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quarta-feira, 3 de outubro de 2012

2233 - a testemunha

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4033                               Data: 23 de setembro de 2012
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O SABADOIDO DA CULTURA  AO  TRIBUNAL
PARTE II

Fiz a minha aparição na assembleia do Sabadoido no momento em que se discutia a especificidade das mercadorias dos supermercados.
-Eu, quando tenho de comprar Ana Maria para o lanche da Kiara (neta do Luca), não quero saber que sabor essa Ana Maria tem, coloco no carrinho e levo.
-Eu comprei, certa vez, talharim nº 10 em vez de nº 8 e recebi uma reprimenda em casa pela minha ignorância macarrônica. - citei esse caso para me enquadrar logo na reunião.
-Eu só não erro na compra das garrafas de birita. - declarou meu irmão, aprovado pelo riso do Vagner.
-Fazer compras tem a sua ciência. - afirmou a Gina do alto das suas cinco mil horas de supermercado.
Quando o assunto estava esgotado, Luca se voltou para mim:
-Você escreveu recentemente sobre o programa do Boechat; pois agora ele entrevistou um estudioso que se referiu à palavra bunda. Ele disse que a origem é africana, que o português não fala esse vocábulo tão sonoro.
-Os portugueses dizem nádegas.
-Esse entrevistado do Boechat afirmou que são 200 milhões de brasileiros falando o português, enquanto em Portugal, são 20 milhões. E, então, reportou-se às inúmeras expressões com a palavra bunda. - prosseguiu o Luca.
-E pé na bunda? - interveio o Claudio.
Enquanto o Luca confirmava, vinha-me à mente o pé na bunda que o arcebispo Coloredo dera no jovem Mozart, em Salzburgo.
Em seguida, Luca se pôs a recitar alguns versos de Carlos Drummond de Andrade que aludiam à parte calipígia do corpo humano.
 Gina mudou de assunto.
-Sábado passado, vocês não ouviram as minhas críticas aos ministros do STF que julgam o mensalão. Aquele Fux, só faz citações, a Carmem Lúcia parece uma bruxa com aquele cabelo, o Tófolli segue o revisor que, por sua vez, segue o PT...
-Não fale do nosso Batman, o Joaquim Barbosa de capa. - interrompeu-a o Claudio.
Gina aproveito o gancho da capa de jiuz.
-O Ricardo Lewandowski, com aquela capa, é um autêntico vampiro.
-Ele, como Drácula, convence mais do que o Christopher Lee. - dei-lhe razão.
Aproveitei o aparte para prosseguir:
-O Claudio estava com a razão quando afirmou que o Marco Aurélio de Mello é o ministro do contra. Houve um julgamento no TSE, presidido pela Carmem Lúcia, sobre uma disputa entre pai e filho pela prefeitura de uma cidadezinha. Todos votaram pelo impedimento de uma das candidaturas, porque a Constituição proíbe disputas eleitorais entre consanguíneos, exceção do mencionado Marco Aurélio que julgou que a rivalidade política estava acima do parentesco.
-Nós falamos das capas, mas os juízes usavam aquelas perucas brancas anos atrás. No filme “Testemunha de Acusação”, o juiz está com a peruca.
Luca se animou tanto, que se levantou da cadeira.
-Não diga, Claudiomiro! Eu sei tudo! O juiz (*) é o Charles Laughton; o acusado, o Tyrone Power; e a esposa, a Marlene Dietrich.
-E quem dirigiu o filme?- sabatinou-o o Claudio.
-Quem? - reforçou o Vagner sadicamente a pergunta.
-Não me recordo do diretor, Claudiomiro.
-Billy Wilder.
-O grande Billy Wilder. - murmurou para não esquecer mais.
E do cinema voltamos à política.
Ficara no ar que o mensalão conteve o ímpeto popular pelo PT, nessa época de eleições, porém o Luca diagnosticou o mal no Maluf.
-O grande erro do Lula foi se aliar ao Maluf para eleger o Fernando Haddad, em São Paulo, pior: ainda se humilhou quando o Maluf exigiu que ele fosse à sua casa. Quem se une ao Maluf, não ganha nada.
-Luca, ainda existe uma parcela considerável de paulistas que vota no Maluf. - ponderou meu irmão.
