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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4040 Data: 08 de
outubro de 2012
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DE MANGARATIBA PARA O SABADOIDO
Luca contou o porquê da sua ida a
Mangaratiba no sábado passado, tratava-se de um assunto escabroso. Como
pretendemos discorrer apenas, nesse Sabadoido, sobre a Ação Penal 470, vulgo
mensalão, não dedicaremos uma só palavra a outros crimes ou, pelo menos, tentaremos.
Esse dia começou com uma informação do
meu sobrinho para mim:
-Os Correios vão festejar o meu
aniversário hoje, num almoço.
-É por isso que ele já acordou...
E as reticências da Gina foram
substituídas pelo vai e vem do seu dedo indicador que imitava o rabo de um
cachorro assanhado.
-Daniel, comemore, então, o meu
aniversário também. - pedi.
-Falando nisso, Carlão...
E sacou ele uma caixa de uma sacola.
-São as sandálias da humildade. -
antecipou-se o Claudio.
-As sandálias da humildade foram feitas
somente para os pés tricolores, segundo o Nélson Rodrigues e a filha daquele
seu amigo que é rubro-negra.
-Eu tenho DNA tricolor e tenho direito a
calçá-las. - reagi.
Com a pressa do Daniel, tudo andou
rápido naquela manhã. Em Poucos minutos, eu já estava no seu cybercafé. Acessei
as redes sociais e me deparei com três votos de congratulação pelo meu
aniversário. Agradeci o primeiro, o segundo, e só no terceiro, percebi que
escrevia em nome do Daniel.
-Só quem conhece as sabadoidices
entenderá isso. - concluí.
Enquanto meu sobrinho se vestia para
sair, coloquei o vídeo em que um menino, com acentuado sotaque nordestino,
cantava o “Pintinho Piu”. Daniel, sem perder muito tempo, parodiou o que ouvia:
“Lá em casa tem um Sabadoido,
Lá em casa tem um Sabadoido.
O Luca endiabrado,
O Claudio mamado,
O Vagner calado,
E o Carlinhos piu.
E o Carlinhos piu.
Em seguida, zangou-se comigo:
-Poxa, Carlinhos, agora essa música não
vai sair da minha cabeça.
-Há músicas que entram na nossa memória
como um vírus, mas essa é até engraçadinha.
-O diabo é que vou pensar em mil
paródias com ela.
-Pense nas mulheres bonitas que vão ao
seu almoço de aniversário nos Correios.
-Uma delas já roeu a corda, telefonou-me
agora e se desculpou por não ir.. - disse.
E saiu ele para o seu natalício, que
aconteceu, na realidade, no dia de São Cosme e Damião, enquanto eu procurava
acertar os erros que cometi no Facebook, nada sério se comparado com os
investidores que adquiriram suas ações desde que o seu capital foi aberto.
Vozes vindas de fora me anunciaram a
chegada dos integrantes do Sabadoido. Parti, então, para lá.
Luca e Vagner, de pé, ladeavam um
pequeno rádio em que se ouvia algo que eu ainda não identificara por causa do
tumulto. Minha mão foi estreitada fortemente pela do Luca, que me desejou boas
novas para os átrios, aurículas e ventrículos. Confesso que não percebi os
votos de felicidades pelo meu aniversário, talvez porque o Luca, um vitoriano
nos relacionamentos de amizade, tenha colocado todo o seu coração, digo, o meu,
nas congratulações.
-Escuta, Carlinhos. - disse, em seguida,
aproximando-me do CD que tocava.
-É o mais famoso fado que existe. -
disse, quando pude diferenciar a cacofonia dos frequentadores do Sabadoido das
palavras cantadas.
-Sabe quem canta?- sabatinou-me o Luca.
-Assim tão baixo, não distingo bem o
timbre.
-Ângela Maria.
-Sei que Amália Rodrigues era soberba
nessa interpretação. - afirmei.
