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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4018 Data:
30 de agosto de 2012
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A CRÔNICA NO
SABADOIDO
PARTE I
-Claudio, assisti ontem ao “Cisne
Negro”. (*)
-Não é um filme de terror?
-Eu diria que é um filme de terror
psicológico, pois principalmente da metade da fita para o fim descamba para a
alucinação assustadora.
-Mais da metade... - enfatizou.
-Lembrei-me, em alguns momentos dos
enredos do Stephen King, com a diferença que a trama do filme é mais
inteligente; faz um contraponto da história musicada pelo Tchaikovsky com a
história da bailarina vivida pela Natalie Portman.
-De quem é a história do “Lago dos
Cisnes”? - demonstrou curiosidade meu irmão.
-Eu imaginava que fosse dos Irmãos
Grimm, mas parece que é uma lenda alemã.
-A personalidade da bailarina se parecia
com a do cisne branco.
-Ela era castrada pela mãe, Cláudio;
tinha muita candura, delicadeza... Há um momento em que o diretor artístico da
companhia pergunta se ela era virgem.
-E ela queria atuar, também, como o
cisne negro, que era o avesso dela, uma mulher sedutora, sem freios morais... -
comentou.
-Como a personagem da Natalie Portman,
além de perfeccionista, era competitiva, não queria perder o papel de cisne
negro para a dançarina, que ela imaginou como rival, de jeito nenhum.
-Pois é, Carlinhos, o drama ou terror,
sei lá o quê, vem todo daí.
-Que artista excepcional é a Natalie Portman!
Creio que ela ganhou o prêmio de melhor atriz em todos os festivais em que o
filme concorreu. - exultei.
-Ela é grande atriz desde pequena.
-Na fita, confundem-se realidade, sonho,
imaginação, pesadelo, alucinação...
-Eu, que assisti ao filme no cinema,
onde o impacto das cenas é mais forte, levei alguns sustos.
-Eu gravei a fita da televisão e quando
terminou, julguei que tudo poderia ser um sono e voltei para o início.
-E viu tudo de novo?
-Tudo, não. A fita acaba quando o cisne
branco se mata, atirando-se do alto e caindo num colchão que, é evidente, a
plateia não vê. Quando a Sara Bernhardt representou “La Tosca ”, no Teatro Lírico
Fluminense, ela se jogou de um muro e não colocaram o colchão no lugar certo, a
grande atriz teve uma gangrena, com o choque no chão e, mais tarde, a perna
dela foi amputada.
-O que dizia você sobre o colchão do
cisne branco?- mostrou-se o meu irmão impaciente com a minha falta de
objetividade.
-O filme se inicia com ela tendo um
pesadelo na dança do Lago dos Cisnes, em seguida, ela acorda, levanta-se da
cama e pratica uns exercícios de alongamento típico de bailarina.
-Eu me lembro.
-É um filme, enfim, que fica em aberto,
deixando ao espectador inúmeras interpretações. Você não pensa assim?
-E aí, Carlão? - era o Daniel que
adentrava a cozinha com a sua alegria esfuziante.
-Ainda bem, Daniel, que não que veio
aquela surpresa de você ser convocado para trabalhar neste sábado.
-Mas as surpresas acontecem, Carlão.
Sem tomar fôlego, indagou:
-E o antivírus que instalei no seu computador?
Daniel, nem o vírus que os americanos
introduziram no programa nuclear dos iranianos escapam do seu antivírus.
-Eles não contavam com a minha
perspicácia. - imitou o Chapolim, um comediante mexicano da televisão que o
distraía, quando garoto.
Enquanto conversávamos, meu irmão saiu,
por momentos, da cozinha.
Daniel, que mexia no seu celular,
enquanto falava, fez soar dele uma música em alto volume.
-Você escuta o seu celular assim, na
Casa da Moeda?
-Está maluco, Carlão?
-No meu trabalho, ligam o rádio em
decibéis de britadeira, falam em voz alta, educa-se até os filhos pelo
telefone...
