
xiitas. Muitos intelectuais até largaram o PT por discordância de certos
procedimentos. - bradou o Luca.
-Luca, você considera o intelectual uma
pessoa inteligente?- encarou-lhe a Gina, enquanto fazia essa pergunta.
Antecipei-me.
-Há pessoas que se utilizam de uma vasta
erudição para defender sandices.
-O Paulo Coelho se julga
intelectual.
-Luca, o Paulo Coelho é vítima de muita
inveja.
Ratifiquei a observação do Claudio
citando Anselmo Duarte que, por vencer o Grande Prêmio de Cannes e conquistar
belas francesas, porque era também um homem bonito, foi vítima de invejosos, no
Brasil, o que o impediu de avançar na carreira cinematográfica.
-Mas o Paulo Coelho afirmou que é o
maior intelectual do Brasil porque tem alguma coisa a dizer ao mundo inteiro,
por isso vende mais livros. - insistiu o Luca.
-Ele, então, confunde talento com
comércio.
As minhas palavras mal foram ouvidas
porque um estrondo metálico nos deixou sobressaltados. Apareceu, então, o
Daniel que, vindo da casa da prima, chutara violentamente a folha de flandres da
porta da garagem onde nos encontrávamos.
-Poxa, Daniel, imaginei uma batida de
ônibus. - reclamei.
Luca, que se erguera com o susto, declarou
que escutara um barulho semelhante àquele do tempo da sua loteria esportiva com
o Vagner, quando viu, depois, que o seu carro fora arremessado a metros de
distância do local em que o estacionara.
-Vai
se arrumar, Daniel, que nós vamos sair ao meio-dia. - apressou-o a mãe.
-Eu levo vocês. - ofereceu-se o Luca.
Com a saída temporária de mãe e filho, o
assunto cinema voltou à baila.
-Eu tenho amigos que afirmam que o
Chaplin foi um canalha; tratou mal as mulheres e era um tirano com quem
trabalhava com ele...
Tomado por uma fúria de Zola no Caso Dreyfus,
não deixei o Luca terminar.
-Como canalha?!... Charles Chaplin
denunciou a situação dos trabalhadores automatizados em “Tempos Modernos”;
denunciou as perseguições nazistas em “O Grande Ditador”. Esse filme foi
realizado numa época em que os Estados Unidos não estavam em guerra contra a
Alemanha, desagradou a muitos americanos e chegou a ser proibido. Então, o Luca
cita...
-Não fui eu que falei isso. - protestou o
Luca em voz alta.
-Eu me refiro aos imbecis que você
citou. E continuei:
-Foi tachado de tirano porque era
perfeccionista; exigia muito dos outros e mais ainda dele, que fazia quase tudo
de um filme, inclusive a música. Por trabalhar muito, teve problemas conjugais
com a Paulette Godard, por exemplo, que era a paixão de George Gershwin. Com
uns 54 anos de idade, casou com Oona O' Neil, com 19 e ficaram juntos, com
muitos filhos, até ele morrer aos 88 anos de idade.
E concluí:
-Com tantos canalhas no Brasil, e esses
seus amigos me vêm com Charles Chaplin...
Logo, apareciam o Daniel e a Gina, e
saímos todos, inclusive o Vagner, no carro do Luca, no meio de um ambiente
plenamente descontraído.
(*) O
impagável Charles Laughton é o advogado da defesa, Sir Wilfrid Robarts. Um dos
diálogos mais interessantes retrata o momento em que Sir Wilfrid faz que lê
declarações de Christine Vole em um papel branco e:
Christine Vole: It
isn't even my letter paper! I write my letters on small, blue paper with my
initials on it?
Sir Wilfrid: Like these? [pulling out a sheaf of letters on blue paper]
Sir Wilfrid: Like these? [pulling out a sheaf of letters on blue paper]
Depois, Sir
Wilfrid explica que o papel branco era a conta do seu alfaiate.
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