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terça-feira, 23 de outubro de 2012

2246 - tarados nas redondezas

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4046                              Data: 17  de outubro de 2012
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MANINHO

Como o leitor do Biscoito Molhado há de lembrar, o Chico, lá do Ceará, participou, por telefone, da última sessão do Sabadoido e me propôs alguns motes a serem desenvolvidos neste periódico: Leopoldo Sapateiro, Carlinhos Chamicha, Maninho e outras figuras do Cachambi. Quanto ao Maninho, Chico, pela sua pouca idade (encontra-se longe dos 60 anos), se referia, com toda certeza, a um morador da Chaves Pinheiro que babava pela Leila Diniz. Um dia dedicarei uma página a ele, mas sem o clima épico de outros moradores do bairro que fizeram por onde merecê-lo.
Mas o cognome Maninho, pronunciado naquele sábado espremido entre Nossa Senhora da Aparecida e o Dia do Professor, despertou reminiscências minhas que já dormiam sob as cinzas, embora o nosso amigo, ora no Ceará, nem suspeite disso.
A história começa no início dos anos 60. A minha turma se encontrava na Rua Americana, mas eu e meu irmão Claudio também fazíamos algumas incursões pelo bookmaker do Maurício, localizado na Rua São Gabriel a uns 30 metros da Rua Cachambi e a uns 25 da banca de jornal do Russo, a mais tradicional do bairro.
Lá, no bookmaker, éramos eu e Claudio alertados pelos amigos mais velhos da pedofilia do Dunga, um bicheiro que carregava poules de apostas e gaiolas de passarinho.
Por ignorância, ninguém usava o termo pedofilia, mas se falava veladamente de homens feitos que se sentiam atraídos sexualmente pelos garotos  e o Dunga era um deles.
Lá, em casa, meu pai cantava muito uma antiga marchinha de carnaval, mas ele expressava apenas o seu espírito folgazão:
“Eu fui no mato,crioula,
cortar cipó, crioula,
eu vi um bicho, crioula,
de um olho só.
Não era bicho,
não era nada,
Era o Febrônio,
com a garotada.”
Décadas depois, eu soube que o Febrôno era um tarado que enforcou uma das suas vítimas, um garoto, com um cipó. Como o carioca ajusta até as tragédias ao carnaval, a coisa virou uma marchinha de sucesso inquestionável. O tarado também inspirou uma ameaça à meninada usada por brincalhões e mal- humorados: “Cuidado que o Febrônio vem te pegar.”
Dunga conversava e conversava com a petizada, não tinha nada de truculento. Falava dos passarinhos e não sei mais do quê, pois, nós, já prevenidos, não lhe dedicávamos muita atenção. Não sei se ele escrevia jogo do bicho, pois eu só descia da Rua Americana até o bookmaker aos sábados e domingos e, esporadicamente, nas noites de quinta-feira, dia em que o hipódromo realizava corridas de cavalo. Houve, cabe assinalar, páreos na quarta-feira à tarde, quando inauguraram o Hipódromo Guanabara, em 1961, que, no entanto, não durou muito.
Cabe assinalar que eu e meu irmão pouco apostávamos nas patas dos cavalos, geralmente nossa função era levar as apostas e o dinheiro de conhecidos mais velhos, vizinhos, alguns deles.
A tranquilidade dos apostadores era perturbada pelas batidas policiais. Não sei se meu irmão correu de algumas delas, eu corri.
“Atenção, atenção.” - era fatídica palavra, com uma repetição, dita pelo olheiro, que colocava o bookmaker em polvorosa.
Certa vez, uma tarde domingo, nem deu tempo para a terceira sílaba do “atenção,atenção”, os policiais, vindo pela rua Honório e pela São Gabriel, cercaram os bicheiros enquanto eu, que fui fazer um jogo para o Seu Dilmar, o vizinho da casa 23 da vila onde morávamos, misturei-me  à meninada que saltava pipa.
Esses sustos não me impediam de ir até lá e, quando possível, apostar. Joguei 10 cruzeiros na acumulada Kubelik e Dark Oriente, ganhei 49 cruzeiros e o Cláudio jogou 10 no azarão Zaraza e embolsou 410 reais, o que levou o bicheiro a conferir a cópia da aposta do papel carbono.
Resumindo: tudo corria bem, com todos esses sobressaltos de batidas policiais, até que o Durval, um bicheiro gorducho informou:
-O Maninho vai ser solto a qualquer momento.
Quem será esse Maninho? - perguntava-me.
Dunga, enquanto isso, falava para um menino de um curió de um canto vencedor nas feiras nordestinas, mas que só cantava na casa dele.
Os dias transcorreram até que um dia um dos bicheiros comentou com outro:
-Maninho vem mesmo para cá.
Soubemos pelos apostadores mais antigos daquele bookmaker que se tratava de um criminoso, passou uma temporada na cadeia e agora estava de novo livre, e pior: diferentemente do Dunga, estuprava os guris. Todos aqueles que se encontravam na fase da vida chamada de infanto-juvenil entraram em pânico.
Um dia, ele reapareceu no seu antigo posto. Era um mulato baixo e atarracado. Nos sábados e domingos, quando eram muitos os apostadores acompanhando as transmissões dos páreos pelo locutor Oscar Vareda, eu e meu irmão ainda ousávamos ir ao bookmaker, mas sempre guardando distância daquele tarado.
Maninho ficava desde cedo nas proximidades da entrada do bookmaker, era uma espécie de vigia.
Eu que, naquela época, 1962 e 1963, tinha a minha primeira aula no Visconde de Cairu às 7h da manhã, descia a Rua São Gabriel, uma hora antes, rumo ao ponto do bonde Cachambi em frente da padaria. Porque gostava de caminhar e também para evitar aquele sujeito, alterei meu itinerário: descia a Rua Americana, dobrava à direita na Basílio de Brito, pegava a Rua Cachambi e ia até a Coração de Maria. Seguia por toda essa longa rua e chegava ao Méier, na Aristides Caire, perto da Arquias Cordeiro. Daí para o meu colégio, andava com todo o fôlego do mundo, apesar de dois cigarros Continental fumados, mais 15 minutos.
Um dia, com vários colegas da Rua Americana, no Cinema Cachambi, aconteceu o que nunca imaginamos. Sílvio, um magricela alto, que além de vizinho era meu colega do 2º ano ginasial, mudou de lugar, no meio do escuro e cochichou apavorado: “Sabe quem estava sentado ao meu lado? O Maninho.”
Primeiramente, o temor tomou conta de nós, depois, passado o perigo, vieram as gozações.  Sílvio sofreu com as piadas de todas as turmas da rua, a dos pirralhos e a dos adultos.
Estávamos na proximidade da Semana Santa. No Judas de sábado de aleluia da Americana, um dos cartazes era da minha autoria: MANINHO ANDA DE OLHO NUM GAROTO DA CHAVES PINHEIRO, CUIDADO: PODE SER VOCÊ.
Por coincidência, quando saía com a minha mãe até a farmácia para comprar Dermobenzol  para as manchas brancas que eu tinha pelo corpo, vi os bicheiros, junto a um carro, lendo os dizeres do nosso Judas.  Um deles comentou, quando voltaram para o carro:
-Muito engraçado, só não ficou legal para o Maninho.
Não passaram dois meses e o Maninho sumiu. Ficou esquecido até que uns 10 anos depois, numa pelada no campo Cachambi, Carlinhos Chamicha disse para o Godi, um rapaz de 17 anos, que possuía pernas de vedete:
-Vou levar o retrato falado das suas pernas para o Maninho na cadeia.



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