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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4043 Data: 13 de outubro de 2012
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COMENTÁRIOS NO TÁXI
-E o metrô?
-Os taxistas, quando querem puxar
conversa comigo, geralmente se referem ao tempo ou ao meio de transporte que me
levou até eles. Olhei para o 124, que vejo nas minhas idas à estação de Del
Castilho, por volta das 6 da manhã, não às 16h 40min, e respondi:
-Muita gente gorda, nos vagões do trem
do metrô. Ouvi o doutor Drauzio Varela afirmar que o maior assassino do século
XX foi o cigarro e do século XXI será a obesidade.
-Começam de criança entupindo-se de Coca-Cola.
- disse ele.
-Além do excesso de açúcar, a Coca-Cola,
como outros refrigerantes, tem sódio, que é um dos componentes do sal. -
acrescentei.
-Outro dia, dois passageiros conversavam
no banco traseiro. Um deles esteve em Portugal e falava de lá. Sabe uma das
coisas que ele disse?
Não se tratava de uma daquelas sabatinas
do Sabadoido, era uma pergunta retórica, por isso, eu fiz silêncio para ouvir
sua resposta.
-Ela disse que a batata frita que os
portugueses servem já vem salgada. Você sabe o que isso significa?
-Sei.
Pretendia não ser monossilábico, mas o
124 se antecipou.
-Isso significa que, caso você seja
hipertenso, que se dane a sua saúde. A sua dieta de sal não será mais ditada
pelo seu médico e sim por um funcionário de lanchonete portuguesa.
-Aqui, no Brasil, nós recebemos a batata
frita, num recipiente, e sachês com sal para que a salgadura fique ao nosso
critério.
-O certo é isso; pois as doenças cardiovasculares
são as que mais matam. Eu imagino que o índice em Portugal é altíssimo. -
clamou.
-Aqui entre nós: vejo por aqui, no
Brasil, o pessoal espargindo sal de muitos sachês no que comem, tanto em
lanchonetes como em restaurantes.
-Se não sofrem de hipertensão, como eu,
vão sofrer. - prosseguiu com a voz acima do volume.
-A Organização Mundial de Saúde
considerou muito elevado o índice de sódio nos alimentos brasileiros, como o
pão nosso de cada dia, assim, teremos de nos ajustar anualmente até alcançarmos
um índice de sódio que não comprometa a saúde.
-Eu ouvi alguma coisa no noticiário do rádio.
- disse ele que, visivelmente, ignorava essa informação dada por mim.
-O índice de corrupção do Brasil tem de
cair também. - bradou, enquanto eu saltava do seu táxi na Rua Modigliani.
No dia subsequente, entrei no carro do
Bob Esponja, que estava animado.
-Amanhã, tem a nossa peladinha noturna.
-Continua jogando futebol?
-Jogo para ter sede e, depois, esvaziar
umas garrafas de cerveja.
E aditou arrependido, como se eu não
soubesse que ganhara esse apelido por exagerar na bebida alcoólica:
-Duas garrafas, no máximo...
-E o seu problema com a diabetes já está
superado?
-Isso nunca fica superado. - lamentou.
-Navega pela internet uma beberagem que
joga o nível de glicose para a normalidade: leite de alpiste.
Espantou-se com o que eu disse.
-O que é isso? Mistura de leite de vaca
com alpiste de passarinho: envolve dois animais que não combinam.
E arrematou:
-Há muita bobagem na internet.
-Concordo, mas, certo dia, eu almoçava
num restaurante defronte à Gaiola de Ouro...
-A Gaiola de Ouro?...
Depois de lhe explicar que a Câmera dos
Vereadores recebeu esse cognome em anos anteriores à Revolução de 1964,
prossegui:
-Sentaram numa mesa colada à minha dois
senhores bem trajados. Um deles passou a falar da diabetes de um amigo e do que
ele fazia para combatê-la.
-Tomava leite de alpiste. - adivinhou
rapidamente.
-Dizia o tal senhor que o amigo colocava
num pote de água filtrada uma caneca cheia de alpiste. Deixava, então, a coisa
de molho de um dia para o outro.
-Umas 12 horas de molho, imagino. -
interveio o Bob Esponja.
-Em seguida, ele colocava tudo, depois
de renovar a água, no liquidificador e batia bem.
Fui mais uma vez interrompido pelo Bob
Esponja, o que me obrigava a me confundir com o verdadeiro narrador.
-Aquele mosto, vamos chamar assim,
embora se refira mais à uva, é coado, porque o alpiste é revestido por uma casca.
-A casca do alpiste fica fora.
-Fica um líquido com aparência de leite
que deve ser ingerido depois de coado.
-Beber esse troço sem açúcar?
-O sujeito é diabético, como vai beber
com açúcar. - retruquei.
-Eu não quis dizer isso, eu digo um
adoçante, pelo menos para poder engolir.
-Segundo esse senhor, que se encontrava
praticamente ao meu lado, no restaurante Cristal, garantiu ao seu interlocutor
os índices de glicose do doente caíram para a faixa normal, 70, 80. E informou
que há dois dias que ele também bebe leite de alpiste.
-Eles que bebam, que eu continuo com as
minhas cervejas. - disse, deixando-me na Rua Modigliani.
No outro dia, peguei o táxi 017, do
Dedão do Arqueiro Inglês.
-Tudo bem? - perguntou-me crispado, sem
a luminosidade no rosto, como a do
Botafoguense, sempre alegre, embora o seu
clube sofra com as derrotas,
ultimamente.
-Tudo bem. - respondi.
-Ele não rodou 200 metros da Rua
Domingo de Magalhães, quando se viu obrigado a diminuir a velocidade.
-Olhe a jamanta, olhe. Toma toda a
rua!... - cuspiu marimbondos.
-Ele está a uns 15 quilômetros por
hora, não pode dirigir nessa velocidade.- protestei.
-E eles querem saber disso?
-Ninguém quer saber das leis neste país.
- dei-lhe razão.
-Ele procura por um número na placa das
casas dirigindo pela esquerda.
-Não é a primeira vez que isso acontece.
Recordo-me que uma vez, no seu táxi, um caminhão-baú fez a mesma coisa.
-Isso é comum. - rezingou.
Logo, a jamanta abriu passagem, e o
Dedão do Arqueiro Inglês o ultrapassou. Continuou, no entanto, zangado.
-Veja onde este caminhão estacionou? -
indicou-me com a cabeça uma esquina.
-Eu aprendi na autoescola que esses
veículos pesados devem estacionar a 10 metros das esquinas, no mínimo.
-Quem respeita as leis no Brasil, a
começar lá por cima? - vociferou.
O pior estava para vir, afirmo com toda
fidelidade aos fatos que ocorreram. Ao
manobrar para dobrar a direita, o 017 teve de frear porque um motorista, que
entrava à esquerda, pelo meio da pista, viu o seu carro morrer. Os olhares de
três pessoas se cruzaram.
-Cacete. - rosnou o 017.
Vencida a dificuldade, o motorista
conseguiu dobrar à esquerda.
-Você viu o olhar de deboche dele? -
perguntou-me o 017.
Julguei o olhar do sujeito impregnado de
vergonha, mas não era hora de eu contrariá-lo, por isso, mantive-me calado até
a Rua Modigliani.
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