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terça-feira, 4 de setembro de 2012

2212 - amantes e mequetrefes


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4012                                         Data: 23 de agosto de 2012
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SABADOIDO  DE  PAUL  A   PAUL
PARTE II

Luca sacou de um envelope um recorte de jornal, era uma crônica de Ruy Castro, e pôs-se a lê-la. Referia-se o cronista a casos que só as pessoas muito bem informadas conhecem, como o fato de Roberto Dinamite, ídolo e presidente do Vasco da Gama ter torcido pelo Botafogo. Júnior, que acelera o coração dos rubro-negros que acompanharam futebol há 30, 20 anos, morria de amores, quando mais jovem, pelo Fluminense, segundo o cronista, e mais: Bellini, não o grande pintor renascentista, nem o formidável compositor de óperas, mas o capitão do Brasil da Copa de 58, que consagrou o gesto de pôr a taça bem acima da cabeça, sofria de dores horríveis nos ombros quando executava esse gesto, porém, heroicamente, não deixava transparecer a dor.
Em seguida, Luca passou para outra crônica, e ele anunciou antes o autor e o tema:
-É do Hélio Schwartsman sobre a reação do cérebro dos atletas, por ocasião das Olimpíadas de Londres.
-Li essa crônica na Folha de São Paulo que fica na intranet do meu trabalho.
Eu conhecia o texto, mas o Claudio e o Vagner não, motivo mais do que suficiente para o Luca seguir adiante na sua leitura.
O autor iniciava seu escrito com uma explicação de John Coates em “The Hour Between Dog and Wolf” que disse que, operando no nível da consciência, o cérebro é uma tartaruga. Segue-se o porquê:  “levamos pelo menos 200 milissegundos para dirigir os olhos para um ponto de interesse, mais 300 ou 400 milissegundos para fazer uma inferência cognitiva e outros 50 milissegundos para iniciar o comando motor. Assim, um sujeito excepcionalmente rápido gasta, no mínimo, meio segundo pensando.”
-Usain Bolt, por exemplo, não baixa ainda mais o seu recorde dos 100 metros rasos porque sai mal. – interrompi.
Depois dessa crônica, apareceu uma terceira, ainda maior em largura e comprimento, nas mãos do Luca, do Carlos Heitor Cony. Enquanto ele lia, eu imaginava a situação do ministro do Supremo Tribunal Federal, César Peluso: dias e dias debruçado sobre as montanhas de papéis do processo do mensalão, com a sua assessoria jurídica e não podendo votar, por causa dos seus 70 anos de idade, aniversário que ocorrerá no dia 3 de setembro.
Talvez a leitura do Luca no Sabadoido tenha despertado a memória dos presentes para o ministro Joaquim Barbosa que, como relator do citado processo, lê, na TV Senado, mil páginas do seu parecer sobre o caso.
-Tenho a impressão que o Joaquim Barbosa vai condenar todo o mundo. - bradou meu irmão.
-Você vê as discussões dele com o Ricardo Lewandowski, Claudiomiro?
-Os dois se detestam. - reproduzi a notícia que lera sobre os bastidores do STF.
-Quando falaram em fatiar o processo, tive a impressão que a pizza estava pronta. - disse o Luca com um sorriso malicioso.
-Haverá condenações, mas ninguém irá para a cadeia.
-O revisor, Ricardo Lewandowski, tentou de todas as maneiras jogar para frente esse julgamento. - afirmei.
-O advogado do Roberto Jefferson bateu duro no Lula. - lembrou o Luca.
-A intenção deles todos é procrastinar esse julgamento para colher os benefícios. Como disse o relator Joaquim Barbosa não cabe colocar o ex-presidente Lula como polo passivo do processo.
E concluí com o meu conhecimento jurídico de curioso:
-Começaria tudo de novo.
Luca mais uma vez se levantou para ver se o vendedor de mate continuava com a mesa de escritório junto a seu carro estacionado, enquanto eu me reportava ao advogado de defesa que chamara a sua cliente de mequetrefe.
-Foi o advogado Paulo Sérgio Abreu e Silva, que chamou a Geiza Dias do Santos de “funcionária mequetrefe”.
Depois, o Cláudio continuou:
-Ele disse que tomava uísque e precisava de uma palavra que precisasse com justeza a personalidade da sua cliente nesse processo do mensalão e lhe veio, num lampejo, a palavra mequetrefe.
-E ela ainda telefonou para o advogado agradecendo. – manifestei-me com uma risada.
-Com esse advogado, não precisa de promotor. - disse o Vagner.
Luca, que retornava, falou do poema de Camões, citado por um dos advogados.
-Muito bonito, sobre Raquel...
-Sete anos de pastor Jacó...
Mas o Luca ocupara todo o espaço sonoro da sessão do Sabadoido, e eu não pude, por momentos, falar do mais popular soneto do autor de “Os Lusíadas”.
A Rosa não faz outra coisa do que me criticar pelo fato de eu conhecer muitos poemas de cor, mas no momento em que lhe escrevi que um advogado citara o poema de Camões sobre as irmãs Raquel e Lia, ela recitou de memória, sem tropeçar numa só palavra, todo o soneto. Quando ela acabou, eu lhe disse: “Você pode memorizar os poemas de que gosta, eu não?”
-As frases desse soneto de Camões fluem de uma maneira tão natural que se alojam na mossa memória quase que automaticamente. - comentei.
-É isso mesmo. - concordou o Luca.
Mais adiante, ele apresentou um caderno de umas seis páginas de “A Folha de São Paulo”.
-Uma entrevista longa com Carlos Drummond de Andrade...
-Essa entrevista, Carlinhos, foi feita por uma intelectual que elaborou uma tese com a poesia de Drummond. Quem a apresentou ao poeta foi a amante dele.
-A Lygia Fernandes. - interrompi o Luca.
-Sim; ela ficou, depois, enciumada da atenção que Drummond dedicava à sua amiga. – prosseguiu.
Mostrou, no mesmo caderno, uma página sobre os depoimentos que o Chico Buarque de Holanda e o Caetano Veloso prestaram aos militares na época da ditadura militar. Não expressei muito interesse e o Luca deixou o jornal nas mãos do meu irmão.
Evidentemente, que não existe uma sessão do Sabadoido que não trate de música.
-Eu ouvia Melody of Shadow, que todos aqui conhecem...
-Eu não conheço. – confessei.
Vagner aproveitou o momento e entoou a melodia.
-Vocês que dizem que a memória do Vagner falha... – disse o Luca surpreendentemente.
Na verdade, o Vagner cantara o tema do filme Ghost, que se chama Unchained Melody.
 -E a grande perda que foi o Altamiro Carrilho... –lamentei.
 -Triste.
-Falam dele em termos de Brasil, mas Altamiro Carrilho esteve entre os melhores do mundo. - enfatizei.
-Quem melhor falou foi o Gilberto Gil: “Perdemos a nossa flauta mágica.” – interveio o Claudio.
-Flauta Mágica é uma obra de um compositor de que eu não me lembrava.
-Mozart.
-Luca no filme “Amadeus”, a Flauta Mágica tem um grande destaque.
Depois dessas palavras, meu irmão voltou ao Altamiro Carrilho, dizendo que ele foi melhor flautista do que Pixinguinha.
-Pixinguinha trocou a flauta pelo saxofone porque Benedito Lacerda era flautista e os dois tocavam juntos. Altamiro Carrilho, segundo os estudiosos, sofreu influência do Benedito Lacerda. - comentei.
Enquanto falávamos, Luca foi ver, mais uma vez, se o vendedor de mate ainda mantinha a mesa de escritório perto do seu carro.


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