-Carlão, eu tenho uma colega que é
assim. Ela grita com o filho no telefone: “Estuda, seu moleque, porque vou lhe
meter a porrada se você tirar nota
baixa. Quando ela desliga, volta-se para mim: “Veja, Daniel; ele vai
para a escola de manhã e quer ficar a tarde toda de frente para a televisão.
Tem que pegar os livros e estudar.”
E fez uma ressalva:
-Mas ela só faz isso na hora do almoço.
-No meu serviço, essa educação por
telefone pode ocorrer a qualquer hora, inclusive no momento em que você quer silêncio
pra elaborar um parecer técnico.
Meu irmão retornou à cozinha e o Daniel
se levantou da cadeira anunciando que se vestiria para uma caminhada.
Peguei um envelope que estava depositado
sobre a mesa e dele retirei um envelope menor que revestia um CD.
-Trata-se, Claudio, de um presente do
Elio Fischberg para o Luca.
Mostrei-lhe, em seguida, a figura do
cantor e compositor Caetano Veloso.
-Ele canta “Chuvas de Verão”, “Eu sei
que vou te amar”...
-Eu tenho esse disco.
-A voz do Caetano Veloso não agride os
meus ouvidos, agrada-me como a do Paulinho da Viola.
-São vozes bonitas. - concordou.
-Mas já vi, Cláudio, muita gente boa
levar uma surra na interpretação de “Eu sei que vou te amar”, inclusive o
Milton Nascimento. O Caetano Veloso, quando eu ouvi, recorreu a um falsete meio
maroto para escapar das notas mais difíceis do Tom Jobim.
E arrematei:
-A maneira de ele cantar “Eu sei que vou
te amar” neste disco, eu não posso dizer porque não ouvi, ainda.
Meu irmão nada adiantou sobre o mimo que
iria para o Luca, e eu prossegui.
-O Elio Fischberg se referiu aos ministros
do Supremo Tribunal Federal que julgam o mensalão.
-E o que ele disse?- quis saber.
-Sobre o Joaquim Barbosa, se reportou a
um parecer que ele deu na época em que era procurador. Elio o considerou fraco, sem um sólido
fundamento jurídico. Com o passar do
tempo, porém, o Joaquim Barbosa melhorou muito, além de contar também, com uma
boa assessoria. Pensa o Elio que ele, contudo, não chegará ao nível dos grandes
próceres que passaram pelo STF.
-O Joaquim Barbosa é aplaudido pelo povo
nas ruas. - interferiu meu irmão.
-Eu elogiei o fato de o Ricardo Lewandowski
ter admitido que entrou dinheiro público no mensalão, mas o Elio me alertou
para eu não me iludir, pois esse ministro é palaciano e deve o cargo à grande
amizade entre a sua mulher e a Dona Marisa do Lula.
-Ele vai livrar os petistas. - previu
também meu irmão.
-Quanto ao Gilmar Mendes, outro
palaciano, pelo que o Elio disse, não tinha nada que se reunir com o Lula e o
Nélson Jobim; e que só denunciou a pressão do Lula sobre ele, um mês depois, com
medo que alguém denunciasse o encontro, que mancharia a sua imagem de ministro
do STF.
-Ele não tinha de esperar um mês. –
interveio o Cláudio.
-Sobre o Antônio Dias Toffoli, falou que
é uma excrescência a presença dele no julgamento.
-Esse é um cara de pau por não se julgar
impedido nesse julgamento.
-Diz o Elio que a Carmem Lúcia condena
até suspiro.
-Carlão, o computador está livre. -
anunciou o Daniel.
(*) Cisne
Negro (Black Swan) é bom, mas não há como deixar de me lembrar de O Cisne Negro
(The Black Swan). Filme de capa e espada, em cima de história de Rafael
Sabatini, tem tudo que qualquer adolescente dos anos 60 adorava. Este
complemento é para tirar alguma dúvida que possa surgir em algum leitor.
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