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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4035 Data: 26 de
setembro de 2012
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CARTAS DOS LEITORES
-Como você reage quando escuta um
pleonasmo? Dieckmann
BM- Quando eu estava com uns quinze anos de idade,
costumava brincar de “Brasil-Portugal”. Se alguém da turma dissesse uma
besteira, outro o denunciava com o brado “Brasil-Portugal” e todos os presentes
estapeavam as costas do ignorante. Esta era basicamente a brincadeira.
Um dia, o Bacalhau (um garoto magrinho,
o que explica o apelido), contando um caso com ele, disse que recuou para trás.
Gritei “Brasil-Portugal”, esfreguei as mãos, mas os componentes da turma
afirmaram que não houve erro, pois ele não dissera que recuou para frente.
Irritado, dei por encerrada a minha participação naquela brincadeira.
Com dezesseis anos, li “O Monge de
Cister”, de Alexandre Dumas, da coleção Saraiva, e me sentia incomodado quando
me deparava com incontáveis pleonasmos do objeto direto e indireto:
“Entregou-me a mim... Falou-lhe a ele...”
Fiz essa breve volta ao passado para
tecer algumas considerações sobre o vídeo que recebi, semana retrasada, sobre
um sujeito neurastênico com os pleonasmos que se fala e escreve no dia a dia.
Vociferava, num palco de teatro, contra o que ouvia: “Há vinte anos atrás... Elo de ligação...
Subir para cima.” E o público gargalhava. Tratava-se de um humorismo que lembra
de leve o do Chico Anísio quando contracenava, no papel de Pantaleão, com Pedro
Bó. Não me refiro aqui à sua personalidade de mentiroso e sim ao seu curtíssimo
pavio com as “sandices” ditas pelo Pedro Bó, pintado como o paradigma da
imbecilidade?
-”É você, Pantaleão?”...
-Não, é o Roberto Carlos, Pedro Bó.
Os espectadores riam, mas a pergunta do
Pedro Bó expressa, acima de tudo, a sua surpresa. A ignorância, nesse caso, é
do personagem do Chico Anísio que, na sua intolerância, quer retirar a
emotividade das palavras, a sua força. Assim ocorre, em alguns casos, com o
neurastênico do vídeo que me remeteram, que investe contra todos os pleonasmos.
O que dizem os gramáticos sobre isso?
Que o pleonasmo é uma figura de linguagem. Rocha Lima escreveu que: “Há o
pleonasmo grosseiro, decorrente da ignorância da significação das palavras
(hemorragia de sangue, subir para cima) e o literário, que serve à ênfase, ao
vigor da expressão.” E exemplifica com um parágrafo do escritor de Grande
Sertão Veredas:
-”Era véspera de Natal, as horas
passavam, ele devia de querer estar ao lado de iá-Dijina, em sua casa deles
dois, da outra banda, na Lapa-Lage.” (Guimarães Rosa).
Digamos, caro leitor,que você esteja
trabalhando no computador, no escritório
e lá fora, a poucos metros,
acontece uma festa; você, então,
vai para esta festa. Se você escrever que estava no computador e saiu, eu vou
pensar que você saiu do computador, mas se você escrever que estava no
computador e saiu para fora, eu entenderei perfeitamente que você foi
para a festa. Penso que “sair pra fora”, nesse contexto, não é um pleonasmo
grosseiro.
-Como aficionado da música de Dmitri
Shostakovitch, venho reclamar da omissão a muitas passagens da vida do grande
compositor russo por ocasião da visita que ele fez à casa do redator deste
periódico. Causídico Verborrágico.
BM – Meu caro, Causídico, o eminente compositor partiu lá
de casa antes da segunda garrafa de vodca, ou seja, não durou muito tempo a sua
visita.
A sua filha Flora Litvinova, para contar
uma das características da sua personalidade, narrou que seu pai não conseguia
dizer não para ninguém. Devido a essa tibieza, assinou declarações oficiais,
inclusive o repúdio ao dissidente Andrei Sakharov, em 1973, de que se
arrependeu amargamente.
Muito significativa também era a
apreciação ambígua por Igor Stravinsky, um dos maiores, senão o maior
compositor do século XX. Dizia Shostakovitch: “Stravinsky, o compositor que eu
idolatro. Stravinsky, o pensador que eu desprezo.”
Dmitri Shostakovitch, contam os seus
biógrafos, era extremamente atraído pela Sinfonia dos Salmos. Quando
Stravinsky, que vivia nos Estados Unidos, visitou a União Soviética, em 1962, Shostakovitch
lhe ofereceu a sua versão para piano dessa obra, um preito da sua admiração.
Esse encontro, no entanto, foi um malogro, segundo as testemunhas:
Shostakovitch se apresentou com visível nervosismo, enquanto Stravinsky o
desdenhava.
Li, alhures, digo para comparar, que
informaram Tolstoi que Dostoievsky se encontrava nas proximidades, que
pretendiam reunir os dois. “Não quero conhecer ninguém.” - teria respondido Tolstoi.
Coisas de russos.
-O Biscoito Molhado não se deteve na
ligação de Noel Rosa com o cinema. Lanço daqui o meu protesto. Tinoco
BM: Os cineastas procuraram, evidentemente, direcionar a
sua arte na figura de um dos mais representativos brasileiros da nossa cultura.
Rogério Sganzerla foi um desses
cineasta; tendo realizado o curta-metragem Noel por Noel, em 1978, e Isto
é Noel, em 1991. Pretendia realizar
um longa-metragem, mas a carência de recursos financeiros e a morte, que o atingiu,
em 2004, impediram. Admirava Orson
Welles e Noel Rosa, ainda conseguiu homenagear o autor de “O Cidadão Kane” com
o filme “Nem Tudo é Verdade”, de 1986.
Quanto ao cineasta Júlio Bressane,
integrante do Cinema Marginal, como Rogério Sganzerla, mostrou nas telas, em 1995, a vida do cantor
Mário Reis, no filme “O Mandarim”. Chico Buarque de Holanda representa, nessa
fita, o papel de Noel Rosa.
Nas efemérides do centenário do filósofo
do samba, revi um filme que exibe Noel Rosa cantando com o Bando de Tangarás em
que se vêem outras personalidades famosas da música popular brasileira, como
Almirante. Soube que essa imagem é raríssima, pertencente ao curta-metragem Vamos
Falá do Norte, 1929, de Paulo Benedetti, que foi descoberto em 1994
por Alexandre Dias da Silva. Ele juntou essa fita a cenas de cinejornais de
1929, com mais outros filmes, e lançou uma espécie de patchwork, que
intitulou O Cantor de Samba.
Noel Rosa, que passou como um meteoro
deslumbrando a todos, no Brasil, compareceu na trilha sonora de inúmeros
filmes. Na comédia musical Alô Alô
Carnaval – produção da Cinédia de 1936, constam duas composições do Poeta
da Vila, Pierrô Apaixonado, parceria com Heitor dos Prazeres, e Não
Resta a Menor Dúvida, com Hervé Cordovil.
Ainda em 1936, ele compôs com Vadico,
seis músicas para Cidade-Mulher, de Humberto Mauro: Cidade-Mulher,
interpretada por Orlando Silva, Dama do Cabaré, Tarzan, o Filho do
Alfaiate, Morena Sereia, Numa Noite À Beira-Mar e Na Bahia.
No filme Perdida, de 1975, há uma
cena num bordel com a gravação original de Quem dá mais, de 1932,
na voz de Noel Rosa.
E muito mais, mas encerramos esta Cara
dos Leitores por ora.
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