-Colocar o Crivella no Ministério da Pesca para obter apoio da Igreja Universal foi ingenuidade, pois os evangélicos estão com o Russomano. Pôr a Marta Suplicy, com tamanha rapidez, no Ministério da Cultura, depois que ela resolveu apoiar o Fernando Haddad foi outro erro crasso, pois ficou por demais evidente a politicagem do toma lá dá cá. - manifestei-me.
-Eu sei que esses políticos não prestam. - condensou tudo num desabafo o Luca.
-Política não é religião ou futebol para ser discutida com passionalismos. Quem endeusa um político é um ingênuo. Antes de vocês chegarem, eu criticava, com o Claudio, algumas medidas do Fernando Henrique Cardoso, que é um político digno da minha admiração.
-Eu também quero distância dos petistas xiitas. Muitos intelectuais até largaram o PT por discordância de certos procedimentos. - bradou o Luca.
-Luca, você considera o intelectual uma pessoa inteligente?- encarou-lhe a Gina, enquanto fazia essa pergunta.
Antecipei-me.
-Há pessoas que se utilizam de uma vasta erudição para defender sandices.
-O Paulo Coelho se julga intelectual.   
-Luca, o Paulo Coelho é vítima de muita inveja.
Ratifiquei a observação do Claudio citando Anselmo Duarte que, por vencer o Grande Prêmio de Cannes e conquistar belas francesas, porque era também um homem bonito, foi vítima de invejosos, no Brasil, o que o impediu de avançar na carreira cinematográfica.
-Mas o Paulo Coelho afirmou que é o maior intelectual do Brasil porque tem alguma coisa a dizer ao mundo inteiro, por isso vende mais livros. - insistiu o Luca.
-Ele, então, confunde talento com comércio.
As minhas palavras mal foram ouvidas porque um estrondo metálico nos deixou sobressaltados. Apareceu, então, o Daniel que, vindo da casa da prima, chutara violentamente a folha de flandres da porta da garagem onde nos encontrávamos.
-Poxa, Daniel, imaginei uma batida de ônibus. - reclamei.
Luca, que se erguera com o susto, declarou que escutara um barulho semelhante àquele do tempo da sua loteria esportiva com o Vagner, quando viu, depois, que o seu carro fora arremessado a metros de distância do local em que o estacionara.
 -Vai se arrumar, Daniel, que nós vamos sair ao meio-dia. - apressou-o a mãe.
-Eu levo vocês. - ofereceu-se o Luca.
Com a saída temporária de mãe e filho, o assunto cinema voltou à baila.
-Eu tenho amigos que afirmam que o Chaplin foi um canalha; tratou mal as mulheres e era um tirano com quem trabalhava com ele...
Tomado por uma fúria de Zola no Caso Dreyfus, não deixei o Luca terminar.
-Como canalha?!... Charles Chaplin denunciou a situação dos trabalhadores automatizados em “Tempos Modernos”; denunciou as perseguições nazistas em “O Grande Ditador”. Esse filme foi realizado numa época em que os Estados Unidos não estavam em guerra contra a Alemanha, desagradou a muitos americanos e chegou a ser proibido. Então, o Luca cita...
-Não fui eu que falei isso. - protestou o Luca em voz alta.
-Eu me refiro aos imbecis que você citou. E continuei:
-Foi tachado de tirano porque era perfeccionista; exigia muito dos outros e mais ainda dele, que fazia quase tudo de um filme, inclusive a música. Por trabalhar muito, teve problemas conjugais com a Paulette Godard, por exemplo, que era a paixão de George Gershwin. Com uns 54 anos de idade, casou com Oona O' Neil, com 19 e ficaram juntos, com muitos filhos, até ele morrer aos 88 anos de idade.
E concluí:
-Com tantos canalhas no Brasil, e esses seus amigos me vêm com Charles Chaplin... 
Logo, apareciam o Daniel e a Gina, e saímos todos, inclusive o Vagner, no carro do Luca, no meio de um ambiente plenamente descontraído.

(*) O impagável Charles Laughton é o advogado da defesa, Sir Wilfrid Robarts. Um dos diálogos mais interessantes retrata o momento em que Sir Wilfrid faz que lê declarações de Christine Vole em um papel branco e:
Christine Vole: It isn't even my letter paper! I write my letters on small, blue paper with my initials on it?
Sir Wilfrid: Like these? [pulling out a sheaf of letters on blue paper]
Depois, Sir Wilfrid explica que o papel branco era a conta do seu alfaiate.

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