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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4021 Data: 3
de setembro de 2012
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SABADOIDO
DE CASA CHEIA. MAS SEM JORNAL
-Gostou do fogão de quatro bocas. -
gozou-me o Daniel pela derrota de 4
a 0 do Botafogo frente ao São Paulo.
Gina soltou um risinho zombeteiro,
enquanto meu irmão reclamava da demora na entrega do Globo.
Daniel aproveitou o mau humor do pai
para fazer outra piada contra mim:
-O entregador de jornal quer poupar o
Carlão, que leria as más notícias sobre o Botafogo.
-Daniel, Botafogo e São Paulo jogaram
muitos dias atrás, é notícia requentada. - argumentei.
-Carlão, o Globo não traz notícias de
futebol de 50 anos atrás?...
Animado, dirigi-me a todos:
-Falando nisso, vocês leram que o Santos
derrotou o Peñarol, em
Buenos Aires , com dois gols do Pelé e os argentinos
aplaudiram de pé o time santista? Naquele tempo, até os argentinos admiravam os
craques brasileiros.
-Carlinhos, isso aconteceu porque eles
odeiam mais os uruguaios do que os brasileiros. - interveio a Gina.
-E esse jornal que não chega!
-Claudio, você não havia cortado a
assinatura justamente por esse motivo? - intriguei-me.
-Cortei, mas uma pessoa com lábia
pegajosa do Globo telefonou para cá, falou em desconto e me convenceu a reatar
a assinatura. Fui iludido. (*)
-Eles fazem de tudo para não perder o
vínculo com o cliente. - concluí.
-Vou caminhar. - anunciou o meu
sobrinho.
-Vai caminhar uma hora?
-Uma hora, duas horas, não sei, Carlão.
-O Daniel tem caminhado até o prostíbulo
de Pilares. - esqueceu meu irmão a chateação da falta de jornal pela primeira
vez desde que eu chegara.
-Antes, vou deixar a Lanhouse preparada para o Carlão. - disse o Daniel.
-E veja as minhas gravações. - gritou a
Gina quando ele já se encontrava no quarto.
-E a greve do funcionalismo público? -
demonstrou ela curiosidade.
-Os sindicalistas, além de não levarem
nada, deram argumento ao governo para enviar medidas ao Congresso que impõem limites
às paralisações dos servidores.
-A Polícia Rodoviária Federal colocou
cartazes, nas fronteiras, com dizeres: “Entrada livre de drogas e armas.” -
indignou-se meu irmão.
-Nas reuniões com os sindicalistas das
agências reguladoras, que eu tinha de participar porque ocorriam no local onde
trabalho, eles enalteciam o Lula e esculhambavam o Fernando Henrique, que foi quem criou as agências, quando o
Bresser Pereira era ministro da Administração, mas eles omitiam isso. Lula, na realidade, esvaziou a função dos
órgãos reguladores, mas como deu dois polpudos aumentos de salário no segundo
governo dele e os servidores públicos, na maioria, pensam com o bolso em vez do
cérebro, acharam tudo estava ótimo sob os governos petistas. Agora, caíram na
realidade e xingam a Dilma Rousseff. São uns palermas. - tagarelei.
Depois de uma estocada ferina, Gina se
penitenciou:
-Eu
não devia fazer piadas porque fui ao enterro da minha tia esta semana.
-Você tem muitas tias e eu não conheço
quase nenhuma.
-Falo da minha tia que tinha dois
filhos, com problemas mentais, que passavam em primeiro lugar em todos os
concursos de que participaram.
-Ah, sei da história deles.
-Minha tinha estava com um câncer até
que administrável. Submeteram-na a um tratamento de quimioterapia, ou
radioterapia, não sei bem, e ela piorou consideravelmente.
Daniel irrompeu cozinha a dentro.
-Gravações feitas, computador pronto
para receber o Carlão.
-Não fique caminhando a vida toda. - recomendou-lhe
a mãe, enquanto ele rumava para a rua.
Diante do ecrã do computador do meu
sobrinho, acessei o arquivo enviado pelo Elio Fischberg que mostrava inúmeras
fotografias de Brasília tiradas de cima por Bento Viana. Veio-me logo à mente a
entrevista do urbanista dinamarquês Jan Gehl à revista “Veja” na semana
anterior. O seguinte trecho dessa entrevista veio a calhar:
“O que mais me incomoda na arquitetura
modernista é o fato de que é uma arquitetura pensada de cima para baixo e não o
contrário, como deveria ser. O exemplo de Brasília é emblemático – tanto que
costumo me referir à “síndrome de Brasília” quando vejo locais muito grandiosos
e sem nenhuma conexão com as necessidades de seus habitantes. Brasília até
impressiona vista de cima, da janela do avião, mas lá embaixo, no nível do olho
humano, ela não cumpre nenhum dos critérios que fazem de uma cidade um lugar
bom para viver. Alguns dos espaços em Brasília estão entre os piores que já vi
na vida. A cidade é monumental demais, desagradável para caminhar. Nos anos 60,
quando esse tipo de traçado se popularizou, ninguém sabia nada sobre a
interação das pessoas com o espaço que elas habitam. O que se sabia era como
planejar uma cidade tecnocrática. O viés modernista, que prioriza o prédio e
ignora o que acontece à sua volta, não produziu cidades boas para viver. Como
princípio, eu não gosto.”
Ou como disse outro urbanista: “Quando
os habitantes necessitam de automóveis para se locomover, houve alguma coisa
errada no planejamento da cidade.”
