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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

2230 - cerol de tantalita


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4030                               Data: 17 de setembro de 2012
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O  SABADOIDO DOS 1001 E DOS 10 MAIORES DE TODOS OS TEMPOS
PARTE II

-Luca telefonou para avisar que não vem, porque tem de levar a filha de carro a um compromisso, depois a neta. Ele está, enfim, hoje, com a função de motorista da família. – informou-me a Gina.
-Sim.
-A preocupação dele era com as suas sacolas de compra, que você tem que carregar até em casa a pé. Eu lhe disse que você não comprou nada.
-Na verdade, Gina, só quando estava na metade do caminho para cá, percebi que esquecera o dinheiro em casa. Mas eu já me encontrava naquilo que os americanos chamam de “point of no returnn”.
-O que é isso? – estranhou.
-Numa trajetória, chega-se a um ponto em que a volta à partida é fisicamente impossível, isso é o “point of no returnn”; aconteceu com o voo da Apolo 13; não dava mais para voltar depois que os problemas espocaram na nave.
-Isso tudo é para dizer que você estava com preguiça de retornar para casa e encher a pochete de dinheiro? – simplificou minha cunhada.
-Isso e mais o fato de ocorrer agora, na Praça Manet, um festival de pipas. São umas vinte pessoas de meia idade empinando pipa. Eu tive de driblar inúmeras linhas com cerol para não ter o pescoço cortado; não iria passar de novo por essa experiência.
-Mas vai ter de passar sem a carona do Luca.
-Sim, mas estarei, então, com mais fôlego para atravessar todas aquelas linhas cruzadas.
E perguntei pelo Claudio.
-Ele foi ao Wal Mart, mas chega logo. - informou-me.
-Se o Vagner não veio até agora, não vem mais.- concluiu.
-O Claudio diria que o cavalo ficará neste sábado sobrecarregado, pois substituirá dois.
Eu trouxe um envelope para a Rosa Grieco e a ausência do Luca atrapalha os meus planos. - pensei sem me manifestar.
Gina se reportou à festa do dia anterior e eu falei da minha ida até ela.
-Para chegar a Usina, eu pretendia sugerir o Túnel Noel Rosa, mas o Lopo (meu irmão mais novo) discordou com o argumento de que os bandidos das proximidades poderiam causar problemas.  Quando pegamos o táxi, pouco depois das seis da tarde, o próprio motorista garantiu que não havia perigo no Túnel e o Lopo se convenceu.
-O taxista foi também pelo Túnel Noel Rosa na minha ida para lá com o Daniel.
Como voltamos os quatro juntos no mesmo táxi, não tocamos no assunto, ou seja, que o Túnel Noel Rosa foi evitado porque já se aproximava da meia-noite, hora em que a bandidagem se assanha.
Pouco depois, reaparecia o Claudio.
-Você leu sobre a tantalita que a Venezuela exporta, clandestinamente, para o Irã?
E, sem pausa, acrescentou, com a notícia ainda fresca na sua mente:
-A mercadoria, na verdade, é contrabandeada do Brasil para a Venezuela.
-Cláudio, eu começava a trabalhar na SUNAMAM, em 1979, quando a tantalita nos causou um problema dos diabos.
-Não é maior do que o que causa agora. - comparou.
Dei início, então, às minhas reminiscências.
-Em 1979, o tráfego marítimo das chamadas cargas nobres eram cartelizados pelas conferências de frete. Assim, o comércio entre o Brasil e os Estados Unidos se enquadrava na Conferência Interamericana de Fretes - CIAF. Havia alentados volumes com o valor do frete de cada mercadoria comercializada.
-Vocês olhavam essa tarifa e diziam o valor do frete da carga?
-Sim.
- E qual era o frete da tantalita?
-Você foi na ferida, Cláudio.  Os exportadores da tantalita para os Estados Unidos acordaram um frete com a CIAF e a SUNAMAM, que parecia razoável.  Depois, descobriu-se que a tantalita, além de ser usada na produção de ligas metálicas de alta resistência ao calor, bem como à abrasão e à corrosão por substâncias ácidas, também entrava na fabricação de motores de foguete. 
-O valor, então, foi às nuvens? – concluiu.
-Foi, mas o frete das conferências de frete só poderia subir anualmente e no percentual do reajuste geral, que nós, da SUNAMAM, calculávamos. Surgiu, então, a briga: a Conferência Interamericana de Fretes querendo aumentar o frete e o exportador não aceitando.
-Pelo que entendi, majorar o frete, quebrava a regra. – interveio o Claudio.
-A CIAF tinha um argumento de peso: uma carga preciosa  acarretava um seguro elevado, e o seguro é um dos componentes do custo do frete.
-E como isso terminou?
-Após semanas e mais semanas de arranca-rabo, estabeleceu-se um frete ad valorem para a tantalita.  Se eu não me engano, 2,5% sobre o valor FOB por tonelada.
-Além da indústria espacial, a Tantalita também é utilizada em reatores nucleares.
-Pois é, Claudio; proibiram, por isso, a sua exportação para o Irã.  Agora, surgiu a notícia que, clandestinamente, o Hugo Chaves envia tantalita para o Irã e que ela é proveniente dos garimpos de Guajará-Mirim, em Rondônia.
-Ela passa pela Bolívia antes de chegar a Venezuela. - disse o Claudio.
-Pelo que li, apreenderam 2 toneladas e, depois, 18.
-Quanta riqueza nossa se esvai pela fronteira! - indignou-se meu irmão.
Estou de volta. - era o Daniel, que dava por encerrada a sua caminhada.
-Daniel, enquanto eu aguardava a passagem do tempo para ir à festa, assisti a um excelente documentário sobre os acidentes nas corridas de automóvel do passado.
-Você assistiu até o fim, Carlão.
-Tive de desligar a televisão na morte do Jim Clark.
-Ele morreu na Alemanha.
-O Colin Chapman era um gênio da construção de carros, mas colocava em risco a segurança de quem os pilotava. - afirmei.
-Carlão, com ou sem Colin Chapman, morreriam quase todos aqueles pilotos. - declarou.
-O médico que socorreu o Airton Senna, em San Marino, morreu nesta semana.
Mas meu sobrinho sabia da notícia com minúcias que eu desconhecia:
-O Sid Watkins?... Partiu dele a ideia do Hans, a proteção de pescoço e cabeça contra a desaceleração repentina nas colisões, e a célula de sobrevivência, onde ficam os pilotos, que se mantém intacto depois das batidas a mais de 200 quilômetros por hora.
Depois de uma breve pausa, bradou que tomaria banho, pois o suor da caminhada já lhe secara no corpo.
Quanto a mim, pedi para deixar o envelope da Rosa Grieco lá e fui sem nada nas mãos para casa enfrentar as linhas com cerol...





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