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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4044 Data: 15 de outubro de 2012
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SABADOIDO CONECTADO COM O CEARÁ
Chuviscava? Olhei pela janela do meu
quarto e vi o chão tão molhado quanto na hora em que caminhei, resolvi, então,
ir ao Sabadoido sem guarda-chuva. Não fui adiante 200 metros e desceu uma
garoa. Segui em frente, pois vencidos mais 200 metros e eu poderia
seguir sob as marquises da Avenida Suburbana.
-Vamos pra dentro, filho, para não se molhar.
- disse a dona do bazar do lado da barbearia do Fonseca, que levara seu
cachorro para passear.
Nesse momento, eu já estava rente às
paredes para me manter seco.
-Terei de parar em frente à casa da
Gina, mas lá existe uma frondosa árvore para não deixar os pingos d' água
caírem sobre mim.
Fui traído pela memória. Dez dias atrás,
o forte vento jogou os galhos dessa árvore sobre as telhas da sua casa e da
vizinha quebrando-as. Convocadas as autoridades, constatou-se que vários pontos
da dita cuja se esfarelavam a um simples espremer de dedos, assim, ela foi
podada a meio metro da raiz.
Recebendo a chuva em cheio, gritei pelo Claudio,
no portão. Ainda bem que o meu sobrinho não demorou mais do que um minuto para
me abrigar.
- Daniel, que você chegou com a presteza
dos beques do Fluminense para afastar o perigo.
-Vamos ver o Fluminense amanhã. - disse
meio apreensivo.
-O Claudio lê o jornal?
-O velho saiu, mas a minha mãe está em
casa.
Na cozinha, eu e ele conversamos sobre
os dois jogos a que assisti em São Januário. Num deles, o Fluminense derrotou o
Bonsucesso por 4 a
2, com o quarto gol feito pelo Escurinho
num contra-ataque; no outro, ocorrido no início da década de 60, a partida foi transferida
do estádio de Caio Martins para lá, com portões abertos.
Nesse instante, a Gina apareceu e o
Daniel adentrou os outros compartimentos da casa. Relembramos os áureos tempos
do Colégio Estadual Visconde de Cairu, embora eu estivesse três anos adiantados
sobre ela por ser mais velho.
-A bateria do Daniel está arriada. -
mudou ela de assunto.
-A máquina pede movimento e o Daniel
fica muito parado. - diagnostiquei.
-Daqui a pouco, espero, um funcionário
da Bradesco Seguros vem ver o carro dele. - informou.
Nesse instante, meu sobrinho reapareceu
e anunciou que o cybercafé estava à minha disposição.
-Obrigado Daniel, há um filme do
Dieckmann que eu ainda não vi.
-Ele é bom de cinema? - mostrou-se
curioso.
-Nesta semana mesmo, usou de ironia
porque escrevi que rotulou “Era uma vez no oeste” e “Três homens em conflito” como
western spaghetti, dizendo que a expressão não era dele. O que eu quis
dizer era que filmes como Trinity e outros meio cômicos se ajustam na
expressão depreciativa western spaghetti, não os dois que citei, de
Sergio Leone, duas autênticas obras-primas, haja vista os artistas envolvidos,
Clint Eastwood, Henry Fonda, Eli Wallach, mais o músico Ennio Morricone. (*)
-E foram os italianos, ou
ítalo-americanos que realizaram os melhores filmes de gangsters de Hollywood. -
enfatizou o Claudio, que chegava com algumas sacolas do Wal Mart.
-Bem, vou assistir ao filme do nosso
polemista Dieckmann.
Diante do computador, acessei o filme da
Triumpho 30 Produções “Empadaria de Olinda”.
O título já me deixou intrigado; por que empadaria e não frevo? É
verdade que o cineasta de Santa Teresa se aborrece com as manifestações
carnavalescas porque dificultam a circulação dos seus carros clássicos, no
bairro, enfartando as vias públicas.
Empadaria?... Certamente se trata de
mais um dos seus filmes gastronômicos em que mostra o filho Fred preparando
empadas de nos deixar salivando mais do que o cachorro de Pavlov.
