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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4036 Data: 28 de
setembro de 2012
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69ª VISITA
À MINHA CASA
-E Tchaikovsky surgiu à minha frente.
-Obrigado pelas suas músicas. Comecei a
gostar de concertos, sinfonias, rapsódias, ouvindo a sua obra.
-E as minhas óperas?... Compus dez.
-Iniciei-me no amor pelas óperas ainda
garoto, então, as que caiam no meu gosto eram as mais populares, as que tinham
árias tocadas até na Rádio Guanabara e cenas mostradas na TV Tupi de década de
50, como “Os Palhaços”, “Carmem”, “Cavaleria Rusticana”...
-Dessas que você citou, só conheci
“Carmem”, que eu às vezes tocava no piano por puro deleite. - disse
Tchaikovsky.
-Tenho um amigo que levava convidados
para comentar óperas no seu programa de rádio. Quando as óperas eram da sua
lavra, ele me dizia que tinha que acionar a comunidade ...
-A comunidade gay?... A velha
história do meu homossexualismo. - expressou tédio no seu sorriso.
-Um desses comentaristas, um psicólogo
que era uma autêntica enciclopédia lírica, afirmou que você sublimou as
torturas da sua alma na música da Tatiana da ópera Eugene Onegin.
-Nessa ópera, considerei tão grande o
meu atrevimento em colocar notas musicais numa história de Puschkin, que
encenei a ópera no conservatório, em vez do teatro.
-Autocrítica despropositada, pois, para
mim e muitos outros, você compôs a mais bela ópera russa que existe.
-Dama de Espada talvez supere Eugene
Oneguin.
-Na Dama de Espada, você cita Mozart.
-Ninguém alcançou a excelência musical
de Mozart. - afirmou.
-Recordo-me que, nos anos 60, do século
XX, o jornal O Globo dedicava uma página inteira à música clássica. Certa vez,
o tema foi a predileção dos grandes compositores, como você, Brahms, Chopin,
Gounod, por Mozart. No seu caso, é transcrito um texto seu em que você
estabelece uma comparação entre o gênio de Salzburgo e de Bonn. Você escreveu
que a música de Beethoven é como o Deus assustador do Antigo Testamento,
enquanto a música de Mozart se ajusta mais a Jesus Cristo, ou seja, é divina
sem deixar de ser humana. E finaliza afirmando que Beethoven descambou para o
caos.
-Na sua última fase de compositor, a
música de Beethoven era o próprio caos. - ratificou.
-Para muitos musicólogos, é o gérmen da
música moderna.
-Quando eu era vivo, atribuíam a Wagner
essa abertura para a nova música.
-Você foi a Bayreuth, na Alemanha,
assistir a Tristão e Isolda.
-Tristão e Isolda é de uma lentidão
enfadonha e vaga, destituída de vibração, de vida, incapaz de atrair a atenção
do público.” - criticou.
-Sobre a lentidão, Tchaikovsky, o
maestro Toscanini disse, referindo-se ao extenso dueto de amor que, se fosse na
Itália, eles já estariam com netos; contudo, ele, Toscanini, era o primeiro a
exaltar as inovações criadas por Wagner nessa ópera. O pessimismo filosófico de
Schopenhauer foi também musicado por Wagner nessa obra.
-Richard Wagner, apesar do seu dom, sua
incomparável inteligência, seu talento poético e sua educação esmerada, trouxe
à arte, em geral, e à ópera, em particular, apenas momentos negativos.
-Tchaikovsky, seus admiradores, que são
muitos, lembram que, dos compositores aclamados, você, como Mozart, sentia-se
igualmente confortável compondo óperas, sinfonias, concertos, obras para piano,
violoncelo, violino...
-Mas não consegui, como Mozart, elaborar
uma obra que deleitasse os apreciadores e os conhecedores mais exigentes de
música. Mas quem alcançou o nível de Mozart?
-Tchaikovsky, você era filho de um
engenheiro ucraniano de minas e a sua mãe, embora russa, tinha ascendência
francesa.
-Sim; interessei-me por música com cinco
anos de idade, tocando um velho órgão mecânico ajudado pela minha mãe. Quando
eu tinha oito anos de idade, ou seja, em 1848, nós nos mudamos para São
Petersburgo. Lá, diversos professores me ministraram aulas de teoria musical.
-Parecia que a sua família o preparava
para a carreira dos sons.
-Mas não foi assim; quiseram-me advogado, e
fui matriculado na Escola de Direito de São Petersburgo; mostrei-me um aluno
interessado e antes de me formar empreguei-me como funcionário do Ministério da
Justiça.
-Nesse ínterim, morreu sua mãe.
-Eu tinha quatorze anos, nunca me
recuperei dessa perda.
-Quando você sentiu que não era mais
possível abafar a sua vocação?
-Em 1863. Frustrei as expectativas do
meu pai e desisti completamente da carreira jurídica. Matriculei-me no
Conservatório de São Petersburgo e lá fiquei durante três anos. No
Conservatório, aprofundei-me nas obras dos mestres austríacos e alemães,
conheci as composições de Franz Liszt, Schumman, Glinka, Meyerbeer.
-Seu professor de orquestração foi Anton
Rubinstein, e de composição, Nicolai Zaremba?
-Isso.
-O seu progresso veio aceleradamente,
pois o irmão de Anton Rubinstein, Nikolai, diretor do Conservatório de Moscou,
convocou-o para dar aulas de Teoria Musical e Composição.
-Sim, fui professor de 1866 a 1978.
-Em 1867, foi designado pelo
Conservatório de Moscou para receber Berlioz, que visitava a Rússia.
-Eu apreciava particularmente a Sinfonia
Fantástica, que ele compôs em 1830.
-Tchaikovsky, havia sido formado, na
Rússia, o Grupo dos Cinco, por Balakirev, César Cui, Mussorgski, Borodin e
Nokolai Rimsky-Korsakov.
-Em 1868, eu tive contato com o Grupo
dos Cinco.
-E eles não tentaram mudar o nome para
Grupo dos Seis?
-Os cinco compartilhavam o ideal de
elaborar uma música nacionalista, baseada no folclore russo, insurgindo-se
contra a influência das escolas francesa e italiana.
-E a sua música fugia do escopo deles.
-Eu utilizava melodias populares da
Rússia, mas eu não conseguiria abandonar os elementos ocidentais da música na
hora da criação.
-Há um trecho da sua Quinta Sinfonia que
foi inspirado num trecho assoviado por um pintor de paredes, que uma vez você ouviu.
- citei.
-Sim; trecho que eu revesti com as
influências que recebi da música europeia. A Rússia, afinal, é tão grande que
pertence a Europa e a Ásia.
-Assim, você se tornou um nome nacional,
para os russos e o mais popular compositor do seu país no mundo ocidental.
E acrescentei:
-Não duvidarei se, de todos os autores
clássicos, você seja considerado o mais popular.
-Não se esqueça que, certa vez, um
jornal fez uma eleição sobre as três personalidades mais célebres da época; em
primeiro lugar ficou a Rainha Vitória, em segundo, o Chanceler Bismark, e, em
terceiro, Johann Strauss, da valsa Danúbio Azul. - ponderou.
-Mas prossigamos, Tchaikovsky.
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