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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4046 Data: 17 de outubro de 2012
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MANINHO
Como o leitor do Biscoito Molhado há de
lembrar, o Chico, lá do Ceará, participou, por telefone, da última sessão do
Sabadoido e me propôs alguns motes a serem desenvolvidos neste periódico:
Leopoldo Sapateiro, Carlinhos Chamicha, Maninho e outras figuras do Cachambi.
Quanto ao Maninho, Chico, pela sua pouca idade (encontra-se longe dos 60 anos),
se referia, com toda certeza, a um morador da Chaves Pinheiro que babava pela
Leila Diniz. Um dia dedicarei uma página a ele, mas sem o clima épico de outros
moradores do bairro que fizeram por onde merecê-lo.
Mas o cognome Maninho, pronunciado
naquele sábado espremido entre Nossa Senhora da Aparecida e o Dia do Professor,
despertou reminiscências minhas que já dormiam sob as cinzas, embora o nosso
amigo, ora no Ceará, nem suspeite disso.
A história começa no início dos anos 60. A minha turma se
encontrava na Rua Americana, mas eu e meu irmão Claudio também fazíamos algumas
incursões pelo bookmaker do Maurício, localizado na Rua São Gabriel a
uns 30 metros
da Rua Cachambi e a uns 25 da banca de jornal do Russo, a mais tradicional do
bairro.
Lá, no bookmaker, éramos eu e
Claudio alertados pelos amigos mais velhos da pedofilia do Dunga, um bicheiro
que carregava poules de apostas e gaiolas de passarinho.
Por ignorância, ninguém usava o termo
pedofilia, mas se falava veladamente de homens feitos que se sentiam atraídos
sexualmente pelos garotos e o Dunga era
um deles.
Lá, em casa, meu pai cantava muito uma
antiga marchinha de carnaval, mas ele expressava apenas o seu espírito
folgazão:
“Eu fui no mato,crioula,
cortar cipó, crioula,
eu vi um bicho, crioula,
de um olho só.
Não era bicho,
não era nada,
Era o Febrônio,
com a garotada.”
Décadas depois, eu soube que o Febrôno
era um tarado que enforcou uma das suas vítimas, um garoto, com um cipó. Como o
carioca ajusta até as tragédias ao carnaval, a coisa virou uma marchinha de
sucesso inquestionável. O tarado também inspirou uma ameaça à meninada usada
por brincalhões e mal- humorados: “Cuidado que o Febrônio vem te pegar.”
Dunga conversava e conversava com a
petizada, não tinha nada de truculento. Falava dos passarinhos e não sei mais
do quê, pois, nós, já prevenidos, não lhe dedicávamos muita atenção. Não sei se
ele escrevia jogo do bicho, pois eu só descia da Rua Americana até o bookmaker
aos sábados e domingos e, esporadicamente, nas noites de quinta-feira, dia em
que o hipódromo realizava corridas de cavalo. Houve, cabe assinalar, páreos na
quarta-feira à tarde, quando inauguraram o Hipódromo Guanabara, em 1961, que,
no entanto, não durou muito.
Cabe assinalar que eu e meu irmão pouco
apostávamos nas patas dos cavalos, geralmente nossa função era levar as apostas
e o dinheiro de conhecidos mais velhos, vizinhos, alguns deles.
A tranquilidade dos apostadores era
perturbada pelas batidas policiais. Não sei se meu irmão correu de algumas
delas, eu corri.
“Atenção, atenção.” - era fatídica
palavra, com uma repetição, dita pelo olheiro, que colocava o bookmaker
em polvorosa.
Certa vez, uma tarde domingo, nem deu
tempo para a terceira sílaba do “atenção,atenção”, os policiais, vindo pela rua
Honório e pela São Gabriel, cercaram os bicheiros enquanto eu, que fui fazer um
jogo para o Seu Dilmar, o vizinho da casa 23 da vila onde morávamos,
misturei-me à meninada que saltava pipa.
