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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4048 Data: 20 de outubro de 2012
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70ª VISITA À
MINHA CASA
-Frederico Figner! - exclamei sem
esconder a minha admiração quando ele se materializou diante de mim.
-Você me conhecia?
-Confesso que não, mas um amigo virtual,
o Evandro Verde, expôs os seus feitos e eu me envergonhei da minha ignorância.
-Eu não entendi essa adjetivação virtual
para amigo, mas se a amizade é preservada, nada tenho a contrapor.
-Como um homem que explorou ao máximo à
tecnologia ligada à comunicação, você logo saberia o significado de amigo
virtual, que advém dos computadores.
-Morri em 1947, vivi, com intensidade, a
época da indústria fonográfica.
-E o ano em que você nasceu, Fred
Figner?
-1866, em Milewko, que se localizava na
Tcheco-Eslováquia.
-Você era daqueles jovens inquietos, que
saía em busca de coisas novas?
-Sim, e por isso, viajei até os Estados
Unidos da América.
-E foi lá que tomou ciência dos inventos
de Thomas Edison.
-Thomas Edison tinha lançado um aparelho
que registrava e reproduzia sons por intermédio de cilindros giratórios.
-Imagino a sua reação no primeiro
contato com o fonógrafo.
-Foi uma epifania!... Depois do impacto,
quando recobrei a minha consciência intelectual, comprei um aparelho e vários
rolos de gravação e embarquei para Belém do Pará, aonde cheguei em 1891.
-Tudo tão depressa?
-O progresso exige rapidez de quem o
acompanha. - afirmou.
-Belém do Pará?!... mostrei-me abismado.
-Para Belém do Pará fui sem conhecer uma
palavra de português, mas o espírito aventureiro ainda me dominava.
-Estava você em Belém do Pará, com seu
espírito renovador e um invento desconhecido. Como foi, Fred Figner?
-Depois da desconfiança, as pessoas
reagiam maravilhadas diante do fonógrafo; pagavam para que as suas vozes fossem
registradas e, depois, ouvidas.
-Mal comparando, você era como Caramuru
disparando sua arma para o alto diante dos índios.
Ele ignorou a minha intervenção, o que
fez bem e seguiu adiante:
-Fui a outras cidades para encantar os
brasileiros e, não serei hipócrita, ganhar dinheiro. Trabalhei em Manaus,
Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife Salvador e, finalmente, a capital do
país.
-Aqui, no Rio de Janeiro, onde você
fixou o seu negócio?
-Num sobrado da Rua Uruguaiana...
Lembro-me até do número: 24.
-Ficava perto da Rua da Carioca. -
interferi.
-No sobrado nº 24 da Rua Uruguaiana,
abri a minha primeira loja. Chamei-a de Casa Edison.
-Fica evidente que você homenageava o
inventor americano.
-Lá, na Casa Edison, eu importava e
comercializava os primeiros fonógrafos e gramofones surgidos no mundo
civilizado.
-Na cidade do Rio de Janeiro, você não ficou
isolado do mundo.
-De modo algum, no mundo da ópera, por
exemplo, o Teatro Lírico fluminense encenou muitas óperas na frente do
Metropolitan Opera House de Nova York.
-E no mundo tecnológico?
-Soube logo que um judeu, como eu, o
cientista Emile Berliner lançou, nos Estados Unidos da América, um equipamento
de gravação que utilizava discos revestidos com cera. Tratei de averiguar esse
lançamento e não tive dúvida alguma que a qualidade sonora era bem superior ao
do aparelho de Thomas Edison.
-A sua natureza não era contemplativa,
Fred Figner, ou seja, você não era de ficar parado diante da marcha do
progresso.
-Percebi, imediatamente, o potencial da
nova invenção e transferi meu estabelecimento da Rua Uruguaiana para a Rua do
Ouvidor.
-Você precisava de um lugar para
expandir seus negócios.
-Sim; numa loja térrea da Rua do
Ouvidor, eu abri o primeiro estúdio de gravação a varejo de discos do Brasil.
-Em que ano foi isso?
-Em 1900. - respondeu prontamente.
-Como eram elaborados esses primeiros
discos da indústria fonográfica? - perguntei-lhe.
-Os discos eram fabricados com cera de
carnaúba, que vinha do Maranhão. As gravações eram realizadas em apenas uma das
faces do disco e tocadas em gramofones movidos a manivelas.
-Recordo-me desses discos de cera de
carnaúba, pesados, se comparados com os que vieram décadas depois, que meu pai
herdou do meu avô, em 1963. Acredito que colecionadores da música popular
brasileira, como José Ramos Tinhorão, tenham esses discos do início do século
XX. - tagarelei.
-Não quero me vangloriar, mas a minha
iniciativa representou uma verdadeira revolução. Se nos mantivermos na música
popular brasileira, os compositores como Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazaré e os
demais não precisavam mais comercializar as suas criações por intermédio de
partituras impressas.
-Chiquinha Gonzaga, rejeitada pelo pai e
separada do marido, tinha de sair às ruas para vender as partituras das suas
composições e, assim, ganhar a vida. A sua atuação de grande empresário,
Frederico Figner, melhorou a vida dos artistas brasileiros e, evidentemente, do
público, que teve acesso a muitas obras que encantavam o público.
-É evidente que eu buscava o lucro
financeiro, mas uma multidão de brasileiros ganhou muito com isso.
-O primeiro disco brasileiro foi gravado
na Casa Edison, em 1902, pelo cantor Manuel Pedro dos Santos, mais conhecido
por Bahiano. - afirmei.
-Isso mesmo; ele gravou o lundu “Isto é
bom”, de autoria do seu conterrâneo Xisto da Bahia. Você sabe por que leu nos
livros?
-Não só li, Fred Figner, como ouvi a
gravação que se encontra eternizada no youtube, que é um dos
registros em computador.
-E como esta lá? - demonstrou
curiosidade.
-Bahiano anuncia “Casas Edison, Rua do
Ouvidor 107” ,
e põe-se a cantar o lundu.
E entoei um trecho:
-”O inverno é rigoroso,
Quem disse foi minha avó.
Quem dorme junto tem frio,
Que dirá quem dorme só.
Isto é bom. Isto é bom que dói.”
O rosto de Frederico Figner se iluminou
com a lembrança.
-Muitas músicas que meu pai cantava,
quando eu era garoto, eu só vim a conhecer, gravadas, pelo Bahiano da Casa Edison.
- prossegui.
-A partir de então, muitos artistas
passaram a gravar suas composições em disco e eu tive de abrir uma filial da
Casa Edison em São Paulo.
-E como você fez com a demanda cada vez
maior pelos discos?
-Instalei, em 1913, uma indústria fonográfica
de grande porte na Avenida 28 de Setembro, em Vila Isabel , surgiu,
então, o selo Odeon.
-E a sua residência era como a dos
grandes empresários americanos do seu tempo?
Mandei construir uma mansão na Rua
Marquês de Abrantes, no Flamengo, mas a utilizei parte dela como hospital
quando a Gripe Espanhola veio matar também no Brasil.
-A sua mansão abriga, hoje, o Centro
Cultural Arte-SESC e o restaurante Bistrô do Senac. - informei-lhe.
-Tenho de ir.
-Antes, tenho de assinalar que você,
como o grande compositor Verdi que, consternado com a penúria dos artistas, com
a chegada da velhice, amparou-os, criando a Casa di Riposi pei Musicistti,
doou o terreno para a instalação do Retiro dos Artistas.
Enquanto eu falava, o grande empresário
se desmaterializava diante de mim.
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