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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4017 Data: 29 de
agosto de 2012
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66ª VISITA À
MINHA CASA
TERCEIRA PARTE
Ferdinand Lassale amealhou dinheiro,
entre os simpatizantes da causa socialista, para que você viajasse a Londres e lá fixasse residência?
-Sim;
-Nós estivemos juntos na Revolução
Prussiana de 1848. Ele foi guerreiro e propagandista incansável dos ideais
democráticos.
-Também se destacou como um dos
precursores da social-democracia alemã.
-O trabalho de Ferdinand Lassale repercute
no mundo até hoje. - afirmou Karl Marx.
-Sim, de cunhou o conceito sociológico
de Constituição ao estabelecer que ela deva descrever rigorosamente a realidade
política do país, caso contrário, torna-se uma simples folha de papel.
-Morreu com apenas 39 anos de idade, nos
subúrbios de Genebra, num duelo. - lamuriou-se Karl Marx.
E disse:
-Divergíamos em alguns pontos, ele era
nacionalista e eu, internacionalista.
-E, em Londres, você estudou como nunca.
-Eu não largava os livros.
-E o seu filho com a criada?
-Helena Delemuth era mais do que uma criada
alemã, tornou-se uma ferrenha militante socialista.
-O filho com ela, Frederick Delemuth,
foi o seu sexto filho, nasceu em 23 de junho de 1851. O grande amigo Friedrich
Engels assumiu a paternidade, no seu lugar, por motivos legais.
-Engels escreveu no obituário de Helena
Delemuth que ela o apoiou muito depois da sua morte, Marx, em 1883.
Enterraram-na junto ao túmulo seu e de Jenny Westphalen no cemitério de
Highgate.
-Em Londres, travei conhecimento das
obras dos economistas clássicos, Adam Smith, John Suart Mill, o filho e o pai,
James Mill, e Ricardo, principalmente. Concluí que não se conhece as
transformações sociais sem a infraestrutura da sociedade, que é a economia.
-Você fez uma leitura crítica de Adam
Smith e Ricardo.
-Sim. Considero Ricardo o mais
interessante dos economistas clássicos. Do valor trabalho, que ele elaborou, eu
retirei a “mais valia”, tempo de trabalho suplementar que é apropriado pelo
capitalista.
Depois de uma pausa, voltou ao meu
professor marxista.
-O que ele disse sobre a minha formação
intelectual?
-Ele disse que você viveu em três
países, praticamente e, de cada um deles auferiu a sua cultura. Da Alemanha,
você ganhou a sua formação filosófica; aproveitou a dialética de Hegel e o
materialismo de Feuerbach. Da França, você adquiriu o ideário socialista de
Sismondi, Saint-Simon, Bakunin, Proudhon, mas transformando o que você chamou
de socialismo utópico em científico. Na Inglaterra , você tomou
conhecimento das obras dos maiores economistas, daqueles que tornaram a
economia uma ciência.
-De uma maneira simplificada, foi isso
que aconteceu.
-Você lia as obras dos grandes filósofos
alemães, dos grandes socialistas franceses e dos grandes economistas ingleses e
criava em cima delas, assim surgiu a sua bibliografia: “A Ideologia Alemã”, “A
Miséria da Filosofia”, ”Fundamentos da Crítica da Economia Política”,
“Contribuição à Crítica da Economia Política”, “O Capital” 1º, 2º e 3º volumes...
-Sofri de furúnculos, doença
psicossomática, que os meus detratores diziam ser provocadas pelo extenso tempo
em que eu ficava sentado, na Biblioteca de Londres, estudando e escrevendo.
-Mas você teve uma filha que muito o
ajudou como secretária e protetora.
-Foi a Tussy, que se chamava Eleonor Marx,
nasceu, porém, um pouco tarde, em 16 de janeiro de 1855, a sétima do rol dos
meus filhos.
-O meu professor marxista tentou se
aprofundar em alguns pontos, como a dialética vista por Hegel e por você.
-O que ele disse sobre a minha Teoria da
Alienação, por exemplo? – mostrou-se curioso.