Esses sustos não me impediam de ir até
lá e, quando possível, apostar. Joguei 10 cruzeiros na acumulada Kubelik e Dark
Oriente, ganhei 49 cruzeiros e o Cláudio jogou 10 no azarão Zaraza e embolsou
410 reais, o que levou o bicheiro a conferir a cópia da aposta do papel
carbono.
Resumindo: tudo corria bem, com todos
esses sobressaltos de batidas policiais, até que o Durval, um bicheiro gorducho
informou:
-O Maninho vai ser solto a qualquer
momento.
Quem será esse Maninho? - perguntava-me.
Dunga, enquanto isso, falava para um
menino de um curió de um canto vencedor nas feiras nordestinas, mas que só
cantava na casa dele.
Os dias transcorreram até que um dia um
dos bicheiros comentou com outro:
-Maninho vem mesmo para cá.
Soubemos pelos apostadores mais antigos
daquele bookmaker que se tratava de um criminoso, passou uma temporada
na cadeia e agora estava de novo livre, e pior: diferentemente do Dunga,
estuprava os guris. Todos aqueles que se encontravam na fase da vida chamada de
infanto-juvenil entraram em pânico.
Um dia, ele reapareceu no seu antigo
posto. Era um mulato baixo e atarracado. Nos sábados e domingos, quando eram
muitos os apostadores acompanhando as transmissões dos páreos pelo locutor
Oscar Vareda, eu e meu irmão ainda ousávamos ir ao bookmaker, mas sempre
guardando distância daquele tarado.
Maninho ficava desde cedo nas
proximidades da entrada do bookmaker, era uma espécie de vigia.
Eu que, naquela época, 1962 e 1963,
tinha a minha primeira aula no Visconde de Cairu às 7h da manhã, descia a Rua
São Gabriel, uma hora antes, rumo ao ponto do bonde Cachambi em frente da
padaria. Porque gostava de caminhar e também para evitar aquele sujeito,
alterei meu itinerário: descia a Rua Americana, dobrava à direita na Basílio de
Brito, pegava a Rua Cachambi e ia até a Coração de Maria. Seguia por toda essa
longa rua e chegava ao Méier, na Aristides Caire, perto da Arquias Cordeiro.
Daí para o meu colégio, andava com todo o fôlego do mundo, apesar de dois
cigarros Continental fumados, mais 15 minutos.
Um dia, com vários colegas da Rua
Americana, no Cinema Cachambi, aconteceu o que nunca imaginamos. Sílvio, um
magricela alto, que além de vizinho era meu colega do 2º ano ginasial, mudou de
lugar, no meio do escuro e cochichou apavorado: “Sabe quem estava sentado ao
meu lado? O Maninho.”
Primeiramente, o temor tomou conta de
nós, depois, passado o perigo, vieram as gozações. Sílvio sofreu com as piadas de todas as
turmas da rua, a dos pirralhos e a dos adultos.
Estávamos na proximidade da Semana
Santa. No Judas de sábado de aleluia da Americana, um dos cartazes era da minha
autoria: MANINHO ANDA DE OLHO NUM GAROTO DA CHAVES PINHEIRO, CUIDADO: PODE SER
VOCÊ.
Por coincidência, quando saía com a
minha mãe até a farmácia para comprar Dermobenzol para as manchas brancas que eu tinha pelo
corpo, vi os bicheiros, junto a um carro, lendo os dizeres do nosso Judas. Um deles comentou, quando voltaram para o
carro:
-Muito engraçado, só não ficou legal
para o Maninho.
Não passaram dois meses e o Maninho
sumiu. Ficou esquecido até que uns 10 anos depois, numa pelada no campo
Cachambi, Carlinhos Chamicha disse para o Godi, um rapaz de 17 anos, que
possuía pernas de vedete:
-Vou levar o retrato falado das suas
pernas para o Maninho na cadeia.
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