Chega de especulações! Cliquei o play
do vídeo e a câmera foi toda tomada por um ventilador de teto elaborado com
tanta arte que não deve fazer vento,
-Deus do céu, o que é isso? - aumentou o
enigma.
Parece o monolito do filme “2001,
Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick, que ninguém soube explicar.
Num travelling de câmera, digno
de Orson Welles do Cidadão Kane, chegamos a uma exposição de carro, e eu pensei
se aquele “ventilador de teto” não era, na realidade, uma ventoinha.
Viu-se, então, um Corvete 1963 Split
Window; em seguida, um Porsche 914 – 1974. Depois, belo e fagueiro, brilhando
mais do que o Fernando Henrique Cardoso numa palestra, lá estava o Jaguar XK 120
– 1950, de propriedade do Dieckmann. E pensar que eu não sei onde se encontra,
aqui em casa, a fita VHS com os 40 minutos de entrevista que o Dieckmann
concedeu à Renata Vasconcelos da TV Globo
que culminou numa carona nesse Jaguar
pelas ruas de Santa Teresa...
Admirando esses carros do vídeo, veio a
pergunta que não queria calar:
-E o Puma do Vicente da Petrobras?
Em seguida, apareceram o Sergio Strongs,
a Branca, o próprio cineasta, que tem a mania do Alfred Hitchcock de se mostrar
nos próprios filmes e uma personalidade que foi anunciada com nome e sobrenome,
mas que me escaparam da memória.
A trilha sonora foi constituída de
clássicos da bossa nova com exceção de Palpite Infeliz, de Noel Rosa que, no
entanto, foi interpretado pelo João Gilberto.
Corte, e outra cena foi filmada.
-Aqui, neste tupperware, temos as
famosas empadinhas da Dona Olinda. - afirmou o Dieckmann.
-A Dona Olinda de São Cristóvão? -
perguntaram em off.
-Sim.
-Aquela perto da delegacia?...
Em seguida, a câmera exibe a empadaria
da Dona Olinda, uma senhora sorridente, e a sua maestria na confecção das
empadas.
Com mais um sucesso do gênero bossa
nova, os créditos correram pela tela do computador e a fita chegou ao fim.
Segundo o crítico de cinema deste
periódico, trata-se de um filme gastroautomobilístico e a sua cotação é
bonequinho comendo.
-Vagner está vindo para cá, Claudio. -
anunciou a Gina.
-Parece que a chuva parou. - manifestou-se meu irmão.
Procurei, em seguida, as mensagens
eletrônicas enviadas pelo Elio Fischberg e me deparei com o comentarista da
Rádio Band News, Salomão Schartzman, que se reportava ao Yom Kippur. Falou do
pai e de uma das mais significativas demonstrações da religiosidade judaica. Depois,
anunciou Al Jolson, que eu conhecia somente pelo primeiro filme sonoro do
cinema e pela canções de Gerswhin, cantor de voz de timbre grave
impressionante. Salomão Schartzman, também falou de Barbra Streisand, e a
maviosa voz dela seguiu a do “Cantor de Jazz”.
Estava tudo muito belo naquele ritual do
Dia do Perdão, quando vozes vindas de longe anunciaram o início do Sabadoido.
(*)
Westernspaghetti não se aplica ao triniti. Foi mesmo o rótulo dado aos filmes
western feitos fora de Hollywood, principalmente na Espanha e na Itália. Isto
não quer dizer que sejam todos ruins, como a expressão Bollywood, aplicada ao
cinema indiano, também não é pejorativa. Quanto às produções do Sergio Leone,
mencionadas pelo redator do seu O BISCOITO MOLHADO, cabe dizer que muita gente
as aprecia. Não é o caso do Distribuidor deste periódico, que as considera
chatíssimas, a ponto de não conseguir vê-las. Há muitos outros westerns do
mesmo período, com artistas de renome, feitos aqui e ali que também não
despertaram a sua atenção. Parece ser mais um problema decorrente da época do
que da geografia.
ResponderExcluirÉ isso aí Carlinhos!!!Estou sempre lendo o Biscoito molhado e com isso, mato um pouco da grande saudades dos amigos do Cachambi.Saudações aos confrades do SABADOIDO.
Forte abraço
Chico