-Disse que Hegel estabeleceu a
existência do ser como afirmação e chamou de tese. Aquilo que se considera como
não existência é o não ser, que ele chamou de antítese. Chega-se, então, ao vir
a ser, que é a negação da negação, que Hegel denominou antítese. Resumindo:
para a dialética de Hegel, tese, antítese e síntese são a afirmação, a negação
e a negação da negação, respectivamente; para a dialética de Marx, tese – a
afirmação – era o trabalhador, antítese – a negação – era o objeto do trabalho,
e a síntese (negação da negação) a apropriação do objeto do trabalho pelo
trabalhador.
-O seu professor marxista não se
aprofundou no tema. - supôs.
-Ele falou que o fenômeno da oposição
afirmação e negação, trabalhador e objeto do trabalho é, segundo você, a
alienação, cuja origem latina é alienus (alheio).
De onde se conclui que todo o trabalho é alienado, pois o trabalhador cria algo
fora de si.
Marx apenas ouvia, e eu prossegui:
-O compositor Noel Rosa compôs uma
canção “Três Apitos”, em que fala de uma operária da fábrica de tecido que sem
meias vai para o trabalho. E, recorrendo à ironia amarga, Noel Rosa diz que ela
não faz fé no agasalho, nem no frio ela crê.
-Isso é a minha teoria da alienação: uma
trabalhadora que não se apropria do fruto do seu trabalho.
-Bem, Marx, você elaborou uma formidável
crítica ao capitalismo, mas era um capitalismo selvagem. Com o transcorrer do
tempo, o capitalismo se mostrou flexível e absorveu muitas reivindicações dos
trabalhadores, mormente as que traziam a ênfase de Karl Marx.
-Foi isso que o seu professor de
faculdade lhe ensinou?
-Esqueceu que ele era marxista? Atacava
o comunismo da União Soviética porque ele veio na contramão das suas ideias, ou
seja, não passou pelo estágio do capitalismo com as contradições do sistema.
-É isso mesmo. - enfatizou.
-Houve e há muitas críticas a você, uma
delas é que você exagerou no homem socialista e não cuidou do homem como
indivíduo, como fez Aristóteles, por exemplo. Você criticou o capitalismo, mas
não mostrou como seria o comunismo que o
substituiria.
Como ele se mostrasse entediado, falei
da sua morte.
-A perda da sua esposa, em 1881, o
abateu muito. Vieram a depressão, a bronquite, a pleurisia, e você morreu dois
anos depois, em 1883.
-Engels discursou à beira do meu túmulo.
Às palavras de Karl Marx, surgiu o seu
amigo inseparável à minha frente, que repetiu o seu discurso naquele funeral.
Depois, os dois desapareceram no ar.
Este foi o panegírico fúnebre de Friedrich
Engels:
“Marx era, antes de tudo, um revolucionário.
Sua verdadeira missão na vida era contribuir, de um modo ou de outro, para a
derrubada da sociedade capitalista e das instituições estatais por esta suscitadas, contribuir para a libertação do
proletariado moderno, que ele foi o primeiro a tornar consciente de sua posição
e de suas necessidades, consciente das condições de sua emancipação. A luta era
seu elemento. E ele lutou com uma tenacidade e um sucesso com quem poucos
puderam rivalizar. (...) Como consequência, Marx foi o homem mais odiado e mais
caluniado de seu tempo. Governos, tanto absolutistas como republicanos, deportaram-no de seus territórios. Burgueses,
quer conservadores ou ultrademocráticos, porfiavam entre si ao lançar
difamações contra ele. Tudo isso ele
punha de lado, como se fossem teias de aranha, não tomando conhecimento, só
respondendo quando necessidade extrema o compelia a tal. E morreu amado,
reverenciado e pranteado por milhões de colegas trabalhadores revolucionários –
das minas da Sibéria até a Califórnia, de todas as partes da Europa e da
América – e atrevo-me a dizer que, embora, muito embora, possa ter tido muitos
adversários, não teve nenhum inimigo pessoal.”
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