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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4042 Data: 12 de outubro de 2012
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EU E ELIO
NO PRIMEIRO GRANDE
PRÊMIO BRASIL
-Elio, pelos idiomas que escuto, ou
estamos na França, ou na Inglaterra.
-Carlos, belo verdor do gramado, eu
apostaria na Inglaterra.
Tal diálogo se deu logo que acordamos da
partida de Troia, na nossa viagem pelo tempo.
-Carlos, estamos aqui, numa sala luxuosa
de um hipódromo certamente, onde só personalidades ilustres falam, vamos para
baixo. Lá, nós nos juntaremos ao povo e aos cavalos.
-Prefiro o cheiro do cavalo ao cheiro do
povo.
Apesar da minha afirmação incisiva, Elio
se dirigiu às pessoas humildes, que trabalhavam como Hércules.
-Por que tanto trabalho? - perguntou a
um trabalhador.
-Temos de construir mais 232 guichês de
apostas.
-Mas já há centenas de guichês para os
apostadores espalhados por aí. - intervim.
O patrão exigiu 555 guichês.
-E quem é o patrão? - quis saber o Elio
Fischberg.
-Lineu de Paula Machado. - respondeu.
-Ah, o presidente do Jockey Club
Brasileiro. - acrescentei.
-Na realidade, o patrão é o doutor
Adhemar de Faria, o diretor-secretário, pois o doutor Lineu vive viajando. -
explicou.
-E aqueles operários que carregam
diversos bancos e cadeiras, colocando-os em lugares selecionados? - mostrou-se
curioso o Causídico Verborrágico.
-Não está sabendo?... Vai acontecer um
evento tão extraordinário que o Dr. Lineu de Paula Machado nem viajou: o
primeiro Grande Prêmio Brasil.
Depois de uma pausa, pediu desculpas
para desviar a sua atenção de nós, pois precisava trabalhar.
-Carlos, em que data aconteceu o Grande
Prêmio Brasil?
-Elio, vivi decorando datas nos meus anos
de escola, mas essa não me foi ensinada e nem caiu na prova.
-Outra coisa – gritou o trabalhador – o
prêmio para o vencedor é 300 contos de réis, uma fortuna de artista de
Hollywood.
-Elio, vamos visitar agora os cavalos.
-Um cavalariço, que me ouviu, interveio:
-Os cavalos que vieram da França, da
Inglaterra, do Uruguai e da Argentina descansam.
Ao ouvi-lo, voltei-me para o Elio.
-Para vir cavalo da Europa é porque uma
fortuna está mesmo em jogo. - concluí.
-Que engenharia financeira foi
realizada?
-Elio, com todo o respeito ao
cavalariço, ele não vai saber responder.
Ele tinha ouvido de tuberculoso, pois
entendeu o que falei e respondeu com alguma rispidez:
-A Loteria Federal banca o evento com
uma grande venda de bilhetes e o sorteio do sweepstake acontecerá daqui
a pouco, às 11 horas da manhã.
-Nós estamos em que data? - aproveitou o
Elio Fischberg a oportunidade para se situar.
-Vocês vieram de Marte? - ironizou.
-Mais ou menos. - disse-lhe eu com o
pensamento na Guerra de Troia, quando Marte se fez presente.
-6 de agosto de 1933. - respondeu,
estugando as passadas para longe de nós.
-Carlos, você pode aproveitar e assistir
a um concerto de Villa Lobos regendo pessoalmente.
-Elio, ele deve estar em Paris e o
momento é de ganhar dinheiro.
-Aqui, tudo é arte e beleza; olha esse
verde do gramado como é relaxante. - mostrou-se o Elio contemplativo.
-Tudo isso não consegue escamotear as
paixões humanas que pululam nos frequentadores deste hipódromo. - afirmei.
Quando os ponteiros do relógio se
aproximaram das 11 horas, as tribunas populares, dos sócios e da imprensa
estavam lotadas.
-Nunca houve um espetáculo
social-esportivo como este. - clamava um jornalista.
O sorteio do sweepstake foi
anunciado, enquanto um frêmito percorria a multidão.
No meio daquela gente que retirou a sua
vestimenta mais vistosa do armário, não me senti à vontade.
-Elio, estou perto de uma mulher que usa
um chapéu que reproduz os jardins suspensos da Babilônia e tenho medo de que
até o Nabucodonozor caia sobre mim.
-Vamos nos abrigar perto dos cavalos. -
sugeriu.
Depois de muitos pedidos de licença e de
algumas bengaladas sutis de apostadores que posavam de aristocratas
parisienses, chegamos perto de uma parelha de cavalos.
-Quem são? - indagamos.
Um rapaz os identificou para nós:
-Trata-se de dois representantes da
criação de Pernambuco: Mossoró e Caicó.
-Em Pernambuco, há puro-sangue?-
estranhou o Causídico Verborrágico.
-O Mossoró e o Caicó são do Haras
Maranguape, do Coronel Frederico Lundgren. - esclareceu o rapaz.
-E quem é esse Coronel Frederico
Lundgren?
O rapaz estranhou a nossa ignorância.
-Ora, é o dono das Casas Pernambucanas,
rede varejista espalhada pelo Brasil desde 1908.
-Carlos, se os cavalos deles correm
tanto quanto Dona Hermelinda, com suas pernas em hélice, atrás de uma
liquidação das Casas Pernambucanas, serão vitoriosos nesse Primeiro Grande
Brasil.
-Correm mesmo, Elio; o Mossoró cruzará a
faixa final em primeiro lugar. - exibi meus conhecimentos de turfe.
Sem se preocupar com a presença do
rapaz, Elio se excitou com os puro-sangues.
-Carlos, vamos jogar na dupla exata, na
trifeta...
-Dupla exata, trifeta são criações dos
turfistas do futuro, estamos ainda na época da dupla e do placê.
-Então, Carlos, nós vamos jogar na
ponta, na dupla e no placê.
-Elio, frequentei o bookmaker da Rua
São Gabriel com 15 anos de idade, com o meu irmão Claudio, mas não me tornei um
turfista enciclopédico como o Bolonha; resumindo: não sei quem chegou em
segundo e em terceiro no Grande Prêmio Brasil.
Enquanto falávamos, o cânter do primeiro
páreo se iniciou. Misturamo-nos, de novo, no meio do público.
As horas transcorreram até que houve um
momento único, os turfistas e mesmo as madames deixaram a preocupação de serem
vistas para ver Getúlio Vargas, que chegava.
-Que beleza, o ditador! - exclamou uma
madame com um chapéu que mais se assemelhava a inacabada Torre de Babel.
-Chefe do governo provisório. - beliscou-a
discretamente o seu acompanhante.
-Quem é aquele moreninho que recebe o
presidente? - quis saber uma senhora com
chapéu que lhe dava mais quarenta centímetros de altura.
-É Pedro Ernesto, o interventor do
Distrito Federal. - disse alguém que parecia ser seu consorte.
O Hino Nacional Brasileiro coroou aquele
momento de pompa e circunstância. Depois, eu e Elio procuramos um dos 555
guichês de aposta e jogamos todos os nossos cobres na vitória do Mossoró.
Foi um delírio. O público invadiu a
pista de corrida, com o primeiro lugar do cavalo de Pernambuco, e gritando que
mais uma vez a Europa se curvava diante
do Brasil.
-Quando voltarmos ao Brasil de 2012,
estaremos ricos com os dez contos que ganhamos.
-Qual, Elio!... Lembrei-me agora que o
cruzeiro vai surgir em 1942, e os contos de réis perderão o valor.
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