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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

2217 - marxando e perambulando


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4017                                 Data: 29 de agosto de 2012
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66ª VISITA  À  MINHA  CASA
TERCEIRA PARTE

Ferdinand Lassale amealhou dinheiro, entre os simpatizantes da causa socialista, para que você  viajasse a Londres e lá fixasse residência?
-Sim;
-Nós estivemos juntos na Revolução Prussiana de 1848. Ele foi guerreiro e propagandista incansável dos ideais democráticos.
-Também se destacou como um dos precursores da social-democracia alemã.
-O trabalho de Ferdinand Lassale repercute no mundo até hoje. - afirmou Karl Marx.
-Sim, de cunhou o conceito sociológico de Constituição ao estabelecer que ela deva descrever rigorosamente a realidade política do país, caso contrário, torna-se uma simples folha de papel.
-Morreu com apenas 39 anos de idade, nos subúrbios de Genebra, num duelo. - lamuriou-se Karl Marx.
E disse:
-Divergíamos em alguns pontos, ele era nacionalista e eu, internacionalista.
-E, em Londres, você estudou como nunca.
-Eu não largava os livros.
-E o seu filho com a criada? 
-Helena Delemuth era mais do que uma criada alemã, tornou-se uma  ferrenha militante socialista.
-O filho com ela, Frederick Delemuth, foi o seu sexto filho, nasceu em 23 de junho de 1851. O grande amigo Friedrich Engels assumiu a paternidade, no seu lugar, por motivos legais.
-Engels escreveu no obituário de Helena Delemuth que ela o apoiou muito depois da sua morte, Marx, em 1883. Enterraram-na junto ao túmulo seu e de Jenny Westphalen no cemitério de Highgate.
-Em Londres, travei conhecimento das obras dos economistas clássicos, Adam Smith, John Suart Mill, o filho e o pai, James Mill, e Ricardo, principalmente. Concluí que não se conhece as transformações sociais sem a infraestrutura da sociedade, que é a economia.
-Você fez uma leitura crítica de Adam Smith e Ricardo.
-Sim. Considero Ricardo o mais interessante dos economistas clássicos. Do valor trabalho, que ele elaborou, eu retirei a “mais valia”, tempo de trabalho suplementar que é apropriado pelo capitalista.
Depois de uma pausa, voltou ao meu professor marxista.
-O que ele disse sobre a minha formação intelectual?
-Ele disse que você viveu em três países, praticamente e, de cada um deles auferiu a sua cultura. Da Alemanha, você ganhou a sua formação filosófica; aproveitou a dialética de Hegel e o materialismo de Feuerbach. Da França, você adquiriu o ideário socialista de Sismondi, Saint-Simon, Bakunin, Proudhon, mas transformando o que você chamou de socialismo utópico em científico. Na Inglaterra, você tomou conhecimento das obras dos maiores economistas, daqueles que tornaram a economia uma ciência.
-De uma maneira simplificada, foi isso que aconteceu.
-Você lia as obras dos grandes filósofos alemães, dos grandes socialistas franceses e dos grandes economistas ingleses e criava em cima delas, assim surgiu a sua bibliografia: “A Ideologia Alemã”, “A Miséria da Filosofia”, ”Fundamentos da Crítica da Economia Política”, “Contribuição à Crítica da Economia Política”, “O Capital” 1º, 2º e 3º volumes...
-Sofri de furúnculos, doença psicossomática, que os meus detratores diziam ser provocadas pelo extenso tempo em que eu ficava sentado, na Biblioteca de Londres, estudando e escrevendo.
-Mas você teve uma filha que muito o ajudou como secretária e protetora.
-Foi a Tussy, que se chamava Eleonor Marx, nasceu, porém, um pouco tarde, em 16 de janeiro de 1855, a sétima do rol dos meus filhos.
-O meu professor marxista tentou se aprofundar em alguns pontos, como a dialética vista por Hegel e por você.
-O que ele disse sobre a minha Teoria da Alienação, por exemplo? – mostrou-se curioso.