-Enquanto Ângela Maria cantava, Luca se
punha a declamar em
seguida. Pensei , então,
no Luca como um adepto da música clássica; seria expulso do teatro por não
conseguir ficar quieto enquanto a música é tocada.
-”Olhar trocista.”-encantou-se ele com o
verso, enquanto a minha imaginação alçou voo:
-Será que já adjetivei algum olhar aqui
como trocista no Biscoito Molhado? Se não, falhei rotundamente, pois não faltam
por aqui esses olhares.
-Carlinhos, chega à idade em que pode
viajar até Campo Grande de ônibus sem pagar. - pilheriou o Claudio.
-Aproveite. - disseram o Lopo, meu irmão mais
novo e o Vagner, em uníssono.
-Sou inteiramente contra esses
privilégios, porque a conta será paga sempre por alguém. Gente com mais de 65
anos endinheirada não falta por aí. - declarei.
-Ouça, Carlinhos. - chamou a minha
atenção o Luca.
E ouvi,então, a voz da Ângela Maria
abafada pela sua declamação:
-”Ai Mouraria
das procissões a passar,
da Severa em voz saudosa,
da guitarra a soluçar.”
E especulou, em seguida, que Severa
deveria ter sido uma fadista. Acionado o Departamento de Pesquisas do Biscoito
Molhado, constatou-se que o Luca estava certo.
Maria Severa, cantora prostituta, viveu de 1820 a 1846, e foi
considerada a mística fundadora do fado. Nasceu em Lisboa no bairro de
Mouraria. Sua fama se deve, em parte, à novela escrita por Júlio Diniz “A
Severa”, de Júlio Dantas, que se transformaria numa peça, que foi levada à cena
em 1901.
Enquanto isso, o Lopo falava dos
malandros da cidade que, anos atrás, giravam três chapinhas, numa mesa, com um
pequeno dado numa delas. Um incauto, apostando dinheiro contra a banca,
arriscava a adivinhar a chapinha com o dado.
-O malandro girava a mesa junto e, assim,
o otário perdia dinheiro. - interveio o Claudio.
-Testemunhei um sujeito bem musculoso
que apostou numa chapinha e, em seguida, segurou a mesa.
E concluiu o Lopo.
-Ainda assim, perdeu.
-Os safados têm sempre um plano B. -
manifestou-se a Gina.
Nesse momento, Luca e Vagner, em torno
do gravador, comentavam uma canção entoada por Louis Armstrong e Nat King Cole.
-Eles cantaram juntos ou trata-se de um
truque tecnológico? - perguntaram.
-Nat King Cole também foi um excelente
pianista de jazz e Louis Armstrong, um legendário trompetista.
-E a repercussão da morte da Hebe
Camargo? - sondou o Lopo.
-Não sou contra a alegria da Hebe
Camargo com os seus acompanhantes de sofá, mas quem merecia toda essa comoção
popular era o Altamiro Carrilho, que morreu no dia 15 de agosto. Ele era
instrumentista e compositor de primeira qualidade.
-Carlinhos, você quer outro povo. -
disse a minha cunhada.
-Para não votar nulo, amanhã, meu voto
irá para a Aspásia Camargo. - declarei.
-O Luca vai vota no Freixo.
-Vou. - confirmou as palavras do
Cláudio.
-Vai votar por causa do Chico Buarque. -
provocou.
-Por causa do Chico, não! Quem mais
divulgou o Freixo foi o Caetano Veloso. - expressou o Luca veemência no seu
protesto.
-Marcelo Freixo teve a sua importância
no combate às milícias.
Depois dessas palavras, Lopo enveredou
pelas suas reminiscências quando, acompanhado do Reinaldo, cunhado do Luca, e
penetraram no Festival Universitário da Canção Popular com um crachá do MAU –
Movimento Artístico Universitário.
-Eu e Reinaldo ficamos do lado do piano
do Ivan Lins, perto da Lucinha, enquanto ela apresentava “O amor é o meu país”.
-Reinaldo saiu numa fotografia da
revista Amiga abraçado com o Toni Tornado. - lembrou o Luca.
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