Continuei a examinar a minha caixa de
correspondência até que me deparei com o último filme do Dieckmann. O título
falava em pumas e eu logo imaginei algo parecido com o “Mundo Animal”, nada
disso: era a marca do carro. E eu que pensava que o único felino automobilístico
que o Dieckmann levava em consideração era o Jaguar... Procurei logo assistir
ao vídeo.
Primeiramente, ouvi vozes e não vi
imagem alguma. Será alguma inovação técnica do cineasta de Santa Teresa?...
Algo, que nem Jean-Luc Godard imaginou?... Minutos depois, aparece um belo
cenário da zona sul do Rio de Janeiro e se vê banhistas desfrutando as ondas do
mar num dia radiante. Surgem então, o Dieckmann, Sérgio Strong, um amigo e
senhoras, entre elas, a Branca.
Sérgio Fortes falava de um tal de Levi,
que lhe lembrava um amigo do Frank Sinatra. Pensei no Sammy Davies, Jr, mas o
Dieckmann citou logo o Dean Martin. E logo houve um corte para se mostrar o
cantor e ator com um copo na mão. A câmera retorna para o Sérgio Strong que
conta que Levi/Dean Martin arrumou uma vodca para fazer caipiroska que lhe
provocou uma dor de cabeça de três dias.
-Onde você arrumou essa vodca, Levi? –
perguntou a vítima. (**)
Depois, Sérgio Strong passa a falar do
Roniquito. Este é comparado pelo Dieckmann ao Batman (***) e o inimigo da
mulher-gato surge imediatamente na tela com as suas orelhas de dobermann.
Nos vinte segundos finais do filme, a
câmera mostra os Pumas em exposição, um deles sendo manobrado. (****)
Nos créditos, lá estão: Dieckmann, Dean
Martin, Batman, Sergio Fortes e demais comprimários.
Cotação: boneco de ressaca com um saco
de gelo na cabeça. (*****)
Da antiga garagem do fusquinha da Gina,
várias vozes se ouviam do cybercafé
do Daniel, inclusive a do Vagner e a do Luca.
(*) Passando,
célere, os olhos pela edição, o Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO já
percebeu que este asterisco não ficará sozinho.
Quanto ao
jornal O GLOBO, cabe esclarecer que não é privilégio do Sr. Redator recebê-lo
fora do horário máximo estipulado – 06:30h.
A tal lábia
do atendente existe e eles fazem de tudo para manter a assinatura, porém, com o
Distribuidor, a porca torceu o rabo e O GLOBO teve que reconhecer que não
cumpria mesmo o horário e encerrou a assinatura. Expliquei a eles que a minha
decisão não era motivada por sermos concorrentes e que, mais ainda, eu comprava
o jornal na banca todo dia e mais caro, porém mais cedo do que o entregador
passava.
(**) O Sr.
Redator gosta de promover suspense à custa da Triumpho 30 Produções. Para o
leitor que não viu o filme, o Levy esclareceu, muitíssimo indignado, que a dor
de cabeça não poderia ser da vodca, pois ele mesmo a fazia, na banheira aqui da
casa.
(***) Não se pode obrigar o assistente a
entender, mas deveria haver uma lei que obrigasse o assistente a assistir antes
de comentar: Quem meteu o Batman nessa história foi o próprio Roniquito, ainda
em voo de atropelado. Se alguém tem dúvida, que consulte https://vimeo.com/47788864 .
Interessante
que as cenas do Dean Martin confirmando que a vodca era mesmo do chuveiro (em
inglês) e as ondas da Prainha em
plena Baía da Guanabara não mereceram sequer um hello do
redator. E deram o maior trabalho.
(****) Ainda
bem que o proprietário do Porsche 914 cor de abóbora não lê o seu O BISCOITO
MOLHADO. Ele teria justas coceiras, pois mantém impecavelmente o automóvel que
em nada se parece com um Puma – aliás, está até escrito PORSCHE na lateral do
carro – o redator está é com raiva do oculista, do que já se suspeitava desde
que ele ouviu vozes e não viu imagem alguma...
(*****) Consultamos
a produtora, com a edição na mão e o Dieckmann minimizou a crítica e enalteceu
os asteriscos colocados. Achamos que ele tem razão, afinal, ressaca em cabeça
de quem não bebe, merece estudo aprofundado, de preferência, com marreta e
cinzel.
Não leio o BM com frequência, portanto não soube de imediato da afronta ao meu Porsche 914, rebatizado pelo Editor do periódico como Puma. Só após uma conversa via SMS corporativo com o Distribuidor, soube do desagradável fato. A ofensa não apenas causou coceira, mas urticária e mal estar gastrintestinal.
ResponderExcluirEm tempo, o olhar "nouvelle vague" da câmera das produções da Triumpho 30 requerem uma certa habilidade do espectador.
Comentário pertinente. Desejamos pronta recuperação e pedimos desculpas por algum inconveniente causado. Quanto o olhar novelle vague, solicitamos que o comentário seja postado em vimeo.com.
ExcluirMutatis mutandis ....
ResponderExcluirEm tempo, o olhar "nouvelle vague" da câmera das produções da Triumpho 30 REQUER uma certa habilidade do espectador.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirDe forma alguma.
ResponderExcluirSou fã de carteirinha das produções da Triumpho 30, às quais assisto com olho rútilo e lábio trêmulo. Assistir às "películas" produzidas no bucólico bairro de Santa Teresa me proporciona momentos de raro prazer. Como nos tempos em que fumava Carlton.