-Disse que Hegel estabeleceu a existência do ser como afirmação e chamou de tese. Aquilo que se considera como não existência é o não ser, que ele chamou de antítese. Chega-se, então, ao vir a ser, que é a negação da negação, que Hegel denominou antítese. Resumindo: para a dialética de Hegel, tese, antítese e síntese são a afirmação, a negação e a negação da negação, respectivamente; para a dialética de Marx, tese – a afirmação – era o trabalhador, antítese – a negação – era o objeto do trabalho, e a síntese (negação da negação) a apropriação do objeto do trabalho pelo trabalhador.
-O seu professor marxista não se aprofundou no tema. - supôs.
-Ele falou que o fenômeno da oposição afirmação e negação, trabalhador e objeto do trabalho é, segundo você, a alienação, cuja origem latina é alienus (alheio). De onde se conclui que todo o trabalho é alienado, pois o trabalhador cria algo fora de si.
Marx apenas ouvia, e eu prossegui:
-O compositor Noel Rosa compôs uma canção “Três Apitos”, em que fala de uma operária da fábrica de tecido que sem meias vai para o trabalho. E, recorrendo à ironia amarga, Noel Rosa diz que ela não faz fé no agasalho, nem no frio ela crê.
-Isso é a minha teoria da alienação: uma trabalhadora que não se apropria do fruto do seu trabalho.
-Bem, Marx, você elaborou uma formidável crítica ao capitalismo, mas era um capitalismo selvagem. Com o transcorrer do tempo, o capitalismo se mostrou flexível e absorveu muitas reivindicações dos trabalhadores, mormente as que traziam a ênfase de Karl Marx.
-Foi isso que o seu professor de faculdade lhe ensinou?
-Esqueceu que ele era marxista? Atacava o comunismo da União Soviética porque ele veio na contramão das suas ideias, ou seja, não passou pelo estágio do capitalismo com as contradições do sistema.
-É isso mesmo. - enfatizou.
-Houve e há muitas críticas a você, uma delas é que você exagerou no homem socialista e não cuidou do homem como indivíduo, como fez Aristóteles, por exemplo. Você criticou o capitalismo, mas não mostrou como seria  o comunismo que o substituiria.
Como ele se mostrasse entediado, falei da sua morte.
-A perda da sua esposa, em 1881, o abateu muito. Vieram a depressão, a bronquite, a pleurisia, e você morreu dois anos depois, em 1883.
-Engels discursou à beira do meu túmulo.
Às palavras de Karl Marx, surgiu o seu amigo inseparável à minha frente, que repetiu o seu discurso naquele funeral. Depois, os dois desapareceram no ar.
 Este foi o panegírico fúnebre de Friedrich Engels:
 “Marx era, antes de tudo, um revolucionário. Sua verdadeira missão na vida era contribuir, de um modo ou de outro, para a derrubada da sociedade capitalista e das instituições estatais por esta  suscitadas, contribuir para a libertação do proletariado moderno, que ele foi o primeiro a tornar consciente de sua posição e de suas necessidades, consciente das condições de sua emancipação. A luta era seu elemento. E ele lutou com uma tenacidade e um sucesso com quem poucos puderam rivalizar. (...) Como consequência, Marx foi o homem mais odiado e mais caluniado de seu tempo. Governos, tanto absolutistas como republicanos,  deportaram-no de seus territórios. Burgueses, quer conservadores ou ultrademocráticos, porfiavam entre si ao lançar difamações  contra ele. Tudo isso ele punha de lado, como se fossem teias de aranha, não tomando conhecimento, só respondendo quando necessidade extrema o compelia a tal. E morreu amado, reverenciado e pranteado por milhões de colegas trabalhadores revolucionários – das minas da Sibéria até a Califórnia, de todas as partes da Europa e da América – e atrevo-me a dizer que, embora, muito embora, possa ter tido muitos adversários, não teve nenhum inimigo pessoal.”


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